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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quarta-feira, 1 de março de 2023

Sergio Florencio sobre a tragédia da revolução iraniana

O drama iraniano. Sublevação social, radicalização política e nuclearização. 

(1ª Parte)

 

Sergio Abreu e Lima Florencio

 

Com mais de quatro décadas de existência, a Revolução Iraniana surpreende e abala o mundo. Na sociedade civil, por mais de cinco meses, movimento de protesto contra a tortura seguida de morte de uma jovem curda assumiu proporções de sublevação social, com milhares de manifestantes nas principais cidades do país. Na política, o fortalecimento dos Guardas Revolucionários e a radicalização do Presidente Ibrahim Raizi reeditaram a trajetória de violenta repressão, com o  apoio da hierarquiateocrática e a oposição dos presidentes reformistasMohammad Khatami e Hassan Rouhani. No campo estratégico, a desastrosa decisão de Trump de retirar os EUA do Acordo Nuclear teve perigoso desdobramento: provocou duras sanções; fortaleceu os radicais; ampliou o enriquecimento de urânio; e aproximou o país da capacidade de fabricar armamento nuclear. 


Sublevação social

A onda de protestos que varre o Irã, desde setembro de 2022, teve origem na trágica tortura e morte de Mahsa Amini, presa pela banalidade do uso impróprio do véu islâmico, e sob custódia da polícia. Esses levantes têm relevantes paralelos históricos: a Revolução Constitucionalista de 1906 e o movimento nacionalista de Mossadegh em 1951. Nos anos recentes, eles são também a reedição de movimentos de contestaçãoa cada dez anos, desde o protesto, em 1999, de estudantes contra o fechamento de um jornal reformista. Em 2009, o  Movimento Verde, com o apoio de uma classe média indignada com as eleições fraudadas, se insurgiu contra o então Presidente Mahmoud Ahmadinejad, e clamaram por novas eleições. Em 2019, novas revoltas eclodiram, em protesto contra o aumento dos preços de combustíveis e pão.

A sublevação atual tem a singularidade de reunir amplo espectro de classes sociais, sob o lema “Mulheres, Vida e Liberdade”. A condenação da violenta repressão conta com apoios expressivos: importantes comerciantes do Bazar; o líder do parlamento Ali Larijani; o ex-Presidente reformista Khatami; e até mesmo Islamic Republicjornal fundado por KhameneiApesar do forte apoio popular e político, é remota a possibilidade de êxito da sublevação a curto prazo

Radicalização política

Após dois presidentes de corte moderado e reformista - Khatami e Rouhani -  atual governo de Ebrahim Raisi retrocedeu à política  repressiva de Ahmadinejad. 

Esse retrocesso é alimentado pelo efeito nefasto das sanções internacionais sobre a economia e o sistema político. Ao proibirem o Irã de exportar petróleo, as sanções acabam alimentando o comércio ilícito, praticado não pelo governo, mas pelo Corpo dos Guardas Revolucionários Iranianos (IRGC). Assim, dotados de grande poder econômicoos Guardas Revolucionários se transformaram em atores com enorme peso político, o que amplia a radicalização. 

Pressão demográfica, urbanização acelerada, crescimento econômico excludente e repressão política desenham o atual perfil da sociedade iraniana. Enquanto em 1976 o Irã tinha 34 milhões de habitantes, metade vivendo em áreas rurais, em 2016 a população atingia 80 milhões, sendo 75% urbana. Ao mesmo tempo, o percentual de jovens revelou crescimento expressivo e a população universitária se elevou de forma assustadora, bem como a participação de mulheres. 

Diante desse perfil, a resposta do atual regime tem sido um mix de radicalização domésticde apoio a grupos extremistas na região. Khameneni, com 83 anos e saúde precária, acredita que as medidas liberalizantes adotadas pelo antigo regime do Xá aceleraram sua queda. Como não quer repetir esse erro, Khamenei aposta na repressão violentacom o legado de mais de 500 mortos nos últimos cinco meses


Nuclearização

Se, na vertente doméstica, a desestabilização é visível nas manifestações de massa contra arepressão e na hegemonia política dos radicais liderados pelo Presidente Raisi, na vertente externa o Irã ameaça a região com o apoio armado a movimentos de insurreição e abala o mundo com o programa nuclear. É preciso ver em perspectiva história e com naturalidade essas duas vertentes da política externa iraniana. 

Ameaçada pelas monarquias conservadoras do Golfo e pelos EUA, a Revolução, desde seu nascimentoteve como melhor defesa o ataque, com o objetivo maior de sobrevivência. Até hoje, essa estratégia inspira o apoio armado a movimentos de contestação:o Hamas em Israel; o Hezbollah no Líbano; e os Houthis no Yemen. Na Síria, em contraste, o Irã apoia o status quo do Presidente Assad.

Essa “ética do ataque” está no DNA da Revolução. Mas vem sendo agravada, desde 1979, por uma política externa norte-americana de regime changeincapaz de reconhecer que o regime iraniano é irreversível. Os erros históricos dos EUA foram magnificados por Bush, com a destruidora invasão do Iraque em 2003, e pela sequência de desastres provocados por Trump: a retirada norte-americana do Acordo Nuclear em 2018; a política de maximum pressure sobre o Irã; e a terceirização do papel dos EUA no Oriente Médio, em favor da Arábia Saudita, Emirados Árabes e Israel. 

O Irã tem uma longa história de convulsão social e radicalismo políticoMas foi também o berço de invejável patrimônio religioso, cultural e científicoda humanidade. Os EUA só têm olhos para aquela primeira dimensão. Isso agrava os problemas domésticos e alimenta o principal impasse da política externa norte-americana na região – a Revolução Iraniana.  

 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Qual é o maior desafio à diplomacia brasileira, em décadas? - Paulo Roberto de Almeida

 Qual é o maior desafio à diplomacia brasileira, em décadas? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Nota sobre a questão do desafio russo e chinês à paz e à segurança internacionais, do ponto de vista do Brasil

  

Não é nem a retomada de sua pretensa liderança na América do Sul, para conduzir um processo exitoso de integração econômica regional (ou minimamente com chances de prosperar), nem sua reinserção no debate global, sobre negociações econômicas globais (na OMC, no G20, na OCDE, quando for o caso), ou sobre debates em torno da sustentabilidade e as metas do desenvolvimento sustentável, coisas que poderão ser feitas com base numa visão realista das possibilidades e no trabalho metódico de sua diplomacia profissional.

O maior desafio à diplomacia brasileira, ao próprio Brasil, como NOS ANOS TRINTA, radica nos conflitos entre grandes potências, atualmente representados pela GUERRA DE AGRESSÃO DA RÚSSIA À UCRÂNIA e no apoio da China a essa ruptura nas relações internacionais da atualidade.

Ou seja, o desenvolvimento "normal" das relações exteriores de quaisquer países é suscetível de passar por grandes desafios, quando algum evento inesperado vem romper os circuitos normais do relacionamento econômico, político e diplomático entre esses países.

Nos anos 1930, esse relacionamento foi conduzido ao ponto de ruptura pelo expansionismo militarista de grandes potências fascistas interessadas em recompor os equilíbrios existentes no mundo, ou seja, interessadas na criação de uma "nova ordem mundial". Esse foi o caso da Alemanha de Weimar – que começou a se rearmar assim que Hitler conquistou o poder –, da Itália fascista – com o projeto de Mussolini de recriar um grande Império, na África e nos Balcãs – e do Japão militarista, querendo fazer um "grande arco de co-prosperidade" na Ásia Pacífico, contra as velhas potências colonialistas europeias.

Atualmente, é o desejo de Putin de tornar a Rússia novamente dominante na Eurásia, recompondo as esferas de poder do antigo império czarista e do finado império soviético.

 

Se Lula e seus petistas amestrados, ou a diplomacia brasileira, não entenderem isso, vão deixar o Brasil totalmente desconectado do principal problema de paz e segurança internacional na atualidade. Nos anos 1930, Oswaldo Aranha soube administrar os desafios ao Brasil e as alianças que convinha manter para garantir um mundo mais propenso ao desenvolvimento do Brasil, assim como o Barão do Rio Branco tinha administrado a transição da antiga hegemonia britânica para o novo poderio americano da melhor forma possível para o Brasil, inclusive em relação à agressividade da Argentina nessa época, evitando entrar em competição naval com ela, o que já ocorria entre a Grã-Bretanha e a Alemanha imperial.

 

Parece que Lula e seus conselheiros "diplomáticos" estão fazendo um cálculo "chinês" da situação atual das relações internacionais, ou seja, um inevitável declínio americano e a abertura de espaço para conquistar "novos espaços" para o Brasil, numa possível nova ordem internacional liderada pelos Brics, o que é uma aposta não apenas hipotética, ou arriscada, como totalmente EQUIVOCADA, ab inicio, ao vincular o Brasil a duas grandes autocracias que não tem NADA A VER – exceto relações comerciais – com o Brasil no terrenos dos princípios, dos valores, dos grandes objetivos humanistas e democráticos da nossa nação como país ocidental, democrático e pacífico.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4330: 28 fevereiro 2023, 2 p.


 

 

Os americanos (Executivo e Legislativo) preparam um "descasamento" bilateral com a China: será possível? - Olivier Knox (WP)

Estranho que as duas maiores economias do mundo sejam "desconectadas" uma da outra. Ou melhor: não é a China que pretende "descasar", ou as grandes companhias americanas, que ganharam muito dinheiro com a China nas últimas três ou quatro décadas, mas sim os americanos, por razões não exatamente econômicas, e sim de competição estratégica.

Os grandes impérios em competição – como a Alemanha e a Grã-Bretanha imperiais, por exemplo, na época da belle époque – realizavam sua corrida armamentista, isto é naval, antes da Grande Guerra, mas mantinham uma interação econômica bastante intensa.

Até onde essa iniciativa de um "falcão" da House vai prosperar, e até que limites ela pode prejudicar os próprios EUA?

Paulo Roberto de Almeida

 

House committee on China starts two-year drive to ‘decouple’

By Olivier Knox
with research by Caroline Anders
The Washington Post, February 28, 2023
Rep. Mike Gallagher (R-Wis.) is chair of the House select committee focusing on the U.S.-China relationship.. (REUTERS/Elizabeth Frantz)

Rep. Mike Gallagher (R-Wis.) is chair of the House select committee focusing on the U.S.-China relationship.. (REUTERS/Elizabeth Frantz)

Rep. Mike Gallagher said he doesn’t blame past leaders for betting that inviting China into the global economy would induce Beijing to follow rules set by liberal industrial powers, notably the United States, and become a good global citizen, perhaps even embrace political reforms.

But it’s time to cut our losses.

“Everyone made the same basic bet on China,” Gallagher told The Daily 202 in a phone interview on Sunday. “That bet made sense. It was logical. But it failed. So now we’re trying to extricate ourselves.”

The Wisconsin Republican, a former Marine counterintelligence officer, chairs the weeks-old House committee on China. The panel holds its first hearing Tuesday, kicking off what he says will be a two-year effort to map a way for America to “selectively decouple” the two economies.

The committee will take a big-picture look at Beijing’s military rise, its threats to take over the democratically self-governed island of Taiwan by force, and its overt and covert efforts to influence public opinion by silencing critics and spreading propaganda.

THE FIRST HEARING LINEUP

Gallagher will set the tone with the first hearing, at 7 p.m. on Tuesday. The unusual evening schedule could widen the audience: Most congressional hearings occur during the day, when working Americans have a harder time tuning in.

 

The witnesses will be:

  • Matthew Pottinger, a longtime China hawk who served as the top Asia policy official on former president Donald Trump’s National Security Council.
  • H.R. McMaster, a retired U.S. Army Lt. General who served Trump as national security adviser.
  • Tong Yi, a Chinese human rights advocate and former secretary to one of China’s most prominent dissidents, Wei Jingsheng. Gallagher said Tong was “about as credible as any human being” on the topic of China’s domestic repression of critics.
  • Scott Paul, president of the Alliance for American Manufacturing. Gallagher said Paul, added to the list by Democrats, would detail the economic damage to the United States from Chinese competition.

“Our hope is to come away from this with a better sense of why the CCP is a threat and why someone in Northeast Wisconsin or other parts of the country should care about that threat,” Gallagher said, using the abbreviation for the Chinese Communist Party.

WITH 2024 LOOMING, CAN THIS STAY BIPARTISAN?

As The Daily 202 chronicled back in December, Gallagher may have a once-in-a-generation opportunity to stitch Republicans and Democrats together on sweeping policy responses to the challenge of China. That doesn’t mean there won’t be disagreements, even profound ones.

“We’re not going to agree on 100% of everything,” he said Sunday. “There may be times when I want to go further and more aggressively than the Democrats want to go, and vice versa. But we’re going to try to preserve the bipartisan center of gravity.”

Gallagher said “there’s a lot of disagreement about how exactly” America limits its economic relationship with China, but pointed to “a recognition in both parties” that this must happen.

“I think we can come up with a coherent framework for selective decoupling that has the buy-in of 70% of Congress,” he said.

A ‘TENSE DIALOGUE' WITH CORPORATE AMERICA

The committee will also look at the troubled and sometimes troubling relationship between corporate America and China, especially instances in which big firms, Hollywood, or the NBA have sometimes bent over backward to accommodate Beijing.

 

Gallagher said his panel “is going to be calling certain businesses, certain industries, to either testify before, or talk to behind closed doors, the committee, and explain what the trade-offs are to doing business” in China. It could be “a tense dialogue at times.”

“I understand why major American companies have a massive presence in China — same reason John Dillinger robbed banks: That’s where the money is,” Gallagher said. “And I get that the ship of state is an aircraft carrier, it doesn’t turn on a dime, so we’re not going to selectively decouple overnight, and I’m not calling for a complete decoupling.”

But American taxpayer dollars cannot be “unwittingly funding Communist genocide or PLA [People’s Liberation Army] modernization.”

IS BIDEN A PARTNER? OR SOMEONE TO PRESSURE?

“It depends on the issue,” according to Gallagher, who said he sees an administration “divided” along several lines. The National Security Council and the Pentagon seem more inclined to confront China, he said, while officials whose top priority is fighting climate change believe in “a more cooperative relationship with China.”

But there’s room to work together on issues like high tech, clearing a backlog of U.S. weapons shipments to Taiwan, trade, and taxation, he said. And perhaps the committee can help “empower” more hawkish officials inside the executive branch.

“The American system is premised on the idea you can have competing views,” Gallagher said. “We’ll preserve room for honest disagreement and debate. It doesn’t need to be holding hands and singing Kumbaya all the time.”

 

A nova ordem econômica global e o Brasil - Rubens Barbosa (OESP)

A NOVA ORDEM ECONÔMICA GLOBAL E O BRASIL

 

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 28/02/2023


Em termos econômicos, desde o fim da Grande Guerra, em 1945, o liberalismo se impôs, com a redução do papel do Estado e a força do livre comércio, com a criação do FMI, Banco Mundial e GATT (depois OMC). A globalização, que aproximou países, empresas e pessoas, possibilitou a proliferação de acordos comerciais e o estabelecimento de cadeias produtivas baseadas na eficiência. O fim da URSS em 1991, com a nova ordem baseada em uma única superpotência, a entrada da China na OMC em 2001 e a realocação das cadeias produtivas para a China, confirmaram a ordem liberal. A volta da China como potência econômica e comercial global, trouxe o elemento geopolítico na cena econômica. Com Donald Trump, em 2017, são introduzidas medidas restritivas dos EUA contra a China, começa o esvaziamento da OMC e a perda de força das regras multilaterais de comércio. Essa tendencia é agravada pela pandemia e mais recentemente pelo conflito Rússia/Ucrânia e pelas tensões entre China e Taiwan, acelerando a configuração de uma nova ordem econômica.

                A nova ordem econômica mostra que a eficiência na definição de políticas econômicas é substituída por objetivos de segurança, soberania e poder. Evidências disso são o ataque ao livre comércio, a negociação de acordos comerciais regionais (não bilaterais), a realocação das cadeias produtivas, o crescente número de restrições comerciais por razões políticas e a busca de autossuficiência. A globalização passa por importantes ajustes com a descentralização das cadeias de produção, pelo aumento dos subsídios, do custo transporte e pela desorganização e os altos preços nos mercados agrícola e energético. Considerações sobre meio ambiente e mudança de clima passaram a ter impacto sobre as negociações comerciais. O nacionalismo representado pelo fortalecimento das economias domésticas para conseguir uma autonomia soberana em áreas consideradas estratégicas e a definição de novas políticas industriais nos EUA afetaram diretamente o liberalismo e o livre comércio, gerando tensões, com impactos globais. O populismo fortaleceu o intervencionismo protecionista. Considerações de poder, com base na segurança nacional passaram a influir na aplicação de controle de exportações como arma política, como as sanções, que incluíram, entre outras, a limitação do comércio dos semicondutores, a retirada de empresas chinesas da Bolsa de NY e o congelamento de reservas. Assim, a emergência da China e da Ásia como eixos de poder econômico, a disputa com os EUA, a guerra Rússia/Ucrânia, podem levar a uma nova Guerra Fria, em outras bases, com divisão do mundo (Ocidente/Eurásia), não em função de disputa ideológica ou militar, mas econômica, tecnológica e comercial.

                Em resumo, a nova ordem econômica está baseada na segurança de abastecimento e não no “just in time”; na realocação das cadeias produtivas, na segurança energética, no controle de investimentos, na formação de blocos regionais, na utilização da moeda como arma geopolítica e no mundo com crescimento reduzido e alta inflação.

                Qual o impacto da nova ordem sobre o Brasil? Colocando a casa em ordem, com políticas econômicas que respondam com eficiência aos desafios internos de aumento da produtividade e competitividade, e com uma visão pragmática em relação as transformações econômicas e políticas que estão correndo, poderíamos ser um dos beneficiários das novas circunstâncias internacionais.

A emergência da China e da Asia, sob o aspecto econômico, foi muito favorável aos produtos agrícolas brasileiros que encontraram novos mercado e preços elevados, tornando o Brasil um dos três maiores exportadores mundiais de alimentos. A realocação das cadeias de produção poderá abrir oportunidades para o Brasil em nível regional com investimentos em áreas de nosso interesse. O mercado de carbono, com a adequada proteção do meio ambiente, em especial da Floresta Amazônica, poderá representar ganhos financeiros significativos para empresas e para o país.

Esse é o pano de fundo quando se diz que o mundo mudou, coincidindo com o início do novo governo. São muitas as consequências negativas da nova ordem econômica sobre o Brasil. Estarão elas sendo levadas em conta pelo atual governo com visão estratégica? Como enfrentar o enfraquecimento do multilateralismo, com a perda de relevância da OMC, deixando países como o Brasil sem proteção jurídica para o desrespeito das regras internacionais? Como enfrentar as restrições comerciais políticas, os altos custos, a transformações tecnológicas com o 5G e a Inteligência Artificial? Como serão respondidas as restrições às exportações brasileiras, sobretudo pela política ambiental em relação à Amazonia, assim como aquelas em função da aprovação de nova regulamentação europeia de desmatamento? Como reduzir a vulnerabilidade, representada pela concentração das exportações em poucos mercados e produtos, e a dependência dos semicondutores, fertilizantes e insumos farmacêuticos. E a política para a reindustrialização?

Estamos voltados aos temas do século passado como a conclusão das negociações do Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a União Europeia, o ingresso na OCDE e o financiamento de projetos em países vizinhos. 

Acorda Brasil!

 

Rubens Barbosa, presidente do IRICE e ex-embaixador em Londres e Washington


É impossível compreender a guerra na Ucrânia sem conhecer a História - Timothy Snider (O Estado de S. Paulo)

É impossível compreender a guerra na Ucrânia sem conhecer a História

Timothy Snider

O Estado de S. Paulo, 28/02/2023

Enquanto dava uma aula de história ucraniana no semestre passado, senti um gosto do surreal. A guerra na Ucrânia já estava em andamento há meio ano quando comecei. Uma potência nuclear tinha atacado um país que abriu mão de suas armas nucleares. Um império tentava deter a integração europeia. Uma tirania tentava esmagar uma democracia vizinha. Nos territórios ocupados, a Rússia cometeu atrocidades genocidas com claras expressões de intenção genocida.

E ainda assim, a Ucrânia estava reagindo. Os ucranianos resistiram à chantagem nuclear, desprezaram o império fanfarrão e assumiram riscos em nome da sua democracia. Em Kiev, Kharkiv e, mais tarde, Kherson, eles derrotaram os russos, detendo a tortura, o assassinato e a deportação.

Estávamos em um ponto de inflexão histórica. Mas onde estava a história? As telas de TV mostravam continuamente a Ucrânia, e a única coisa que um espectador poderia dizer com alguma certeza é que os comentaristas jamais estudaram a Ucrânia. Ouvi de antigos alunos meus, atualmente empregados no governo ou no jornalismo, o quanto estavam felizes por terem feito o curso de história do Leste Europeu. Disseram estar um pouco menos surpresos que os outros com a guerra; disseram ter mais pontos de referência.

O contraste entre a importância histórica dessa guerra e a falta de lição de casa em história revela um problema maior. Conhecemos muito pouco da história. Projetamos o ensino para envolver questões técnicas: como fazer. E solucionar os problemas do cotidiano é muito importante.

Mas, se nos privamos da história, tudo é uma surpresa: o 11/9, a crise financeira, a invasão do Capitólio, a invasão da Ucrânia. Quando somos chocados todos os dias mas não temos história, tateamos em busca de pontos de referência, e nos tornamos vulneráveis a pessoas que nos dão respostas fáceis. Então o passado se torna a dimensão do mito, na qual aqueles que ocupam o poder geram as narrativas que julgam mais convenientes.

O presidente russo Vladimir Putin contou uma história a respeito do passado que nada tem a ver com a História. De acordo com ele, Rússia e Ucrânia foram criadas juntas, no batismo de um governante mil anos atrás. Partilham a mesma cultura, e portanto devem ser governadas pela mesma pessoa. Se parecer que algo diferente aconteceu, não seria de fato um capítulo dessa história. Se os ucranianos acreditarem que não são russos, isso seria resultado da obra nefasta de forasteiros. Putin não se limitou a dizer essas coisas: ele aprovou leis da memória para evitar que os russos sejam questionados pela história, e chegou a riscar dos manuais a palavra “Ucrânia”.

Em termos de lógica, é algo circular; e enquanto política, é algo tirânico. Se eu pudesse afirmar que os canadenses são americanos porque falam a mesma língua, ou porque partilhamos uma história em comum, isso nos pareceria um motivo idiota para dar início a uma invasão. Quando um ditador reivindica o poder de definir a identidade de outro povo, a questão da liberdade desse povo jamais vem à tona. Se a identidade for congelada para sempre pelos desígnios de um governante, os cidadãos logo se veem sem escolha.

Enquanto observamos onde essa lógica levou os russos, começamos a questionar a validade dessas histórias. Mas não deveria ser necessário uma atrocidade tão óbvia para nos fazer duvidar. Até recentemente, era grande demais o número de comentaristas que se contentavam em seguir a versão de Putin: Rússia e Ucrânia eram eternamente semelhantes de alguma forma, pessoas que falam russo são russas de alguma forma, e a cultura de acordo com as definições de um ditador seria o seu destino.

Foi surreal, de maneira bem diferente, quando milhões de pessoas vieram participar da minha aula online. Os americanos tinham percebido que havia algo de errado no mito russo, mas não sabiam como preencher a lacuna. Foi animador ouvir, nos milhares de e-mails que recebi, que essa lacuna poderia ser preenchida pela história. Foi um semestre muito animado; a história estava fazendo os estudantes pensarem. Quando pensamos historicamente, reconhecemos que as comunidades políticas têm ascensão e queda, e que as escolhas humanas — incluindo as escolhas perversas de tiranos militaristas — são sempre parte da história. Aprendemos a absorver melhor os eventos. Despertamos para as vivências dos outros. Para mim, pessoalmente, foi tocante ouvir relatos dos próprios ucranianos, incluindo soldados da linha de frente, que acompanharam a aula online.

A história ucraniana dá mais sentido ao mundo de hoje. Toda a trajetória da nossa civilização ocidental, dos gregos em diante, fica mais clara se entendermos que Atenas era alimentada pelo que é atualmente o sul da Ucrânia. A fantástica história dos vikings torna-se ainda mais surpreendente quando entendemos que eles fundaram um estado em Kiev. A era da exploração toma novas dimensões quando reconhecemos que potências polonesas e russas construíram seus impérios penetrando a leste na massa terrestre eurasiana, onde finalmente encontrariam a Ucrânia. A era dos impérios é concluída com os projetos neo-imperiais nazista e soviético, que tinham ambos o seu foco na Ucrânia. Esse conflito horrivelmente sangrento fez da Ucrânia o lugar mais perigoso do mundo durante a era totalitária de 1933 a 1945. Esse capítulo e a russificação que se seguiu tornaram a história da Ucrânia difícil de contar, até mesmo para os ucranianos.

Mas isso está mudando agora. Praticamente tudo que eu disse nas minhas aulas veio da obra de historiadores ucranianos. Iaroslav Hritsak, um dos melhores dentre eles, diz há décadas que a Ucrânia vai sobreviver quando uma nova geração amadurecer. Agora, isso ocorreu, não somente na minha área, mas no jornalismo, na sociedade civil, nos negócios e na política. A Ucrânia é diferente da Rússia por causa de sua história distinta, incluindo a história dos 30 anos mais recentes, desde o fim da União Soviética. Enquanto Putin empurrava seu país para a areia movediça dos mitos, os ucranianos — com seus votos, seus protestos e sua resistência — abriram caminho para chegar a uma noção mais confiante de si mesmos e de quem são.

Ao fazerem história, eles nos lembram que precisamos da história para compreendê-los melhor, para compreender melhor a guerra — e também para entender melhor a nós mesmos. Como os ucranianos, vivemos um ponto de inflexão histórica. Como eles, teremos que aprender história e desafiar os mitos para alcançar um futuro democrático.


TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL


* Timothy Snyder é professor de história na Universidade Yale e autor de “The Road to Unfreedom” e “Bloodlands” Sua edição atualizada em áudio de “On Tyranny” inclui novas aulas abordando a Ucrânia.

https://www.estadao.com.br/internacional/e-impossivel-compreender-a-guerra-na-ucrania-sem-conhecer-a-historia/

 

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Back to work, again; new books from Paulo Roberto de Almeida

Terei de retomar a escrita pedagógica numa área que pensava já pacificada?

Meu primeiro livro contra o bolsolavismo diplomático se chamou Miséria da Diplomacia (2019), de um total de cinco, até o Apogeu e Demolição da Política Externa (2021). 

Antes teve o Nunca Antes na Diplomacia (2014), sobre o lulopetismo na política externa, seguido de Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre a política externa (2019).

Será que vou ter de reincidir agora, numa mesma linha de argumentos? 

Sugestões de título para o primeiro de uma nova série?

Não vale “Diplomatices: a doença infantil do Populismo Diplomático”, ainda mais evidente do que algo do tipo “O Que Fazer na Política Externa?”.

Tem também “O Eterno Retorno na Política Externa”, “Diplomacia Prática para Reincidentes” ou ainda “Brazilian Diplomacy for Dummies”.

C’est l’embaras du choix…

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 27/02/2023

Os 12 pontos do "Plano de Paz" da China para a guerra de agressão da Rússia contra Ucrânia: explicitação Paulo Roberto de Almeida

 Não é um verdadeiro plano de paz, mas declarações genéricas por parte da China. Elas, ainda assim, constituem uma grave acusação à Rússia, algumas advertências ao Ocidente (Otan e EUA) e uma tentativa de ficar bem como todo mundo

Os 12 points podem ser resumidos como segue:

1) Respect sovereignty.

Quem não respeitou a soberania da Ucrânia foi a Rússia. Assim, ela tem de partir.

2) Legitimate security interests should be valued and properly addressed.

Aparentemente dirigido contra a OTAN, que chegou às fronteiras da Rússia. Mas cabe registrar que foram os países vizinhos que imploraram para ingressar na OTAN, pois temiam novas incursões do antigo império czarista ou soviético, com razão. Os que assim fizeram não foram atacados.

3) Stop the shooting.

Ou seja, “Cessar fogo". Mas quem começou atirando foi a Rússia; ela deve parar. Se a Ucrânia deixar de atirar, ela será simplesmente submergida.

4) Start the talking.

Quem sempre se recusou a conversar foi Putin. Os chineses podem dizer isso a ele.

5) Alleviate the humanitarian crisis.

Quem está violando as leis da guerra e os tratados humanitários é a Rússia.

6) Implement the international codes regarding war.

São acordos muito antigos relativos à população civil e prisioneiros de guerra (alguns tem sido trocados), mas a Rússia atira contra alvos civis, inclusive hospitais e creches, e já sequestrou milhares de crianças ucranianas, transferindo-as para a Rússia. São crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

7) All parties should agree to abide by Convention on Nuclear Safety.

Ponto muito importante, que não tem sido respeitado pela Rússia em Zaphorizia, como já atestou a AIEA.

8) Parties must not use or threaten to use nuclear weapons against each other.

Foi Putin quem primeiro mencionou a possível utilização de "todo tipo de arma", o que inclui não apenas armas nucleares, mas também químicas e bacteriológicas.

9) Guarantee the safe transportation of food under existing agreements.

Foi a Rússia quem bloqueou os portos do Mar Negro e do Mar de Azov, impede barcos ucranianos de sair e roubou toneladas de grãos dos entrepostos ucranianos.

10) Stop unilateral sanctions.

Sim, está dirigido contra os EUA e todos os demais países que impuseram sanções contra a Rússia, mas elas estão inteiramente dentro da linha da Carta da ONU, e só são unilaterais porque a Rússia usa abusivamente do direito de veto no CSNU.

11) Ensure the stability of the industrial chain supply chain.

Os setores de infraestrutura – energia, comunicações, transportes – já foram terrivelmente afetados pelos ataques indiscriminados (ou talvez dirigidos) da Rússia, o que perturba a economia da Europa central e do mundo em geral.

12) Promote post-war reconstruction.

A AGNU já aprovou em outubro de 2022 uma resolução que responsabiliza a Rússia pela destruição provocada na Ucrânia. Ela terá de assumir responsabilidade pelo custo das reparações, mas o debate sobre a utilização das reservas russas congeladas está apenas começando. Recorde-se que o Iraque teve de assumir os custos da sua invasão no Kwaite, como descontos controlados pela ONU sobre suas exportações de petróleo.

Paulo Roberto de Almeida

Brasilia, 27 de fevereiro de 2023


domingo, 26 de fevereiro de 2023

O declínio chinês já começou, pela demografia - Yi Fu-xian (Taipei Times)

 The Chinese era is already over

  • Yi Fu-xian

    Taipei Times, Mon, Feb 27, 2023 page 8

    Last month, China officially acknowledged that its population began to decline last year — about nine years earlier than Chinese demographers and the UN had projected. 

    The implications of this are hard to overstate. It means that all of China’s economic, foreign and defense policies are based on faulty demographic data.

    For example, Chinese government economists have predicted that by 2049, China’s per capita GDP could reach half or even three-quarters of that of the US, while its overall GDP could grow to twice or even three times that of its rival. 

    However, these forecasts assumed that China’s population would be four times that of the US in 2049. 

    The real figures tell a very different story. Assuming that China is lucky enough to stabilize its fertility rate at 1.1 children per woman, its population in 2049 would be just 2.9 times that of the US, and all its key indicators of demographic and economic vitality would be much worse.

    The faulty predictions do not affect only China. They imply a geopolitical butterfly effect that could ultimately destroy the existing global order. 

    Chinese authorities have been acting in accordance with their longstanding belief in a rising East and declining West. 

    Similarly, Russian President Vladimir Putin believed that as long as Russia maintained stable relations with a rising China, the declining West would be powerless to hold him accountable for his aggression against Ukraine. 

    In its haste to abandon Afghanistan to focus its resources on China, the US might have unwittingly emboldened Putin further.

    Population aging is likely to have a permanent, major drag on China’s economy. As Italy’s experience shows, the old-age dependency ratio — the number of people older than 64, divided by those aged 15 to 64 — has a strong negative correlation with GDP growth, as does the median age and the proportion of people older than 64.

    In 1950, Japan’s median age was 21, compared with 29 in the US. As one would expect, Japan subsequently benefited from years of faster economic growth. 

    However, by 1994, the prime-age labor force — people aged 15 to 59 — began to decline, whereas the US working-age population is not expected to fall until 2048.

    By 1992, Japan’s median age was 5.5 years above that of the US, and its old-age dependency ratio began to exceed that of the US. Not surprisingly, its GDP growth has been lower than the US’ ever since.

    Japan’s per capita GDP rose from 16 percent of the US level in 1960 to 154 percent in 1995. 

    However, by last year, that figure had fallen to 46 percent, and it is likely to fall below 35 percent.

    Similarly, owing to their young populations, Taiwan and South Korea achieved rapid economic convergence for more than five decades, with per capita GDP soaring from 5 percent of the US level in 1960 to 42 percent and 53 percent respectively in 2014. 

    However, both economies have since stagnated as their workforces have shrunk, putting them on track to fall below 30 percent of US per capita GDP.

    In China’s case, the median age in 1980 was 21, eight years younger than the US’, and from 1979 to 2011, its GDP grew at an average annual rate of 10 percent.

    However, China’s prime-age labor force — people aged 15 to 59 — began to shrink in 2012, and by 2015, GDP growth had decelerated to 7 percent before slowing to 3 percent last year. 

    An average of 23.4 million births per year from 1962 to 1990 made China “the world’s factory.” 

    However, even China’s own exaggerated official figures put last year’s births at just 9.56 million. Chinese manufacturing could continue to decline as a result, creating new inflationary pressures in the US and elsewhere.

    While China’s population was 1.5 times larger than India’s in 1975, even the Chinese government’s exaggerated official figures show that it was smaller last year — 1.411 billion compared with 1.417 billion.

    In reality, India’s population surpassed China’s a decade ago, and it remains on track to be about 1.5 times larger than China’s in 2050, with a median age of 39 — a full generation younger than China’s, at 57.

    By 2030, China’s median age would already be 5.5 years higher than that of the US, and by 2033, its old-age dependency ratio would begin to exceed the US’.

    Its GDP growth rate would begin to fall below the US’ from 2031 to 2035, at which point its per capita GDP would hardly have reached 30 percent of its rival’s — let alone the 50 percent to 75 percent predicted by Chinese official economists. 

    If the US is overtaken as the world’s largest economy, it would be by India, not China.

    China is investing heavily in artificial intelligence and robotics to offset the economic drag of aging. 

    However, these efforts can go only so far, because continuing innovation relies on young minds. 

    Moreover, robot workers do not consume, and consumption is the major driver of any economy.

    China’s decline is likely to be gradual. It could remain the world’s second or third-largest economy for decades.

    However, the huge gap between its waning demographic and economic strength and its expanding political ambitions could make it vulnerable to strategic misjudgements. 

    Memories of past glory or fear of lost status could lead it down the same dangerous path that Russia has taken in Ukraine.

    China’s leaders should heed the lessons of Russia’s botched invasion and wake up from their unrealistic “Chinese Dream” of national rejuvenation. 

    The Chinese government’s policy approach is a formula for demographic and civilizational collapse.

    The US also has lessons to learn, given its apparent failure to manage a declining Russia. 

    The US and its allies — including Australia, Canada, the EU, Japan, New Zealand, South Korea and the UK – would also be dealing with societal aging and resulting economic slowdowns.

    Their combined share of the global economy already fell from 77 percent in 2002 to 56 percent in 2021, and that trend is likely to continue.

    The geopolitical implications should be obvious. If the major powers are wise, they will cooperate in good faith to forge an enduring global order before they no longer have the power to do so.

    Yi Fuxian is a senior scientist in obstetrics and gynecology at the University of Wisconsin-Madison.

    Copyright: Project Syndicate