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sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Depois do “comunavirus”, o “tecnototalitarismo”: o chanceler acidental insiste em hostilizar a China

 Araújo diz que relação com EUA seguirá fortalecimento da liberdade e democracia

O chanceler admitiu que o Brasil, num primeiro momento, teria interesse em participar da "aliança de democracias" proposta pelo presidente americano, Joe Biden

Valor Econômico | 29/1/2021, 13h37

O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse nesta sexta-feira durante painel eletrônico promovido pelo Fórum Econômico Mundial de Davos que a relação do Brasil com os Estados Unidos na gestão Joe Biden seguirá os mesmos princípios já adotados, de fortalecimento da liberdade e da democracia. O chanceler admitiu que o Brasil, num primeiro momento, teria interesse em participar da "aliança de democracias" proposta pelo presidente americano, Joe Biden.

Araújo insistiu durante o debate que a "raiz" da relação entre os dois países é a liberdade, e isso terá impacto para todo o hemisfério, garantindo o combate ao crime organizado e ao que chamou de tentativas políticas de atacar a democracia. 

Ao analisar o contexto da economia mundial, o chanceler defendeu a necessidade de assegurar condições de competitividade, citando o pleito do Brasil para reformas na Organização Mundial do Comércio (OMC).

"Na OMC, o Brasil busca reformas para manter princípios básicos de economia de mercado", afirmou. "Precisamos de um sistema que recompense a democracia".

Questionado no debate sobre o papel da China na economia mundial, Araújo afirmou que a ideia de que a China se aproximaria do modelo de governança do Ocidente não ocorreu, e isso exige "criar condições em que se possa competir, independente dos sistemas sociais".

O ministro participou do debate ao lado de representantes dos governos do Canadá e da Espanha.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/01/29/araujo-diz-que-relacao-com-eua-seguira-fortalecimento-da-liberdade-e-democracia.ghtml

 

 

Brasil e EUA precisam barrar 'tecno-totalitarismo', diz Ernesto Araújo em referência à China

Chanceler não cita país pelo nome em fala na qual evitou discutir cooperação sobre clima e Covid-19

Folha de S. Paulo | 29/1/2021, 13h44

O Brasil de Jair Bolsonaro quer uma aliança com os Estados Unidos e "outros parceiros democráticos" para barrar a ascensão do "tecno-totalitarismo" de países com "diferentes modelos de sociedade" —ou seja, a China.

A afirmação foi feita durante um painel virtual de debate do Fórum Econômico Mundial pelo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo.

Ele fez questão de não nominar "nenhum país ou companhia específicos", mas todas suas intervenções foram voltadas a fustigar a China, maior parceiro comercial brasileiro e no centro da chamada guerra da vacina, por ser o principal produtor de insumos dos imunizantes a serem feitos no Brasil.

Ernesto estava acompanhado da chanceler espanhola, Arancha González, e do ministro canadense François-Philippe Champagne (ex-Relações Exteriores, agora Inovação), numa conversa mediada pelo presidente do fórum, Borge Brende.

A ideia era debater o conceito de cooperação internacional ante a realidade da pandemia da Covid-19 e da mudança climática —temas nos quais o negacionismo do governo Bolsonaro, alimentado pela ala ideológica da qual Ernesto faz parte, é notório.

Enquanto os colegas debatiam a necessidade de garantir vacinação equânime e enfrentar os desafios da demanda de imunizantes, Ernesto preferiu falar na necessidade de manter valores como a liberdade nas relações internacionais.

"Qualquer mudança nos EUA é imensa para nós", disse o chanceler, um fã declarado do antecessor do presidente Joe Biden, Donald Trump. "Se o foco é em mudança climática, OK, mas queremos fundamentar relação em liberdades", disse.

Foi uma referência enviesada ao pacote de US$ 2 trilhões na área do clima anunciado pelo democrata, que assumiu na semana passada.

"Um desafio é emergência do tecno-totalitarismo. Não se trata da questão de EUA contra China, mas é uma questão de diferentes modelos de sociedade. Novas tecnologias podem ser ótimas para a democracia, mas podem fornecer meios para um Estado totalitário, e não queremos isso."

"Queremos tratar desse tema com os Estados Unidos e parceiros democráticos", disse, excluindo a ditadura comunista da equação.

"Quem controla o discurso tem um tremendo poder. Não podemos deixar isso na mão de atores, e não falo aqui de países ou companhias específicas, que não são comprometidos com a liberdade", disse o chanceler.

Se não foi um ataque direto à China, como já fez no passado ao lado de expoentes do bolsonarismo com os filhos do presidente, foi uma pouco disfarçada declaração de princípios —ainda que tenha poupado os participantes da maquinações sobre o globalismo maléfico que permeiam suas falas.

"Quando olhamos para os anos 1990 e 2000, a ideia era de que a China iria se tornar parecida com o Ocidente. Isso não aconteceu. O Ocidente se tornou mais parecido com a China. Nós não temos de mudar nossa sociedade", afirmou.

Sobre mudança climática, que Ernesto já chamou de ideologia, ou Covid-19, cuja trapalhada na compra de doses de vacina da Índia custou pressão sobre seu cargo, nenhuma elaboração foi feita.

Seus colegas foram mais cautelosos quando questionados sobre os efeitos da separação ("decoupling", no jargão internacional em inglês) dos modelos tecnológicos dos países encarnada na disputa pela implementação das redes 5G —a chamada internet das coisas.

Como se sabe, a China oferece um produto mais barato e eficaz, mas que é acusado no Ocidente de embutir elementos de espionagem ou roubo de dados. A discussão está viva no Brasil, que teoricamente decide neste ano quem vai poder fornecer equipamentos e operar o 5G no país.

"Não podemos permitir a separação [nas relações internacionais] quando o assunto é a mudança climática. Temos de evitar a todo custo o confronto [entre China e EUA]", disse González ao comentar a posição europeia ante a briga dos gigantes.

Champagne concordou com Ernesto acerca da necessidade de promover a governança democrática, mas disse que a relação com a China é "algo complexo".

Para Ernesto, a única forma de lidar com a questão é deixar as pendências para serem resolvidas em entidades como a Organização Mundial do Comércio, desde que reformuladas —o Brasil compartilha a visão americana de que a China não joga pelas regras ali.

"O sistema internacional tem de premiar a democracia", disse o brasileiro. Reticente acerca de Biden, afirmou que o Brasil quer trabalhar com o novo presidente americano "dentro desse arcabouço de liberdade" e que é a favor do que o democrata chamou de "aliança de democracias".

Aproveitou e repetiu a narrativa usual do bolsonarismo de que o Brasil vinha "de uma situação em que estávamos longe das democracias", em relação à política Sul-Sul da era Lula, que já havia sido parcialmente revertida nas gestões Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/01/brasil-e-eua-precisam-barrar-tecno-totalitarismo-diz-ernesto-araujo-em-referencia-a-china.shtml

Batman returns: o Cronista Misterioso do Itamaraty está de volta...

O Batman do Itamaraty está de volta!

Ou melhor: meus agentes secretos, 005 e 006, voltaram de férias ou do descanso, e conseguiram me desovar as saborosas — algumas angustiantes — crônicas do Cronista Misterioso das últimas semanas do ano miserável de 2020 e as primeiras de um ano, 2021, que promete ser mais miserável ainda.

Em todo caso, preciso preparar uma terceira edição destes petardos anti-EA, para ampla disseminação e circulação entre o público interessado. 

Começo pela primeira desta terceira safra e depois vou alinhando paulatinamente as 14 seguintes, aproveitando para desejar ao Cronista Misterioso meus melhores votos de felicidades em 2021 (só desejo um ano pior, desgraçado, a quem vcs sabem quem).

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 29/01/2021


É bom ser pária (semana 26)

Escreveu o poeta que devemos ter nossos corações palpitantes de amor patriótico para enfrentar o dragão da mal. Não me refiro a nenhum conto infantil, mas a recente discurso de nosso chefe, que, falando para os formandos da turma João Cabral, convocou-os para uma “aventura nacional e mundial de proporções históricas”! “No sentido medieval” mesmo, como esclareceu. 

Não estou plenamente seguro de que os jovens formandos tinham a consciência de que ingressavam não em uma tradicional carreira de estado, mas em uma “aventura épica”, em um “combate de gigantes pela essência humana”! Pensando cá com meus botões, lutar contra dragões… Não tenho certeza se estava nos planos desses jovens.

No romance heroico de nosso chanceler, o globalismo e o politicamente correto, a mando “sabe-se lá de quem” - pois há de ter um toque conspiratório nisso tudo - construíram um ser humano artificial, sem sexo. Pois é, sem sexo - não atribua a mim esse recalque, leitor, foi ele quem disse. A propósito, todas essas referências lascivas a “orgias” e “acasalamento” podem até ser uma forma de agradar o chefe, é verdade, ou de “libertar a linguagem”, mas tenho cá pra mim que… Bom, tirem suas próprias conclusões; ainda me apego a esse incômodo “politicamente correto”. 

A saudosa Ms. Walker, professora de inglês de todos nós, proferiu, na mesma ocasião, discurso a um só tempo sóbrio e grandioso. Multilateralismo, democracia e redução das desigualdades sociais. Ah, que saudades que tenho de nossa real diplomacia, em que conceitos racionais estavam também na palavra do Ministro, em lugar de críticas fantasiosas a inimigos imaginários.

Mas a ele uma coisa não se lhe pode negar. Sabe que somos párias, objeto de desconfiança, descrédito e piada. Chacota mesmo. Chalaça. Sabe que cada vez mais nosso trabalho é dificultado no exterior e torna-se por vezes até perigoso. Reconhece, e com orgulho. Diz que é bom ser pária. Acredita que somos heróis virtuosos, lutando sozinhos para libertar o mundo “sabe-se lá de quem”. Só mesmo em seu mundo lírico e confuso, cheio de vilões, aventura e magia.

Se ser pária é tão bom, senhor Ministro, Vossa Excelência poderá ser pária dentro de seu próprio Ministério, recolhendo-se a sua aventura imaginária contra moinhos, orgias comunistas e dragões do mal. Poderá dedicar-se a sua poesia épica e deixar que os assuntos atinentes à realidade sejam conduzidos por embaixadores respeitáveis, enquanto ainda há tempo de salvar a dignidade de nossa Casa.

Para acordarmos desse romance épico de baixa qualidade, reflitam.

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.


O “nó tático” de Bolsonaro - Alberto Aggio

 Artigo absolutamente realista de Alberto Aggio, sobre a consolidação do poder bolsonarista e a desarticulação e fragmentação das oposições, divididas e divergentes, como sempre. O Brasil afunda no pântano pestilento da subdemocracia e e da confusão institucional. Difícil reconhecer que a parte da classe média consciente não tem mais a capacidade de determinar resultados eleitorais, em face da dominação inédita dos novos bárbaros da direita e suas hordas de idiotas. Vai ser uma longa luta de restabelecimento de padrões mínimos do jogo democrático: por enquanto, somos uma republiqueta dominada por gangsteres oportunistas e ignorantes.

Paulo Roberto de Almeida

O NÓ TÁTICO DE BOLSONARO por Alberto Aggio

Fato é que Bolsonaro invadiu o espaço parlamentar e conquistou apoio para sua blindagem e sua família. Conquistou posições onde antes não punha os pés: na cúpula do poder Legislativo. Quem fez isso para ele? O general Luiz Eduardo Ramos, que comanda a Secretaria Geral de Governo,
e os líderes do Centrão. Tá tudo dominado. A vitória na presidência das duas Casas, como já se disse, é a antessala da eleição de 2022 e vai implicar em imensos desafios para as forças democráticas.
Este movimento conseguiu quebrar a espinha dorsal de quem se opunha a Bolsonaro no Parlamento: Rodrigo Maia. O DEM rachou e Maia viu sua liderança esfumaçar, combatido pela direita e pela esquerda. O movimento articulado por Maia alguns meses atrás, que buscava articular o MDB e o 
PSDB, não conseguiu sustentação entre os partidos e os parlamentares, mostrando como são frágeis suas convicções democráticas bem como suas perspectivas de futuro, superando o bolsonarismo. No mais, o de sempre: PSDB indefinido, PT oportunista, Psol confuso e o resto como barata tonta. E os partidos do Centrão negociando freneticamente tudo com os representantes do Planalto.Desta maneira, a sociedade não tem uma liderança em quem mirar e o Parlamento será capturado integralmente por Bolsonaro. Como corolário do pior dos mundos, as forças democráticas mostram-se inteiramente desarticuladas, não confiam umas nas outras, e só pensam na manutenção dos seus currais eleitorais por Estado em futuro breve, e quando muito, vislumbram candidaturas presidenciais para imantar suas permanências na vida político-partidária.Por outro lado, a lógica das fake news, ao contrário do que muita gente imagina, não arrefeceu. Comandada pela confusão midiática que Bolsonaro mantêm viva contra a vacina e a vacinação, conseguiu-se emparedar a principal liderança de oposição que demonstrou capacidade de enfrenta-lo na questão da pandemia e da vacina, duas questões centrais da hora presente na sociedade brasileira: o governador de São Paulo, João Doria Jr. Depois de breves vitórias, Doria foi e está sendo bombardeado dia após dia, pela direita e pela esquerda, pelas fake news e até pela mídia tradicional.

A lógica da velha política se sobrepôs a tudo, sem que a sociedade pudesse reconhecer isso. Esse foi o nó tático de Bolsonaro: ele confiou na ação desarticuladora da frágil cultura política democrática entre nós. Na sociedade, instalou-se uma luta de todos contra todos, demonstrada na questão da vacina; no Parlamento, retomou-se o toma-lá-dá-cá, com a liberação de verbas e cargos. É a política como negócio pessoal que volta à tona uma vez que se entende que a sociedade é assim e que não reagirá diante desse descalabro.
Hoje, Bolsonaro xinga e ofende a imprensa, desdenha dos políticos (porque a sociedade
não quer mesmo saber deles), descuida das pessoas e pede a elas que vivam radicalmente seus interesses individuais, dispensando qualquer proteção do Estado. Mas este está garantido para os seus negócios privados que lhe garantirão a manutenção no poder. A democracia existe por inércia, vai sendo conspurcada, dilacerada, dilapidada em seus valores. O Brasil vai perdendo o pouco que tinha de noção coletiva e de República, de bem-comum.
O impeachment voltou a fazer parte das vocalizações da conjuntura, mas todos sabem, com maior ou menor consciência, que ele não é mais do que uma bandeira agitativa sem possibilidade real de imposição; faz parte de um discurso da indignação (justa, mas impotente). Por isso, não há motivo algum para otimismo, embora também não haja razão para se cair no desespero; a política demanda realismo e acima de tudo reconhecimento do terreno e das circunstâncias. Muito provavelmente, viveremos derrota atrás de derrota até conseguirmos encontrar um novo rumo. E isso pode demorar anos.


Como as teorias da conspiração guiam a agenda internacional de Bolsonaro - Eduardo Barella (Valor)

 Como as teorias da conspiração guiam a agenda internacional de Bolsonaro

Como a cruzada contra o globalismo pauta as relações internacionais no governo Bolsonaro

Eduardo Barella

Valor Econômico | 29/1/2021, 5h

Quando candidato, Jair Bolsonaro acenou com um “novo Itamaraty” para conduzir a política externa brasileira. Parece estar cumprindo a promessa.

Em dois anos, o comando da diplomacia brasileira abandonou décadas de atuação pautada pelo multilateralismo e princípio da não ingerência, entre outras diretrizes. Bolsonaro deu o tom: discutiu com o presidente da França, Emmanuel Macron, sobre as queimadas na Amazônia; lamentou a vitória de Alberto Fernández na eleição presidencial argentina; acusou o governo chinês de disseminar o “comunavírus” e virou as costas para a ONU.

Sob tal diretriz, o “novo Itamaraty” trocou as propostas de diálogos construtivos por uma cruzada contra o chamado globalismo - para a direita radical, o conjunto de teorias conspiratórias disseminadas por agências internacionais e governos de esquerda para impor o “marxismo cultural”, em oposição aos valores patrióticos, anticomunistas e cristãos.

Um extenso levantamento feito por pesquisadores acadêmicos analisou 705 discursos e entrevistas sobre política externa dos principais integrantes do governo Jair Bolsonaro, da campanha de 2018 até julho de 2020. O mesmo foi feito com meio milhão de mensagens no Twitter postadas pela cúpula do governo e por influenciadores digitais que apoiam o presidente, mas num intervalo menor, entre dezembro de 2019 e julho de 2020.

A conclusão é de que 20% das menções da política externa brasileira sob o bolsonarismo contêm referências a teorias conspiratórias ligadas ao globalismo, algo inédito na diplomacia brasileira. Nenhum outro tema foi tão explorado pelo discurso oficial. O resultado surpreende porque teorias da conspiração não costumam fazer parte da política externa de governos, que têm a diplomacia racional como modelo predominante de narrativa.

O estudo identificou que 40% de todas as mensagens no Twitter no Brasil com teor conspiratório foram postadas por integrantes do governo, incluindo os do chamado “gabinete do ódio” - grupo de assessores responsável pelas redes sociais da Presidência.

Ou seja, além dos canais diplomáticos e oficiais, as teses conspiratórias ganharam capilaridade pela via digital e, com ajuda de influenciadores bolsonaristas, chegaram à base eleitoral do governo.

“Esses números comprovam que a política externa do bolsonarismo, do ponto de vista narrativo, está sendo pautada por uma visão de mundo antiglobalista, que, embora muita gente não tenha percebido, atende também a uma agenda interna do governo”, afirma o cientista político Feliciano de Sá Guimarães, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo (USP) e um dos responsáveis pelo levantamento.

“Falar mal da China, da Venezuela e da OMS ou denunciar que Macron quer invadir a Amazônia são temas internacionais que dão voto, pois passam uma mensagem de defesa de valores patrióticos”, acrescenta. O “comunavírus” seria um exemplo dessa suposta trama conspiratória globalista. A expressão se refere à narrativa de que o vírus SARS-CoV-2 foi criado em laboratório pelo governo da China com o objetivo de infectar o mundo inteiro e destruir a civilização cristã ocidental.

A pesquisa foi esmiuçada num artigo acadêmico ainda inédito, “When Conspiracy Theories Capture Foreign Policy Narratives: Jair Bolsonaro’s ‘Globalist’ Conspiracy in International Relations” (Quando teorias da conspiração capturam as narrativas de política externa: a conspiração ‘globalista’ de Jair Bolsonaro nas relações internacionais), assinado por Guimarães e três pesquisadores - Irma Dutra Gomes de Oliveira e Silva e Anna Carolina Raposo de Mello, ambas do IRI-USP; e Davi Moreira, da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP).

Guimarães e Irma prepararam outro artigo, que deverá entrar na próxima edição da revista britânica “International Affairs”, especializada em relações internacionais, em que relacionam as principais identidades populistas de direita radical no discurso de política externa de Bolsonaro e como elas formataram a relação do Brasil com o governo Trump e a China.

“As situações apresentadas numa teoria da conspiração geralmente são simplificadas por um tripé: a identificação de um inimigo, o plano desse inimigo para dominar o mundo e a ideologia que ele quer impor”, explica Guimarães. Segundo ele, os antiglobalistas afirmam que o debate ideológico fundamental do planeta não se dá mais entre capitalismo e comunismo, e sim entre internacionalismo (que chamam de globalismo) e nacionalismo, as nações.

Vem daí a narrativa antiglobalista de que existe um complô internacional liderado por vários inimigos mesclados - o governo chinês, a ONU, a OMS, o investidor George Soros etc. - para impor o “marxismo cultural”, que nada mais seria que uma leitura enviesada da obra do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), datada dos anos 30 do século passado. Gramsci dizia que o embate dos comunistas contra os capitalistas deveria se dar também no campo da cultura e das instituições culturais. “Essa fração da extrema direita acredita que o comunismo venceu essa guerra cultural e, portanto, vai impor valores agnósticos ou ateus, antinacionalistas e anticristãos”, afirma Guimarães.

A correlação entre teorias da conspiração e globalismo no discurso bolsonarista fica evidente ao se observar como essa mensagem chega à base eleitoral do governo. Na primeira parte do levantamento foram analisados discursos, pronunciamentos, vídeos no YouTube e entrevistas sobre política externa de quatro integrantes do governo: Jair Bolsonaro (123 registros), o chanceler Ernesto Araújo (480), o assessor de política externa Felipe Martins (43) e a titular do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves (35), além do deputado federal Eduardo Bolsonaro (24), filho do presidente.

Os pesquisadores captaram características de teorias conspiratórias por meio de palavras-chave (como globalismo, China, marxismo, ONU, OMS, etc.), rodaram os dados num software e colheram revelações interessantes. O antiglobalismo, por exemplo, foi tema de apenas 1% dos discursos de política externa de Bolsonaro. “Pode parecer pouco, mas aparece em quatro discursos-chave do presidente, incluindo os dois que ele fez nas Nações Unidas”, afirma Guimarães. Já Eduardo Bolsonaro se mostrou o mais radical de todos: a narrativa conspiratória antiglobalista esteve presente em 58% de todas as suas falas de política externa.

As citações de política externa da ministra Damares, por sua vez, eram mais ligadas a temas religiosos do que ao discurso antiglobalista, o que levou os pesquisadores a dar início a uma nova pesquisa, sobre os evangélicos e a política externa. “Temos evidências de que a frente parlamentar evangélica, a Assembleia de Deus e a Igreja Universal têm pautado a narrativa de dois grandes temas de política externa brasileira: a mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, que ainda não ocorreu, e a criação de uma aliança internacional de países contra perseguições a minorias cristãs”, diz Guimarães. “É a primeira vez que temas religiosos e argumentos teológicos são utilizados sistematicamente no discurso da política externa brasileira”, acrescenta.

Em outra frente, no Twitter, o trabalho serviu para dimensionar a ressonância das teorias conspiratórias bolsonaristas nessa rede social. O levantamento contou com um filtro específico (limitado às expressões “globalismo” e “globalistas”), chegando a pouco mais de 552 mil tuítes.

Por meio de alguns critérios, entre eles de alcance, frequência e engajamento (incluindo postagens que foram retuitadas mais de cem vezes), os pesquisadores chegaram a uma lista dos 50 maiores influenciadores digitais antiglobalistas do bolsonarismo.

Entre os integrantes do governo aparecem Arthur Weintraub (ex-assessor da Presidência e irmão do ex-ministro Abraham Weintraub); Felipe Pedri, secretário de Comunicação Institucional do Ministério das Comunicações; e Ernesto Araújo, um grande influenciador, com 557 mil seguidores no Twitter. Os ativistas digitais, maioria na lista, incluem o perfil que se identifica como “Dom Esdras das Threads”, o jornalista Rodrigo Constantino, o deputado cassado Roberto Jefferson e notórios bolsonaristas, como Allan Santos e Sara Winter.

Guimarães chama atenção para o fato de o Twitter ser uma rede social muito usada pela elite política bolsonarista. “A hipótese especulativa é que o Twitter pauta o WhatsApp, que tem um potencial de disseminação de ideias infinitamente maior, mas é impossível de ser medido por ser fechado”, explica o acadêmico. “É raro ver policiais militares ou caminhoneiros tuitando, mas áudios e mensagens dessas lideranças que apoiam o governo têm muita capilaridade no WhatsApp.”

O levantamento também reforça a hegemonia do discurso político bolsonarista nas redes sociais, que teve início na mobilização pelos protestos de rua para o impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Surpreso com os números, o ex-embaixador Rubens Ricupero cita um precedente histórico para alertar as demais correntes políticas sobre essa hegemonia. “Assim como o bolsonarismo está se aproveitando hoje das redes sociais, o fascismo e o nazismo, no começo do século XX, também perceberam a importância do rádio como um novo veículo de massa para atingir camponeses e operários e passar sua mensagem”, diz.

Procurado pelo Valor para comentar os dados do levantamento, o Ministério das Relações Exteriores informou, por meio de seu Departamento de Comunicação, que prefere aguardar a divulgação do estudo acadêmico para se manifestar.

A guinada da política externa brasileira sob o bolsonarismo não foi absorvida por boa parte dos integrantes e ex-integrantes do corpo diplomático do Itamaraty. Basta mencionar expressões como “globalismo” e “teoria conspiratória” para ouvir muitas reclamações.

“Eu nunca vi nada igual na nossa diplomacia, e olha que tenho 50 anos de carreira”, afirma o ex-embaixador Cesario Melantonio Neto, que antecipou a aposentadoria em dezembro de 2019, ao fim do primeiro ano do governo Bolsonaro, quando chefiava a embaixada em Atenas. Melantonio critica a relação de Bolsonaro com o agora ex-presidente Trump. “Não era de alinhamento, era de subserviência”, diz. “A gente abaixa a cabeça e ainda diz ‘I love you’? Não dá.”

Embora os diplomatas reconheçam que a política externa é sempre definida pelo presidente da República, cabendo ao chanceler cumpri-la, a atuação de Ernesto Araújo nos dois anos à frente do Itamaraty concentra boa parte das críticas. “Admito que parei de ler os discursos e os textos antiglobalistas do Araújo, dá aflição e desgosto de tão descolado da realidade”, afirma um diplomata com mais de dez anos de carreira, que ocupa uma posição intermediária na hierarquia do Itamaraty e prefere não se identificar por medo de represálias.

Ele diz que não existe mais clima entre os colegas para se discutir política. “Hoje consigo identificar quatro grupos entre os diplomatas da ativa: os que são contra e se expõem, os que são contra e se mantêm em silêncio [mas tentam conseguir um posto em que não sejam obrigados a seguir as novas diretrizes], os que flutuam de acordo com o governo, limitando-se a fazer o que lhes pedem, e, por fim, os que são alinhados e apoiam o chanceler”, revela.

Entre os diplomatas da ativa que não têm medo de se expor, o mais conhecido é o embaixador Paulo Roberto de Almeida. “Nenhum diplomata que frequentou o Instituto Rio Branco e serviu 30 anos no Itamaraty, como é o caso do Ernesto, tem o direito de ser antimultilateralista na diplomacia”, diz Almeida, que atualmente está sem cargo ou função.

Doutor em ciências sociais e autor de três livros sobre a era bolsonarista, Almeida foi demitido da diretoria do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais após publicar críticas à política externa do governo em seu blog, Diplomatizzando. Chegou a ser transferido para a Divisão de Arquivo, no segundo subsolo do Anexo 2 do Itamaraty, onde celular e Wi-Fi não têm sinal. Almeida diz que “Trump e o Ocidente”, texto de Araújo que chamou atenção de Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, conseguiu o objetivo de alçá-lo ao posto. “Metade do artigo é sobre o declínio do Ocidente, a outra metade é puro delírio olavista, juntando religião, salvação e antiglobalismo”, diz.

Pelo menos 20 diplomatas da ativa estão sem função. Há muita especulação sobre uma suposta caça às bruxas aos opositores do governo dentro do Itamaraty. Para Ricupero - autor de “A Diplomacia na Construção do Brasil - 1750-2016”, um dos livros mais abrangentes da história da diplomacia brasileira -, há uma intenção do governo Bolsonaro de implementar uma renovação nos quadros do Itamaraty.

Antes, segundo ele, os postos mais importantes, incluindo embaixadas de peso, sempre foram ocupados pelos diplomatas mais experientes. “Toda a cúpula do Itamaraty nomeada pelo Ernesto Araújo, que tem 53 anos, é da geração dele ou mais jovem. As mudanças parecem atender mais a esse objetivo”, afirma. No entanto, a insistência em adotar a narrativa antiglobalista fez Araújo perder a liderança entre os pares no Itamaraty. “Ele não é respeitado, é ridicularizado, o que é muito pior”, lamenta.

Sem Trump na Casa Branca, resta saber como ficam as relações do Brasil com os maiores parceiros comerciais, China e EUA. Para analistas, com a posse do presidente dos EUA, o democrata Joe Biden, e os constantes atritos com a China em meio ao agravamento da pandemia de covid-19, o governo deve ser pressionado a rever suas prioridades de política externa. 

“Seguramente vai aumentar a pressão do setor privado, do agronegócio e da indústria para que o Brasil assuma uma posição pragmática em relação ao governo americano”, afirma o ex-embaixador Rubens Barbosa, listando alguns prováveis pontos de fricção na relação bilateral. “Na área comercial, os EUA podem suspender conversações que começaram com Trump de facilitação de comércio; na área agrícola, alguma restrição à importação de produtos brasileiros e, na área política, podem surgir atritos no âmbito da ONU, em temas como democracia e direitos humanos”, enumera.

Barbosa adverte, porém, que é preciso aguardar como Bolsonaro vai reagir à principal agenda externa de Biden: o meio ambiente. “A política ambiental americana tem como objetivo impedir o aquecimento do planeta, por isso os EUA vão voltar ao Acordo de Paris”, diz. “Não acredito que Biden tenha especificamente algo contra o Brasil, ele tem perfil pragmático, não deve propor retaliações, pois mantemos relações econômicas, comerciais e financeiras importantes com os EUA”, afirma.

Segundo ele, como o acordo União Europeia-Mercosul não deve ser ratificado em 2021 - outro fator que poderia influenciar na questão ambiental -, Bolsonaro vai ganhar tempo. “Ele pode seguir com a mesma retórica, de que é macho e não se atemorizou com o resultado da eleição americana, mas tudo vai depender das pesquisas e da pressão interna”, observa Barbosa.

Para o cientista político Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da FGV, o discurso antiglobalista e suas teorias da conspiração atendem à estratégia populista de buscar inimigos, uma das marcas do atual governo. “Bolsonaro jamais falou em conciliação ou concessão, está o tempo todo antagonizando”, diz. “À exceção da pauta de reformas, toda a agenda do governo é negativa: é desconstruir, desinstitucionalizar, fechar o Ibama - e por aí vai.”

A sorte do presidente, segundo Casarões, é que alguns fatores econômicos internos permitiram que Bolsonaro seguisse nessa linha narrativa. “O agronegócio, por exemplo, tolerou as ‘bolsonarices’ do governo porque não teve perdas: a pandemia aumentou o preço dos alimentos, a China continuou comprando do Brasil, os mercados de soja e carne continuaram favoráveis”, diz.

Olhando para o futuro a curto prazo - os dois anos que restam do mandato de Bolsonaro -, Ricupero concorda que o isolamento do Brasil no cenário internacional tende a aumentar e pressionar internamente o presidente. “Os problemas causados pela opção pelo alinhamento com o Trump em contraposição à hostilidade com a China e ao comércio Sul-Sul com os asiáticos não chegaram a ser percebidos pela população, mas agora isso ficou mais evidente”, diz.

Ricupero diz que a questão das vacinas serve de exemplo. “Os EUA representam menos de 10% das exportações brasileiras, enquanto a China responde por cerca de 30% e, juntando com outros países da Ásia, incluindo Índia, somam 50% de nosso comércio”, diz. “Na hora que precisamos deles, para obter insumos da China e a liberação das vacinas da Índia, sentimos o que é o isolamento por causa de uma política externa equivocada.”

Para Ricupero, a pergunta a ser feita é simples: quais os custos e benefícios dessa política externa bolsonarista? “Os benefícios foram pequenos, atenderam mais ao grupo ideológico, que é apenas uma fração da base do governo, enquanto os custos, em especial os econômicos, foram elevados para vários setores, incluindo os que apoiam o presidente”, diz.

Segundo Ricupero, a política externa com viés antiglobalista do governo manchou para sempre a imagem do Itamaraty. “O dano já foi feito, não só para a diplomacia brasileira como para a noção do que o Brasil representa no cenário internacional”, diz. “Um dos componentes do respeito que sempre tivemos era a continuidade da nossa orientação diplomática, que agora foi rompida”, acrescenta. “Provavelmente vamos levar ao menos duas gerações para recuperar o prestígio.”

https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2021/01/29/como-as-teorias-da-conspiracao-guiam-a-agenda-internacional-de-bolsonaro.ghtml

Finalmente o Great Reset, que deve deixar o chanceler acidental mais maluco ainda - Ishaan Tharoor (WP)

Pronto: está armado o circo para o chanceler acidental deitar mais um daqueles discursos impagáveis, sobre como os globalistas pretendem dominar o mundo aproveitando-se da pandemia e colocando todos os seus embustes em proveito do projeto maléfica do Grande Recomeço. George Soros paga a festa, e Klaus Schwab anima o picadeiro para submeter as bravas nações independentes como o Brasil bolsonarista sob o tacão malvado do globalismo perverso, um projeto mancomunado entre burocratas da ONU, milionários de esquerda e os últimos marxistas existentes no mundo.

Vai ser uma batalha tão decisiva para o futuro do mundo ocidental judaico-cristão, quanto foi a batalha naval de Salamina, que evitou a escravização da gloriosa democracia ateniense contra aqueles persas malvados, antecessores dos aiatolás iranianos da atualidade.

Tudo o que chanceler acidental mais aprecia...

Paulo Roberto de Almeida

 

Ishaan Tharoor By Ishaan Tharoor
with Ruby Mellen
 Email 
The Washington Post, January 28, 2021

World leaders pledge a ‘great reset’ after the pandemic

Klaus Schwab, left, the founder and executive chairman of the World Economic Forum, listens to German Chancellor Angela Merkel, shown on a video screen, as part of the group's annual conference in Davos, Switzerland, on Jan. 26. (Salvatore Di Nolfi/Keystone/AP)

Klaus Schwab, left, the founder and executive chairman of the World Economic Forum, listens to German Chancellor Angela Merkel, shown on a video screen, as part of the group's annual conference in Davos, Switzerland, on Jan. 26. (Salvatore Di Nolfi/Keystone/AP)

Greetings from the snowy slopes of virtual Davos. No, Today’s WorldView did not make the trek up the mountain to the World Economic Forum’s annual gathering of global political and business elites. Because of the pandemic, there was no physical event to attend, no schmoozing with the great and the good, no rubbing shoulders with policymakers at pop-up espresso bars, no foraging for canapés in the pavilions of big tech firms.

But, through its digital platform, the forum’s organizers nevertheless set out an agenda that’s arguably more ambitious than before. Klaus Schwab, WEF’s founder and executive chairman, invoked the need to help provoke a “great reset” around the world in the wake of the pandemic. “The covid-19 crisis has shown us that our old systems are not fit anymore for the 21st century,” he said in a podcast ahead of events this week.

What does that reset look like? Schwab and his colleagues are pushing the concept of “stakeholder” capitalism — an approach to business and economic policymaking that looks beyond the interests of shareholders and toward the well-being of society (and fleshed out now in a new book by Schwab and his colleague Peter Vanham). For many years, WEF has embraced this sort of socially conscious language, urging corporate leaders to be more politically minded and governments to better collaborate with the private sector on a swath of development projects and social programs. WEF points to a growing catalogue of positive initiatives taken by governments and commitments made by major corporations thanks to the convening power of Davos.

 

But at this year’s conference, the toll of the pandemic has hammered home a new urgency. At least 225 million jobs disappeared worldwide over the past year — losses that were four times larger than what was exacted by the global financial crisis more than a decade ago — according to a report published Monday by the International Labor Organization. Oxfam, the anti-poverty nonprofit, separately found that while the world’s 1,000 richest people recouped their losses during the pandemic in a matter of months, it could take more than a decade for the world’s poorest to recover from its economic impact.

 

Faced with these grim conclusions, world leaders, at least rhetorically, rose to the occasion. French President Emmanuel Macron declared Tuesday that “we will get out of this pandemic only with an economy that thinks more about fighting inequalities.” He argued that the financialization of the economy had led to a focus on “profits that are not linked to innovation or work” and that liberal democracies needed to move beyond a now-outdated reverence for deregulation and hostility toward state intervention.

“The capitalist model together with this open economy can no longer work in this environment,” said Macron.

Kristalina Georgieva, managing director of the International Monetary Fund — a global institution once synonymous with neoliberalism — said that “unless capitalism globally brings people closer together, we won’t be winners after this crisis.” She added that the pandemic had widened the gap between wealthy and poorer nations and that global cooperation on addressing a crisis that knew no borders was “not up to par.”

 

Those sentiments were echoed by German Chancellor Angela Merkel, who once more used her bully pulpit at Davos to decry nationalism and called attention to the new challenges posed by unequal vaccine distribution around the world. “Let’s not kid ourselves: The question of who gets which vaccine in the world will of course leave new wounds and new memories, because those who get such emergency help will remember that,” she said.

Of course, reasons for skepticism abound over the utility of such gatherings. In the United States, the controversy over the GameSpot stock — where ordinary retail investors organized online to dramatically upend the schemes of a clutch of hedge funds — is a reminder of the deep populist contempt among many Americans for the sort of institutional investors who populate Davos each year. Meanwhile, some on the far right have cast Schwab and the forum’s efforts as part of a broader globalist conspiracy.

“The right sees the WEF arguments about restructuring the global economy as a dangerous attempt to impose ‘socialism’ and dismantle the traditional society, or what remains of it,” summarized the Indian geostrategist C. Raja Mohan. “The left scoffs at the Davos Man’s talk on the crisis of capitalism. It points to the complicity of the Davos forum in promoting policies that have brought the world to the current impasse and question its capacity to produce solutions.”

Today’s WorldView moderated a virtual session of Davos attendees eager to bring the world out of this impasse. Gabriela Bucher, Oxfam’s executive director, said that the yawning inequities revealed by her organization ought to make us “think of taxing differently.” She pointed to a new one-off wealth tax passed in Argentina that will raise funds for the country’s pandemic recovery efforts.

 

“This should be now the norm,” said Bucher. “We can’t think of small adjustments. We need to fund a fair and just recovery that is redistributing at the same time as it enables all the participants of the economy to remain active.”

Sadiq Khan, the mayor of London, spoke of how his city’s experience of the virus revealed gaps along socioeconomic, racial and gender lines, with Black Londoners statistically more vulnerable than others and mothers more likely to have lost their jobs than fathers. “Not only has this pandemic exposed those structural inequalities, but it’s exacerbated them,” said Khan.

(You can watch the whole discussion here, where the panelists also talked through a slate of solutions to reversing these trends of inequity.)

Darren Walker, president of the Ford Foundation, argued that “if capitalism is to be sustained, we must intentionally put the nail in the coffin” of the neoliberal orthodoxy championed by the late American economist Milton Friedman, which, Walker said, has left the “ideological scaffolding” for policies and worldviews that are deepening inequality.

That world that existed before the pandemic “is over,” said Walker, and that “means that many of the norms and understandings and structures of that world in a post-coronavirus world must be reorganized and dismantled.”


O trágico destino das meninas prostituídas dos garimpos da Amazônia, no relato de Ana Lélia Benincá Beltrame

Em livro, diplomata relata a rotina de abuso sexual e prostituição vivida por meninas e mulheres nos garimpos clandestinos da Amazônia

Ana Beltrame, ex-cônsul geral do Brasil em Caiena, transforma em ficção as violências sofridas por brasileiras em busca de ouro na fronteira mais inóspita do Brasil

O Globo | 28/1/2021, 4h30

A fronteira entre Brasil e Guiana Francesa é talvez a mais desconhecida e a de mais difícil acesso do Brasil. Na floresta densa do Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, dizem, é possível entrar mas impossível sair. A rodovia BR-156, que liga a cidade de Oiapoque, ponto distante no Amapá, à capital Macapá não é asfaltada. Na época das chuvas, a lama a deixa intransitável. Diante da ausência quase total do Estado, a febre do ouro continua a originar centenas de garimpos clandestinos, lugares onde desvios são punidos de forma violenta e onde meninas e mulheres são as mais vulneráveis.

Cônsul-geral do Brasil em Caiena de 2008 a 2013, a gaúcha Ana Beltrame, de 68 anos, precisou, por diversas vezes, prestar assistência a menores brasileiros vítimas de abuso sexual e outras violências nessa região inóspita do país. Histórias reais que ela transformou em uma única ficção para seu primeiro livro. "O passeio de Dendiara" (Tema Editorial) é o relato do encontro de uma diplomata com uma menina em situação de risco, mas é também a descoberta de um país que a maioria de nós desconhece.

— Minha ideia ao criar uma ficção foi preservar todas as pessoas envolvidas, das crianças vítimas de abuso aos funcionários do consulado. Esse tipo de violência continua ocorrendo na fronteira entre Brasil e Guiana Francesa — afirma Beltrame, para quem o livro não é uma denúncia, mas um chamado à responsabilidade. — Não se sabe quem é o culpado. Mas esses crimes contra a infância têm responsáveis. E nós, agentes do Estado, temos que assumir a nossa responsabilidade.

Dendiara, a personagem que dá título ao livro, é a encarnação da tragédia da infância em um Brasil quase sem lei: analfabeta, sem documentos, abusada sexualmente em um garimpo clandestino, grávida aos 10 anos e abandonada sozinha em uma rodovia na região de fronteira.

— Casos como o da personagem Dendiara chegam ao consulado do Brasil em Caiena trazidos pela polícia francesa (a Guiana Francesa é um território ultramarino da França) que pede a nossa intervenção para conversarmos com a criança, entendermos sua história, acionarmos os conselhos tutelares em Macapá ou Belém e providenciarmos os documentos para que essa menor volte ao Brasil — explica Beltrame, cujo livro deixa claro a fragilidade da estrutura do Estado brasileiro na fronteira. — Há estrutura, mas ela não funciona. Postos como o Oiapoque são vistos como um sacrifício. É longe, quente, de difícil ligação com Macapá. Eu ligava e descobria que, por exemplo, o juiz de menores estava licenciado, fazendo mestrado Rio. Quando ele volta? Ninguém sabia. 

Em garimpos clandestinos, pequenos e escondidos sob a mata densa da Floresta Amazônica, mulheres costumam cozinhar e cuidar da roupa ou estão a frente de pequenos comércios que trazem aos homens itens como cigarros. Muitas se prostituem, incluindo crianças e adolescentes. No livro de Beltrame, a personagem Dendiara ajuda uma mulher mais velha, a "madrinha", na cozinha do garimpo. À noite, as duas se prostituem ou, como se diz na região, "fazem a puta".

— "Fazer a puta" é uma expressão que as pessoas da região trouxeram do francês, que é falado do outro lado da fronteira: faire la pute. É uma sofisticação da linguagem interessante porque as mulheres não são prostitutas, mas fazem a prostituta. Elas continuam sendo pessoas — explica Beltrame, ressaltando que a prostituição na região de fronteira é absolutamente naturalizada. — Conversei com várias brasileiras, muitas delas presas. O garimpo demanda força física, a prostituição é o que resta a essas mulheres para pegarem a parte delas do ouro. A febre do ouro enlouquece as pessoas, elas vão de qualquer jeito.

É importante lembrar que a maioria dessas mulheres chegam ao garimpo por vontade própria. Muitas pensam que vão fazer a puta por um ano e comprar a casa própria. A maioria não consegue, adoece, não volta. As conquistas feministas, tão debatidas nas grandes capitais brasileiras, não chegaram à fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, onde barcos com trabalhadoras do sexo navegam entre portos remotos. São chamados de "putanic".

— É uma região onde o Brasil arcaico se choca com o Brasil moderno. As conquistas feministas não chegaram lá, e essas mulheres não esperam que cheguem — afirma Beltrame, para quem o diálogo e a cooperação entre países é essencial nessa parte esquecida do mapa ("Diplomacia é pragmatismo", diz). — Mas o Estado brasileiro precisa conscientizar seus próprios agentes para que entendam que abuso sexual não é normal. Gravidez na infância mata, não é um fato da natureza. Crianças têm que brincar e estudar. Adolescentes não podem deixar a escola para serem mães. É preciso também conscientizar meninos e meninas sobre os riscos, além de quebrar o ciclo que perpetua a miséria social e econômica.

Em meio à violência nos garimpos clandestinos, meninos também não estão imunes. Se elas sofrem abuso sexual, eles são usados como mão-de-obra nos garimpos de galeria. Escuras e apertadas, essas estruturas são pequenas para o corpo de um homem adulto, por isso muitas vezes são escavadas por meninos, que têm seus corpos deformados por esse trabalho.

Atualmente, ela está baseada no Uruguai, seu último posto antes da aposentadoria no Itamaraty, Ana Beltrame diz que o Brasil não conhece a Amazônia, embora existam fontes de qualidade:

— Não conhecemos e não sei se temos o interesse em conhecer. Há muita pesquisa acadêmica valiosa sendo feita nas universidades do Norte do país. Esse acervo de conhecimento é precioso, pago pelo Estado, e nós precisamos ler as teses dessa moçada que pesquisa nas federais do Amazonas, do Pará e do Amapá. A Amzônia não era parte do Brasil até o século XIX. Fizemos conquistas, mas precisamos fazer aquilo que é bom para as pessoas da região.

https://oglobo.globo.com/celina/em-livro-diplomata-relata-rotina-de-abuso-sexual-prostituicao-vivida-por-meninas-mulheres-nos-garimpos-clandestinos-da-amazonia-24854893



quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Oração aos Moços [e moças, se houvesse] de Rui Barbosa: "Um clássico do bacharelismo liberal" - Christian Edward Cyril Lynch

 Um clássico do bacharelismo liberal

Manifesto dos professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná pelo impeachment: o que fazem os outros?

 Creio que deve ser o primeiro manifesto de professores de universidades federais em favor do impeachment. Faltam centenas de outras dezenas, ou centenas, de outras faculdades das UFs:

Leia a íntegra do manifesto:
“As professoras e os professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, diante dos diversos crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República, manifestam-se pela abertura do processo de impeachment e de seu julgamento político. Desde que assumiu a presidência, Jair Bolsonaro vandaliza a Constituição de 1988 ao fragilizar nosso sistema democrático com ataques infundados às instituições, notadamente as de controle e investigação: Ibama, Funai, ICMbio, Coaf e Polícia Federal são os exemplos mais recentes e permanentes.
O presidente da República atenta expressa e publicamente contra o livre exercício dos demais Poderes, ataca a imprensa livre, e incentiva e apoia a perseguição a jornalistas e intelectuais que fazem um debate público e transparente sobre seu governo.
Com o advento da pandemia do novo coronavírus, Jair Bolsonaro passou a violar, individual e institucionalmente, o direito fundamental à saúde de todas e todos os brasileiros ao estabelecer uma política de governo e de Estado organizada pelo não combate à COVID-19.
Assim agindo, também prejudicou a diplomacia brasileira estratégica e comercialmente, tornando o Brasil um pária.
Há, diante de tudo isso, massivas violações a direitos humanos e evidentes e sucessivos crimes de responsabilidade que merecem, urgentemente, apuração, processamento e julgamento”.