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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Guerra na Ucrânia: 5 possíveis caminhos para o conflito em 2023 - BBC Internacional

 

Cenários sempre imprevisíveis...

Guerra na Ucrânia: 5 possíveis caminhos para o conflito em 2023

Tanque russo destruído em frente a templo ortodoxo na cidade libertada de Sviatohirsk

CRÉDITO, GETTY IMAGES

Legenda da foto, 

Tanque russo destruído na cidade libertada de Sviatohirsk

A guerra na Ucrânia está prestes a entrar no segundo ano-calendário. Perguntamos a vários analistas militares quais serão os desdobramentos do conflito, na opinião deles, em 2023.

Será que pode terminar no ano que se inicia? E como se daria isso — no campo de batalha ou na mesa de negociações? Ou será que pode continuar até 2024?

'A ofensiva de primavera da Rússia será fundamental'

Michael Clarke, diretor adjunto do Strategic Studies Institute, em Exeter, Reino Unido

Aqueles que buscam invadir outro país em qualquer lugar atravessando as grandes estepes da Eurásia são condenados a acabar passando o inverno lá.

Passo cadenciado' do governo Lula na relação com a OCDE - Assis Moreira (Valor)

Passo cadenciado' do governo Lula na relação com a OCDE


Sinalização é de menos ‘agenda Faria Lima’’ e mais ‘agenda face humana’’ de temas sociais
Assis Moreira
Valor — Genebra, 31/01/2023 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidirá em algum momento como tratará efetivamente as negociações para o Brasil entrar como sócio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE). Em entrevista ao lado do chanceler alemão Olaf Scholz, Lula sinalizou que o Brasil se interessa em participar da organização - ou seja, não vai fazer como a Argentina que congelou as discussões sobre a adesão.

De toda maneira, diante do pouco entusiasmo até agora demonstrado por Lula, alguns interlocutores falam de adoção de ‘passo cadenciado’’ e reorientação forte na relação com a OCDE, com menos ênfase na ‘agenda Faria Lima’’, restrita a questões econômicas, e bem mais na ‘agenda face humana’’ ou temas sociais.

Na verdade, nos próximos 18 meses não há grandes decisões políticas sensíveis que o governo precisará tomar nas negociações. O que está previsto é muito trabalho em comitês técnicos, com preparação de relatórios, questionamentos e respostas sobre diferentes aspectos da situação brasileira.

É preciso, porém, calibrar bem mesmo esse dito ‘passo cadenciado’’, porque é melhor estar dentro, e quanto mais cedo melhor, do que fora de uma organização com crescente influência na definição de padrões internacionais e com consequências econômicas concretas.

Há muitas questões a tratar com a OCDE, e a organização também sabe que a presença de um emergente de peso como o Brasil dá uma capacidade de legitimidade que ela ainda não tem. Alguns países membros parecem querer politizar mais a OCDE, como a Austrália, que se diz ‘preocupada’’ com relação à Rússia. Mas não são os australianos que vão definir o futuro da OCDE. Além disso, a avaliação de importantes observadores é de que nada obriga um país sócio a ter postura anti-China, por exemplo. O Brasil não vai ser menos desenvolvido por aderir à organização.

A OCDE de hoje não é controlada por uma agenda puramente neoliberal que alguns setores do governo parecem identificar. Dos 38 países membros, 20 tem governos de centro-direita ou de direita, mas a verdade é que a maioria da população vive sob governos de centro-esquerda.

Uma agenda progressista dentro da entidade avança, com a enfase a temas como educação, busca de uma globalização que possa gerar bons empregos, igualdade de gênero, proteção dos povos indígenas, proteção da floresta.

Uma das batalhas do precedente secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, com a então administração de Donald Trump foi que Washington queria priorizar economia, enquanto Gurria insistia na importância de agenda social. Com a saída de Trump, essa tensão deixou de existir.

O que é discutido na OCDE interessa a diferentes setores no Brasil, não apenas ao setor produtivo. A Nova Zelândia e o Canadá estão fortemente interessados em discutir formas de melhorar a situação econômica e social dos povos indígenas, algo que é prioridade também do governo Lula.

A OCDE é cada vez mais um centro da gestão da economia internacional e um definidor de agenda. Com a paralisia da Organização Mundial do Comércio (OMC), a OCDE toma a dianteira sobre definição da precificação do carbono, algo de peso na transição para a economia verde.

A possibilidade de influência brasileira na agenda internacional se ampliaria como membro ao mesmo tempo da OCDE, do Brics (grupo de grandes emergentes) e do G20, uma situação única entre os sócios. Também reforçaria a voz latino-americana, juntando-se a México, Colômbia, Chile, Costa Rica na entidade.

É preciso ver que, na verdade, a intensificação da cooperação entre o Brasil e a OCDE começou no governo Lula, e não antes. Foi em 2007, quando o país se tornou um dos parceiros do ‘engajamento ampliado’, facilitando sua participação nas atividades da organização.

Em 2015, com Dilma Rousseff, o Brasil aprofundou esse relacionamento, por um acordo assinado pelo então ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira. Alguns membros do governo queriam dar mais um passo, quando veio o impeachment de Dilma.

Foi no governo de Michel Temer que o Brasil, em 2017, encaminhou à OCDE a comunicação solicitando o início do processo de acessão à organização.

Quando veio o governo de Jair Bolsonaro, a demanda foi tirada do curso normal pelo Ministério da Economia, que viu uma oportunidade para promover a agenda de reformas estruturais.

Cinco anos depois do pedido brasileiro, em janeiro do ano passado, o conselho de ministros da OCDE aprovou convite ao Brasil para “abertura das discussões de adesão”. Às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial, o governo Bolsonaro enviou à OCDE um memorando com cerca de mil páginas para começar efetivamente as negociações de acessão à entidade.

Pelos parâmetros históricos, um processo de acessão na OCDE dura em média cinco anos.

Como a negociação envolvendo o Brasil começou no ano passado, Lula, se quiser, poderá conclui-la no prazo normal até o final de seu mandato de quatro anos e elevar a presença brasileira na governança global.

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Russia's War Crimes and Human Rights Violations in its war against Ukraine

 RUSSIAN WAR CRIMES AND HUMAN RIGHT VIOLATIONS IN THE WAR AGAINST UKRAINE

The use of weapons of mass destruction against civilians is a crime against humanity and a violation of the four Geneva Conventions of 1949.

By killing civilians, the aggressor's forces continue to commit crimes against humanity as defined by the Statute of the International Military Tribunal and the Rome Statute of the International Criminal Court, cynically disregarding all the requirements of the Geneva Convention relative to the Protection of Civilian Persons in Time of War. According to these norms, deliberate attacks on civilians who are not directly involved in hostilities are equated to war crimes.

The taking of civilian hostages is a direct violation of Articles 3 and 34 of the Geneva Convention with regard to the Protection of Civilian Persons in Time of War, Article 9 of the International Covenant on Civil and Political Rights and Article 5 of the European Convention on Human Rights.

Sources: Commissioner for Human Rights of the Verkhovna Rada of Ukraine, Office of the Prosecutor General, Ministry of Defense, Ministry of Internal Affairs, State Emergency Service, National Police, relevant city and town councils and regional state administrations

Summary update as of January 30, 2023

Full report: 

https://www.academia.edu/96072007/RUSSIAN_WAR_CRIMES_AND_HUMAN_RIGHT_VIOLATIONS_IN_THE_WAR_AGAINST_UKRAINE_30Jan2023_


O difícil caminho do não alinhamento do Brasil - Oliver Stuenkel; A miragem dos Brics - Paulo Roberto de Almeida


  Acadêmicos receberam com grande entusiasmo a formação do grupo Brics, achando que seria finalmente a via para escapar do "hegemonismo ocidental". Eu sempre critiquei essa aliança contra natureza, essa ilusão descabida, um grande erro estratégico da diplomacia lulopetista. Muitos não gostaram, na diplomacia, mas não tenho por que esconder minha total desconformidade com essa miragem, como demonstrei por este livro publicado no ano passado: 

Paulo Roberto de Almeida: A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira (Brasília: Diplomatizzando, 2022, 187 p.; Kindle book; ISBN: 978-65-00-46587-7; ASIN: B0B3WC59F4; Apresentação link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/06/meu-proximo-kindle-sobre-miragem-dos.html). 

O difícil caminho do não alinhamento do Brasil

Por Oliver Stuenkel
O Estado de S. Paulo, 30/01/2023

Com a decisão do Ocidente de fornecer mais de cem tanques à Ucrânia e o debate crescente sobre uma possível tentativa de reconquistar a península da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, o conflito na Europa entra em nova fase. Depois de o governo Biden ter fornecido quase US$ 30 bilhões em ajuda militar aos ucranianos desde o início do conflito, uma derrota ucraniana seria um desastre político dificilmente aceitável para o presidente americano, que já está se preparando para sua campanha de reeleição.

Da mesma forma, uma conquista russa de Kiev – o que parece ser a meta da contraofensiva militar que o Kremlin prepara – causaria um terremoto político na Europa, onde o premiê alemão Olaf Scholz, depois de muita hesitação, decidiu aprovar o envio de tanques à Ucrânia, país a menos de 700 quilômetros da fronteira alemã. Há pouca dúvida de que avanços decisivos russos aumentariam a probabilidade de o Ocidente fornecer caças à Ucrânia, algo inimaginável no início do conflito.

Do lado russo, também aumentaram muito as apostas: com uma onda nacionalista varrendo o país, Vladimir Putin sabe que uma derrota militar na Ucrânia representaria grave ameaça política. Tudo indica que o presidente russo está disposto a fazer o máximo possível – inclusive uma mobilização geral, que implicaria o envio de centenas de milhares de soldados para o front – para vencer o conflito. O Kremlin admitiu que tomou a decisão pouco usual de recrutar presidiários, como mercenários do Grupo Wagner, 40 mil dos quais, segundo estimativas, estão lutando na Ucrânia.

Com a guerra cada vez mais intensa, tudo leva a crer que o conflito contaminará a geopolítica ainda mais do que no ano passado, tornando-se um dos temas prioritários a ser discutidos nas principais plataformas multilaterais, como o G-7, o G-20, e o grupo Brics. Essa é uma notícia ruim para o Brasil, que deve participar de reunião dos três grupos, afinal, enquanto o País tem como brilhar na questão climática – tema que pode ajudar a reconquistar o status de ator indispensável no sistema internacional –, o conflito na Ucrânia dificulta a estratégia de não-alinhamento, pilar da política externa brasileira.

Tanto no encontro do G-7 quanto na cúpula do Brics, o Brasil estará em uma posição pouco confortável. Situações como a do recente pedido do governo alemão para o envio de munição brasileira – feito dias antes da visita do premiê a Brasília e declinado pelo presidente Lula – se tornarão mais comuns. Enquanto o G-7 fará uma declaração condenando a Rússia nos termos mais explícitos e buscará intensificar o isolamento econômico de Moscou – algo que o governo brasileiro não apoia –, o Brasil terá de se empenhar para evitar que a declaração final do grupo Brics vire um manifesto pró-Rússia. Afinal, com a postura cada vez mais pró-Moscou da África do Sul, o Brasil é o integrante que mais tem a perder com um posicionamento anti-ocidental do bloco.

Essa tensão intra-Brics não é nova: certa vez, em reunião preparatória para a cúpula do grupo em Moscou, um participante russo afirmou em discurso que o Brics deveria se posicionar como “bloco anti-ocidental”, ideia prontamente criticada por um representante brasileiro, o qual lembrou que o Brasil também faz parte do Ocidente e, portanto, rejeita a caracterização.

Com os dois lados dobrando as apostas na guerra, o Brasil precisa se preparar para o cenário de uma conversa global cada vez mais monotemática, a qual deverá levar a uma intensificação das sanções econômicas contra a Rússia, a mais volatilidade dos preços de alimentos e a espaço cada vez mais estreito para construir acordos em outras áreas. As negociações para se chegar a um acordo nuclear com o Irã são o melhor exemplo: com o regime em Teerã fornecendo drones à Rússia, é pouca a disposição ocidental de negociar com o país.

É impossível prever o percurso da guerra, mas tanto a queda de Kiev aos russos – forçando Zelenski a fugir – quanto a reconquista ucraniana da Crimeia, que provavelmente levaria a uma queda de Putin – são possibilidades reais ao longo dos próximos anos. Ambos produziriam transformações significativas no sistema internacional: uma derrota russa na Ucrânia aumentaria as chances de instabilidade na Ásia Central, antigo quintal de Moscou, além de um possível atrito na sucessão presidencial russa. A queda de Zelenski poderia causar uma onda de refugiados ucranianos com profundas consequências para a Europa. Todos os cenários teriam consequências amplas para a economia brasileira e sua inserção internacional.

* É ANALISTA POLÍTICO E PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FGV EM SÃO PAULO


Haverá paz no mundo em 2023? - Paulo Roberto de Almeida

 Haverá paz no mundo em 2023? 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Artigo de fim de ano publicado em versão ligeiramente modificada na revista Crusoé (n. 244, sexta-feira, 30/12/2022, link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/244/paz-impossivel-guerra-improvavel/).

 

Uma resposta precisa a esta complexa questão é um enfático e rotundo NÃO! Mas a concisão e a simplicidade desta afirmação não significam que o mundo conhecerá alguma guerra de proporção equivalente à dos grandes conflitos globais que marcaram a primeira metade do “curto século XX”, de que falava o historiador marxista Eric J. Hobsbawm. O que se descarta é a ocorrência de uma nova guerra total entre adversários geoestratégicos, não a recorrência de guerras interestatais, civis, étnicas, religiosas, ou de proxy wars, conflitos por procuração, entre as grandes potências existentes, nunca interrompidas em qualquer época.

A razão da negativa a uma hipótese jamais descartada pelos planejadores militares é a mesma que já tinha sido dada desde 1948 pelo conhecido filósofo e pensador estratégico francês Raymond Aron, ao considerar a possibilidade de uma nova guerra total entre grandes impérios, no imediato seguimento da Segunda Guerra Mundial: “paz impossível, guerra improvável”. Ele ainda confirmou seu argumento, formulado originalmente no livro Le Grand Schisme (O grande cisma; Paris: Gallimard), em seu livro de memórias, publicado pouco antes de sua morte, Les dernières années du siècle(Os últimos anos do século, 1983), pelos mesmos motivos que sustentavam seu raciocínio: a emergência da arma atômica, a grande dissuasora de qualquer novo enfrentamento global passada a tecnologia das guerras convencionais (exércitos no terreno, mais aviação e frotas bélicas) que ainda marcaram o início das guerras de 1914 e de 1939 (armas de destruição em massa, como o recurso à guerra química e as bombas nucleares foram introduzidas num fase mais avançada das duas grandes guerras mundiais. Registre-se que sua peremptória e durável frase foi feita ainda no período em que a superpotência americana detinha o monopólio da arma atômica, mas Aron nunca duvidou que a União Soviética alcançasse a paridade em breve tempo (ela o fez em 1949, como resultado da espionagem atômica e da capacitação própria dos físicos nucleares russos).

De fato, mais do que as promessas de paz e de segurança internacionais, inscritas no preâmbulo e nos primeiros artigos da Carta de San Francisco (1945), o que realmente evitou uma nova guerra total foi a promessa de uma destruição generalizada entre contendores dotados da ultima ratio do holocausto nuclear. Não que o emprego tático, ou mesmo estratégico, de armas atômicas não tenha sido cogitado ao longo dos últimos 77 anos desde Hiroshima e Nagasaki, mas é que o cogumelo cada vez maior previsto com o aumento dos megatons acrescidos desde então faz com que os líderes políticos, bem mais do que os oficiais militares superiores, retenham a respiração antes de considerar o recurso ao que se convencionou chamar de Armagedom. O general MacArthur, cujas tropas (supostamente a serviço da ONU) tinham sido empurradas de volta para a extremidade sul da Coreia depois do ingresso de “voluntários” chineses na primeira guerra quente da Guerra Fria, cogitou ordenar um bombardeio atômico nas fronteiras da China para cortar o fluxo de tropas e de equipamentos em apoio às forças do ditador Kim Il Sung, da Coreia do Norte; ele foi demitido na mesma hora pelo presidente Truman, o mesmo que tinha aprovado o bombardeio das duas cidades japonesas cinco anos antes. 

Recorde-se, também, que o mundo caminhou para a borda do precipício nuclear, quando da extrema tensão entre os Estados Unidos e a União Soviética, em outubro de 1962, depois da descoberta da instalação de mísseis soviéticos em Cuba, a poucas milhas da Flórida. O jogo de poker entre os dois gigantes da Guerra Fria foi brilhantemente descrita pelo professor Graham Allison, autor da obra The Essence of Decision (1971), sobre as difíceis negociações entre o presidente John Kennedy e o líder russo Nikita Kruschev até conseguirem desarmar o ímpeto bélico de seus generais e comandantes navais, quando do embargo total sobre a ilha do Caribe decretado pelos americanos. Curiosamente, o mesmo pesquisador tornou-se novamente famoso ao explorar, em 2017, a possibilidade de uma nova guerra total entre os impérios americano e chinês, em seu livro Destined for War: Can America and China Escape Thucydides's Trap? (Condenados à guerra: podem a América e a China escapar à armadilha de Tucídides?), obra supostamente destinada a evitar uma repetição da guerra do Peloponeso descrita pelo conhecido historiador grego, contemporâneo daquela contenda fatal entre a Esparta autoritária e a democrática Atenas.

Mais recentemente, o espectro de um conflito nuclear entre os mesmos contendores da velha Guerra Fria voltou a ser aventado pelo próprio neoczar russo, Putin, ao declarar que não hesitaria em recorrer às suas armas mais poderosas caso a Otan viesse em socorro direto à Ucrânia depois de sua frustrada invasão e guerra de agressão iniciada em fevereiro de 2022, contra um vizinho não nuclear, depois de sua separação do império soviético em 1991. No caso, os planejadores militares exploraram o recurso a armas nucleares táticas, ou seja, de terreno, não o deslanchar de um ataque devastador contra os territórios adversários, mas ainda assim proliferaram especulações sobre a efetiva possibilidade desse recurso último, caso a Rússia seja humilhada no terreno (como está sendo) pelas forças ucranianas (apoiadas maciçamente pelos países da Otan e outras democracias ocidentais). Seria interessante ter novamente Raymond Aron formulando seus argumentos sobre esse terrível conflito.

Mas, excluindo-se, de forma ingênua ou otimista, um novo passeio à beira do abismo, cabe reafirmar que o mundo não terá paz em 2023 ou mais além, pelo simples motivo de que os Estados nacionais ou apenas grupos armados e dotados de qualquer causa bélica legítima ou ilegítima estão sempre dispostos a recorrer ao uso da força em defesa de seus interesses nacionais, étnicos, religiosos e até mesmo tribais. Uma visita ao cenário atual de conflitos latentes ou potenciais pode confirmar a grande disseminação das guerras entre Estados ou intra Estados na presente conjuntura: Somália, Etiópia, República Democrática do Congo, República Centro-Africana, Burkina Faso, Chade, Mali, Niger, Nigéria e Sudão são os pontos mais visíveis no continente africano; Iêmen, Síria, Líbano, no Oriente Médio; Afeganistão, Paquistão e Mianmar, na Ásia do sul; talvez até Venezuela e novamente no Haiti não podem ser excluídos o ressurgimento ou a continuidade de conflitos armados. Em muitos outros países, bandos armados já em ação não excluem a passagem a guerras civis localizadas. 

A Ucrânia, obviamente, garante a continuidade do maior conflito na Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial, não esquecendo os que já ocorreram nos Balcãs, cenário do início da Grande Guerra, e diversos outros latentes, como entre Azerbaijão e Armênia, ou a longa luta dos curdos e dos próprios palestinos a propósito da denegação de um dos mais difíceis princípios expostos pelo presidente Woodrow Wilson para as negociações de paz de Paris em 1919: a autodeterminação dos povos. Todos esses conflitos e outros ainda possíveis garantem uma agenda sempre problemática para debate e eventual encaminhamento ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), encarregado justamente de promover e defender a paz e a segurança internacionais, segundo os artigos mais relevantes da Carta da ONU. Pode-se também antecipar que mais da metade deles sequer serão objeto de qualquer decisão do CSNU em 2023 ou nos anos à frente, e não apenas em virtude do famigerado direito de veto exercido arbitrariamente por algum dos seus cinco membros permanentes.

Com efeito, a despeito da Corte Internacional de Justiça já ter formado maioria contra a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, e de ter ordenado a retirada imediata das tropas invasoras, nada de efetivo ocorreu, pois que a CIJ “não tem dentes”, dependente que é de resoluções do CSNU para o cumprimento de suas decisões, o que permanece uma hipótese altamente aleatória. Mesmo quando esse órgão de última instância da ONU aprova uma decisão em favor de uma nova missão de manutenção ou de imposição da paz, isto não quer dizer que ela será imediatamente cumprida, uma vez que a ONU, essa velha senhora, não dispõe de seus próprios “cães de guarda”, sendo totalmente dependente, por sua vez, da vontade ou da propensão dos membros permanentes e temporários do CSNU, ou outros membros da organização, de colocarem tropas, equipamentos e recursos para a formação de uma missão de paz (de qualquer tipo) e para o seu deslocamento para o terreno. No caso da Ucrânia, como já visto ao longo de 2022, essa possibilidade é totalmente inexistente, razão pela qual os “aliados” do país da Europa oriental introduziram sanções unilaterais contra a potência agressora, ainda que num espírito e modalidades totalmente convergentes com os artigos da Carta que regulam tais medidas (já utilizadas multilateralmente nos casos da Coreia do Norte, do ex-Congo belga, da Rodésia do Sul e da África do Sul nos tempos dos governos de minoria branca, do Iraque invasor do Kuwait em 1990 e do Afeganistão, em 2001, como “hospedeiro” dos terroristas que atacaram os EUA no mesmo ano). 

A Rússia vetou qualquer resolução do CSNU tendente a sancioná-la pela guerra de agressão, ainda que não tivesse podido impedir manifestações maciças da Assembleia Geral e do Conselho de Direitos Humanos condenando-a pela invasão e pelos crimes de guerra que estão sendo continuamente perpetrados pela Rússia, o que garantiria a Putin o “direito” a um Nuremberg só seu, hipótese tão improvável quanto um processo e condenação pelo TPI da Haia. Não existe, por outro lado, qualquer possibilidade, no futuro previsível, de que a Carta da ONU seja revista para impedir, por exemplo, que os membros permanentes utilizem essa excrescência do direito de veto quando são eles próprios violadores dos artigos da Carta. O cenário provável é, portanto, o da continuidade dessa guerra monstruosa, assim como de diversas outras praticamente esquecidas pela parte “civilizada” do planeta, neste ano de 2023 e nos que se lhe seguirão. A agenda do CSNU e da própria AGNU permanecerá bloqueada para as questões mais delicadas, que são sempre aquelas nas quais as grandes potências possuem interesses relevantes, e também para as outras, em relação às quais são indiferentes.

Esse cenário coloca na agenda multilateral do Brasil, e também humanitária, ou no plano simplesmente moral, a questão de saber qual postura sua diplomacia deveria adotar nesses casos que impactam, direta ou indiretamente seus interesses nacionais, ou mesmo a consciência ética de seus líderes, se por acaso esse elemento entra em linha de conta. Na diplomacia do “primeiro” Lula, seu chanceler por dois mandatos, Celso Amorim, invocou o princípio subjetivo da “não indiferença” para justificar a aceitação da sugestão feita pelos EUA e França da liderança do Brasil numa missão de estabilização dos agudos conflitos internos no Haiti, que ameaçam desbordar para essas duas potências “coloniais”. Não se sabe se na gestão de Lula “terceiro” o mesmo princípio será invocado para retomar o caminho da antiga Minustah numa nova modalidade de intervenção humanitária e assistencial. O mais relevante, porém, é saber qual postura o país adotará em relação a um possível agravamento da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, que é o cenário mais provável de ocorrer em 2023, em face das contínuas dificuldades de Putin no enfrentamento do seu “Vietnã” nouvelle manière. Até aqui, o Brasil refugiou-se numa posição de neutralidade hipócrita, pois que objetivamente favorável à Rússia, com a qual o governo Bolsonaro negociou a continuidade do fornecimento de fertilizantes e até a importação de combustíveis. 

Essa guerra já provocou uma dramática crise energética (sobretudo na Europa), uma igualmente dramática ameaça ao comércio de grãos (em direção de importadores pobres), além de fenômenos mais recorrentes no cenário da economia mundial: inflação, alta de juros e, ainda mais preocupante, uma nova recessão nas principais economias afetadas pelo conflito, com repercussões inevitáveis sobre todos os demais países. Por mais que o Brasil possua uma matriz energética diversificada e uma amplíssima produção primária de bens agrícolas e minerais, ele não é insensível à volatilidade desses mercados, assim como aos fluxos financeiros e cambiais que podem acelerar o ímpeto inflacionário interno, assim como agravar eventual carência de empréstimos, financiamentos ou investimentos externos. No plano propriamente diplomático, a possível consolidação de uma nova Guerra Fria (desta vez mais propriamente econômica do que geopolítica, mas também esta) acarretará angústias semelhantes ou similares àquelas ressentidas nos anos 1940-80, quando o Brasil buscava firmar uma agenda universalista e ecumênica, capaz de fortalecer sua autonomia decisória e a exclusiva defesa dos interesses nacionais em face das grandes contendas da época.

Naquela fase, o Brasil tinha sido sede da assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (de 1947), um predecessor do princípio da segurança coletiva que seria depois implantado no Tratado de Washington de 1949, criando a Otan, um dos personagens mais ativos na atual guerra da Ucrânia. A diplomacia brasileira manteve-se pouco propensa a invocar o TIAR quando da guerra das Malvinas, em 1982, mas lembrou-se dele, para oferecer solidariedade aos EUA, quando dos ataques terroristas de setembro de 2001. Um elemento novo na equação da segurança, que afetará diplomaticamente o Brasil na presente conjuntura, é a existência do Brics, um foro de consulta e coordenação que congrega, ademais da Índia, da China e da África do Sul, o próprio agressor da Ucrânia e violador da Carta da ONU. Saber o que decidirá a diplomacia de “Lula III” em face do que se afigura um dilema dos mais angustiantes é a grande incógnita do presente momento. Bem-vindos a 2023.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4290: 18 dezembro 2022, 5 p.


Revista de História da Biblioteca Nacional: como recuperar os números?

 

Saiba como ter acesso ao site desativado da Revista de História da Biblioteca Nacional

Site da revista, que circulou entre 2005 e 2015, foi desativado há alguns anos, mas nós sabemos como acessar seu conteúdo.

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A crise financeira foi implacável para a mais importante experiência de popularização de história no Brasil. Há pouco mais de um ano, a Revista de História da Biblioteca Nacional (RHBN) deixou de circular nas bancas. E há alguns meses, um golpe ainda maior: o site da revista saiu do ar – aparentemente, de forma definitiva. Mas nem tudo parece perdido. Existe uma maneira bem fácil de acessar o conteúdo do site da revista.

Trata-se da ferramenta WayBack Machineum enorme arquivo digital criado por uma organização sem fins lucrativos chamada Internet Archive. Ela arquiva atualmente mais de 475 bilhões de páginas da internet, desde 1996. Em outras palavras, o serviço permite aos usuários visualizar versões de páginas de um determinado site mesmo que ele tenha saído do ar. Basta acessar o site da ferramenta e inserir no campo de busca o endereço eletrônico da RHBN: revistadehistoria.com.br. Pronto, você já pode voltar a navegar entre artigos e entrevistas. O serviço de recuperação do serviço é bastante satisfatório. As imagens nem sempre são recuperadas, mas os textos são arquivados perfeitamente.