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domingo, 3 de setembro de 2023

Um perfil do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Flávia Tavares, Luciana Lima, Andrea Freitas (Folha de S. Paulo)

 Folha de S. Paulo, 1 de setembro de 2023

COMO HADDAD ENTENDE A ECONOMIA

Por Flávia Tavares, Luciana Lima e Andrea Freitas

Num discurso na última segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estava se explicando, de novo, sobre a decisão do governo de buscar receitas na taxação de rendimentos de capital no exterior (offshore) e dos chamados fundos exclusivos – coisa de ricos e super-ricos. Ele rechaçava a comparação com o herói fora-da-lei inglês. “Eu vejo muitas vezes, na imprensa, ser tratado como uma espécie de ‘ação Robin Hood’, uma revanche”, reclamou o ministro. “Não é, absolutamente, nada disso.”

Ao seu lado, no palco montado no Salão Oeste do Planalto, Lula o observava, ladeado por Alckmin e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. “Aqui não tem nenhum sentimento que não seja o de justiça social”, disse Haddad, apontando com as mãos o próprio peito. Essas palavras encerraram o discurso. Lira apertou suas mãos. Lula foi efusivo e o convidou para tirar um retrato. Lira ouviu algo que os petistas comentaram e também sorriu. Alckmin, permanentemente risonho há pelo menos um ano, cumprimentou o amigo, que serviu de ponte entre o ex-tucano e o presidente petista. Haddad transitava, confortavelmente, entre expoentes de tudo que é tensão política e econômica das últimas décadas.

O mesmo comportamento que lhe garante essa aceitação política o obriga a, com imensa frequência, ter de explicar quem é. Como pensa. Isso já é atávico da missão de conduzir a economia de um país. Mas, possivelmente, num país com menos barulho antidemocrático, a economia pautasse quase exclusivamente o noticiário e essas concepções já estivessem mais claras. Não só isso. Haddad insiste em não se deixar enquadrar. “Tenho problemas com rótulos. Eles não ajudam a encontrar soluções”, começou ele sua enésima explicação sobre si mesmo no programa Reconversa. Era dia 11 de agosto, uma sexta-feira, e o Brasil estava em polvorosa com a operação da Polícia Federal num endereço do general Mauro Lourena Cid, em Niterói. Naquele mesmo dia, o governo federal, ofuscado pelo escândalo das joias, lançava os termos do novo PAC, no Rio — a versão do programa prevê R$ 1,68 trilhão de investimentos numa mescla de recursos da União e de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs). “Perguntei ao Lula por que ele tinha reserva em convidar economista ‘padrão’ para a Fazenda”, ele seguiu na entrevista. “E ele me disse que é porque eles são mais fieis à escola de pensamento deles do que ao governo. ‘E eu [Lula], às vezes, preciso tomar decisões que não cabem na caixinha. Então, prefiro alguém com senso prático.’” Pragmatismo: check. Lealdade: check. Não caber numa caixinha: check. A trajetória pública e partidária de Haddad indicava que ele conseguiria o emprego.

Mas havia muito mais em jogo. Lula assumia um país debilitado economicamente; tendo sido eleito sob uma frente ampla ao mesmo tempo em que seria cobrado a atender às demandas à esquerda; e precisando reconfigurar a relação do Executivo com o Legislativo. Haddad segue sua autoavaliação. Declara-se uma pessoa de esquerda, progressista. “Mas eu não acredito em Estado que deve, que não se importa com a dívida.” E, candidamente, afirmou que não consegue entender quem na esquerda defenda essa política. Seguindo seu perfil flexível, ressaltou que é evidente que há situações históricas em que o déficit se justifica, como numa pandemia, numa guerra. Mas, neste momento do Brasil pós-pandêmico, é preciso corrigir os abusos do governo anterior na busca pela reeleição e dar prumo às contas públicas. “Quando Lula me convidou para ser ministro da Fazenda, no Egito, decidi aceitar, porque eu estava com o diagnóstico do que precisava ser dito e feito para o Brasil. E qualquer coisa que saia desse roteiro vai colocar em risco o terceiro mandato do político mais importante da história deste país.”

Haddad é um ministro da Fazenda peculiar. É formado em Direito, mestre em Economia, doutor em Filosofia. E a própria insistência em não se encaixar numa única escola econômica o torna, para alguns, especialmente em tempos de simplificações sob medida para redes sociais, uma incógnita. Sua formação à esquerda seria preponderante demais para classificá-lo como liberal? E seu zelo fiscal o desqualificaria automaticamente como um representante da esquerda? “Quem tem uma postura dogmática em relação a uma escola de pensamento e não sai daquele quadrado nem quando as evidências demonstram, tem pouca sensibilidade. Não tenho nada contra a escola de pensamento econômico, transito por todas.” Ele já buscava se justificar em dezembro.

Agora, com oito meses corridos de ministério, algumas ideias do economista Haddad estão mais palpáveis. Para avaliá-las melhor, vale percorrer o trânsito que ele tem feito entre escolas. E suas aplicações em sua vida pública.

O marxista crítico

Haddad conta que despertou para temas econômicos a partir da militância estudantil e da presidência do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP. Esse relato está nos agradecimentos de sua tese de mestrado em Economia, defendida no dia 19 de outubro de 1990, e intitulada “O debate sobre o caráter socioeconômico do sistema soviético”. Trata-se de um sobrevoo crítico sobre teorias para tentar determinar o modelo econômico da União Soviética no cerne do processo da Perestroika, iniciado em 1985. E uma tentativa de apontar que nenhuma delas definia integralmente o sistema naquele momento de transição. Numa análise instantânea, estava impressa ali a pulsão haddadiana de questionar os enquadramentos clássicos, pré-estabelecidos. Nos agradecimentos, Haddad menciona, entre outros, Alexandre Schwartsman, que viria a ser presidente do Banco Central, é voz corrente do liberalismo e hoje é duro crítico da condução do ministro. Para o Haddad que se graduava no mestrado, Schwartsman foi descrito como “amigo”, testemunho da convivência acadêmica, próxima e respeitosa, com o contraditório.

O DNA dessa faceta de Haddad está mesmo na crítica. Embora sua formação seja marxista, foram os frankfurtianos Theodore Adorno, Max Horkheimer e Walter Benjamin os autores que mais o influenciaram. A economista Leda Paulani, professora da Faculdade de Economia e Administração da USP e amiga de Haddad há mais de 30 anos, editou com ele por alguns anos, no fim da década de 1990, a revista Praga, de estudos do marxismo. A publicação, criada pelo filósofo Paulo Arantes (orientador do doutorado de Haddad) e que chegou a divulgar textos inéditos de Che Guevara, Antonio Candido e Caio Prado Jr., era não uma defesa do socialismo, mas já um momento posterior, crítico do capitalismo, dado por vencedor em seu formato mais perigoso, o neoliberalismo. Leda explica que o marxismo de Haddad não é “de cartilha”. “É aberto, marchando sempre com a democracia, mas preservando muito do que Marx detectou com imensa precisão sobre o funcionamento do capitalismo e desligado do autoritarismo aplicado pelo stalinismo.”

Talvez decorra dessa leitura a proposta que Haddad lhe contou ter feito a Lula. Em nome de garantir que esse governo seja bem-sucedido o suficiente na economia, “ele disse ao presidente que faria o papel de ‘patinho feio’ para a esquerda, se precisasse, para manter o fascismo afastado”, relata a professora. Na prática, isso se revela no fato de que ele encampou o arcabouço fiscal. Para ela, é mais por Haddad entender que essa era uma imposição política, de décadas de um discurso pró-austeridade, do que fruto de convicção. “Uma coisa é reconhecer a trajetória de dívidas paralisantes. Outra é achar que se não fizer superávit primário não existe país”, diz Leda. “Tenho certeza de que ele concorda que, existindo Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF) e regra de ouro, o arcabouço é uma camisa de força que não precisaríamos estar vestindo. Mas, como ministro, ele não pode dizer isso.”

Como ministro, publicamente, o que ele diz é que o arcabouço, que formulou em conjunto com Simone Tebet, ministra do Planejamento, é um avanço. “Nós estudamos 29 países para construir o texto, que depois foi aperfeiçoado no Congresso. Ali, tem um teto móvel, que é uma regra de gasto mais inteligente e uma vantagem sobre a antiga LRF. E tem uma coisa resgatada da LRF, que é a meta de resultado primário. Juntamos as duas coisas. Foi isso que comoveu as agências de risco”, ele defendeu na entrevista ao Reconversa. O presidente Lula sancionou na quinta-feira, com vetos (que devem cair), o texto do arcabouço — entregue ao Congresso meses antes do prometido na PEC da Transição. Na apresentação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2024, Haddad e Simone estavam lado a lado, celebrando esses dois ajustes aprovados pelos parlamentares. Junto com a reforma tributária, essas medidas, que mostram o compromisso fiscal do governo, foram essenciais para o início do processo de corte de juros, iniciado — tardiamente, na visão do próprio Haddad — na última reunião do Copom. Essa agenda do governo foi reconhecida pela agência de classificação de risco Fitch e pela S&P Global Ratings.

O fiscalista

Pode ser que o rigor fiscal de Haddad seja uma imposição política, como diz Leda. Mas há pistas de que venha também de experiências passadas. Num plano mais pessoal, Haddad costuma dizer que aprendeu mais economia na 25 de Março do que na academia. Ele trabalhou na loja do pai, Khalil Haddad, que emigrou do Líbano em 1947 e se estabeleceu como comerciante no coração de São Paulo. “O pai dele é imigrante, ele tem essa vivência de gente que chegou aqui sem muito dinheiro. Tem um conservadorismo financeiro aí. Ele já trabalhou em balcão e fechou caixa no final do dia. Viu o que acontece quando você fica sem crédito. É claro que a economia de um país é diferente da de uma loja, mas, em situações de crise, muitas vezes, as diferenças diminuem bem”, diz Samuel Pessôa, pesquisador do FGV/IBRE e chefe de pesquisa econômica da Julius Baer. Pessôa foi colega de Haddad no colégio e também no mestrado na USP.

Já na administração pública, um outro episódio, quiçá traumático, reforçou o zelo de Haddad por um caixa bem administrado. No dia seguinte à chegada de Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo, em 2001, vencia um boleto de uma dívida muitíssimo mal negociada pelo antecessor, Celso Pitta. Haddad era, junto com Leda Paulani, parte da equipe do secretário de Finanças, João Sayad. A fatura era de um valor próximo a R$ 1 bilhão. Nos cofres, havia coisa de R$ 2 milhões. A situação era tão crítica que nem a conta de luz a prefeitura podia pagar. Ficou evidente ali como uma situação de dívida sufoca o orçamento e as ações sociais que ele poderia patrocinar. Quando mais tarde assumiu ele próprio a prefeitura da cidade, uma de suas prioridades foi renegociar essa dívida com a União. E ele conseguiu — com o custo de popularidade que prioridades desse tipo costumam carregar. Reduziu de R$ 79 bilhões para R$ 29 bilhões. “Com muita conversa, como é de seu estilo”, relembra Leda, que foi também sua secretária de Orçamento e Planejamento. Novamente, a administração da economia de uma cidade é bem diferente da de um país, em que se tem as políticas fiscal, monetária e cambial para trabalhar. Ainda assim, há pistas deixadas por essas escolhas.

Para Pessôa, um liberal, a heterodoxia brasileira tem uma interpretação excessivamente otimista da contribuição do britânico John Maynard Keynes. Keynes jamais afirmou que o gasto público tem uma capacidade muito grande de alavancar o crescimento e, no limite, se autofinanciar. Já Haddad teria uma visão mais conservadora em relação à política fiscal, uma preocupação com a estabilidade e solidez do setor público, necessárias para a entrega de políticas públicas. “Minha impressão é de que o Haddad é uma pessoa que tem uma preocupação fiscal genuína. Acho que por isso é chamado de ‘o mais tucano dos petistas’”, afirma. Já Leda Paulani, da escola oposta à de Pessôa, define o amigo como um “otimista” mesmo, mas também um iluminista puro, para quem a razão sempre prevalece. Em comum, Leda e Samuel — assim como todos os próximos de Haddad — têm uma coisa: todos o chamam de Fernando.

Essa flexibilidade (ou trânsito, para ficar nos termos do ministro) ficou evidente no período em que Haddad lecionou no Insper, escola de negócios e administração próxima do liberalismo. O ministro foi convidado, em 2016, a ajudar a montar o mestrado em Gestão Pública. Licenciou-se da USP e, curiosamente, aproximou-se de Sandro Cabral, coordenador do curso, da mesmíssima forma que havia cercado Leda Paulani. A amiga ele abordou numa cafeteria perguntando sobre sua tese de doutorado a respeito do conceito de dinheiro. O novo amigo, em sua sala, também convidando para um café para discutir o livro Capitalismo de Laços, de Sérgio Lazzarini. A curiosidade intelectual de Haddad é traço fundamental do ministro difícil de enquadrar. É o que rende algumas soluções além-rótulos. Cabral dá o exemplo das Parcerias Público-Privadas, um dos temas das aulas de Haddad no Insper. “O embrião do texto da lei das PPPs é dele. Foi inspirado na taxa do lixo em São Paulo, uma solução engenhosa pra garantir o serviço público, respeitando a lei de concessões.” Haddad era, então, membro da equipe de Guido Mantega no Ministério do Planejamento do governo Lula 1. Chegou a confidenciar para o amigo que a primeira versão do texto era mais “anglo-saxã” do que a que emplacou. Ou seja, mais liberal.

A esquerda, diz Cabral, abraçou as PPPs como instrumento de investimentos em infraestrutura e até gestão de prisões. “Basta ver os governos da Bahia, o Wellington Dias no Piauí”, aponta. O próprio ProUni, na visão dele, é nada mais que um sistema de voucher, “mais liberal impossível”. Isso quer dizer que Haddad é, então, um liberal? “Ele sabe que é importante fazer reserva, ter colchão para intempéries. Tem compromissos de afeto com a esquerda, seu grupo de referência, que evita desagradar. Mas admitia que concordava com Alckmin em 70% das pautas.” Os outros 30%, talvez mais na seara dos costumes, é que os mantinham em partidos diferentes. E, embora formalmente isso permaneça, eles estão mais próximos do que nunca, numa ponte construída pelo próprio Haddad. Dependendo da lente, dá para dizer até que Alckmin anda à esquerda de Haddad, hoje. Cabral tenta resumir se Haddad é liberal ou de esquerda, afinal. “Ele tem mais preocupações sociais do que a esquerda pensa. E mais convicções de como conciliar mecanismos de mercado na gestão pública do que os liberais pensam.”

A gestão como ministro mostra que Haddad tem capacidade de lidar com os dilemas econômicos sem tanta rigidez, incorporando dimensões que muitos petistas tachariam de neoliberais. “Isso é um dos aspectos positivos politicamente”, analisa o cientista político José Álvaro Moisés, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP — e um dos avaliadores da tese de mestrado de Haddad. Eles foram contemporâneos de PT no comecinho do partido. Moisés deixou a legenda em 1989, quando já ocupava cargos diretivos, mas lembra do rapaz que fazia oposição à corrente dominante no partido, pela esquerda. “Mais do que essa abertura, Haddad amadureceu as visões do PT sobre desigualdades. Faz um tremendo esforço para enfrentá-las, insiste na tese central do Lula. Mas, para isso, vai precisar de tempo para dizer de onde vão sair os recursos.”

O político

Para enfrentar o desafio descrito por Moisés, e garantir o trânsito entre o fiscalista e o marxista crítico, o ministro precisa primordialmente de dinheiro e apoio político. Só isso. Tudo isso. E, aí, a tendência a recorrer a mecanismos que se encaixam mais no protecionismo da esquerda é imensa. O governo tem estudado, por exemplo, um imposto de importação mínimo de 20% para encomendas internacionais. Como não quer reduzir os gastos, precisa aumentar a arrecadação. Nada mais impopular. Mas naquele discurso de segunda-feira, o do Robin Hood, Haddad mostrou suas cartas nessa frente. Ao falar da sua “profunda consideração” pelo Congresso e da espera por “parceria” e “respeito”, o ministro reivindicou o reconhecimento de que sabe articular. No primeiro semestre, Haddad não poupou esforços para fazer aquele meio de campo com deputados, senadores, prefeitos e governadores. Resultado: apesar das rusgas do Planalto com o Centrão de Lira, o governo conseguiu aprovar toda pauta.

Esse empenho tornou Haddad um favorito do Congresso. Com mais prestígio entre deputados e senadores do que a chamada “cozinha” do Planalto, que tem os ministros Alexandre Padilha e Rui Costa na dianteira. Os líderes de partidos do Centrão na Câmara o têm em alta conta. Chegam a pintá-lo como um “ministro da Fazenda articulador”. E se tem uma coisa que não dá para poupar na administração pública é atenção para parlamentar “carente”. “Ele passa o celular e pede pra ligar a qualquer momento. Ele está sempre disposto a receber relatores de matéria de interesse do governo em seu gabinete. Tem deputado que nunca havia pisado na Fazenda”, disse um interlocutor de Lira. O telefone de Rui Costa, da Casa Civil, por exemplo, tem deputado que não tem.

Para sua equipe, Haddad deu ordem direta de atender bem os parlamentares. A orientação passada no início do ano para o ex-secretário executivo Gabriel Galípolo — hoje diretor de Política Monetária do Banco Central — é a mesma repassada a seu substituto, Dario Durigan. “Essa não era a imagem que a classe política, principalmente representantes do Centrão, tinham dele”, derrete-se o representante do Lirismo. Mais que atender o telefone, Haddad tem se mostrado sensível às questões dos deputados. Ele sabe que, sem emendas, ninguém se reelege e se mostra disposto a acomodar algumas demandas nas destinações orçamentárias.

Só que o suspense em torno da troca de ministros não ajuda essa articulação. Lula tem esticado a corda. Lira e seus aliados consideram que a demora na distribuição de cargos para os partidos não se trata de “batidas de cabeça” dentro do governo, mas de método. “Ganhar tempo” seria a palavra de ordem de Lula. Sem essa retaguarda, dizem os parlamentares, de nada valerá o esforço de Haddad. Para pressionar o governo, a Câmara pode colocar em votação a reforma administrativa, gestada por Paulo Guedes. Tudo que o governo não quer.

Fazer caber esse apetite por emendas e a gana petista por dinheiro pra investimento vai exigir pragmatismo, lealdade, não caber em caixinha, ser articulador e tudo mais que Haddad tiver a oferecer. Mas ele tem se mantido fiel à própria flexibilidade. Enfrentando a voz corrente em seu partido, seguiu defendendo déficit zero nas contas do governo para 2024. Déficit zero é, resumidamente, a equivalência entre receitas e despesas primárias. O Estado não gasta mais do que recebe. A presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, advoga abertamente que seja admitida a variação prevista no próprio arcabouço, que pode chegar a 0,25 ponto percentual sobre a receita. Para Gleisi, isso permitiria mais investimentos do Estado. Haddad discorda. Ele ecoa Simone, que garante que as estimativas da Receita estão conservadoras demais e a conta vai fechar. E está endossado por Lula. “O governo não vai mudar e vai tentar aprovar os projetos tributários”, disse o deputado petista Carlos Zarattini, coordenador do governo na Comissão Mista de Orçamento (CMO), ao Meio. Esses “projetos tributários” são os que miram no aumento da receita.

Enquanto isso, Haddad vai colhendo críticas, mas também resultados. Aumentou sua aceitação no mercado. O crescimento da economia no segundo trimestre superou as expectativas. Ao celebrar, comedidamente, o resultado, Haddad transitou. “Há ainda, com naturalidade, muitos questionamentos sobre como vai ser o ano de 2024.” Repisou o quanto precisa das medidas enviadas ao Congresso. E, então, repetiu a trinca que tem norteado suas explicações. “Só com crescimento podemos alcançar um equilíbrio fiscal, social e ambiental. Com o crescimento, tudo fica mais fácil.”

Crescimento não é trivial de produzir. O governo não depende só do ministro da Fazenda. Governo de frente ampla, que inclui esquerda desenvolvimentista, liberais salpicados e o Centrão fisiológico não tem como ser elementar na condução. O trabalho, para Fernando Haddad, só começou.

sábado, 2 de setembro de 2023

O Brasil, uma Argentina em marcha lenta? - Armando Castelar Pinheiro, Paulo Roberto de Almeida

 Re-compartilhando a partir de postagem original de Dilson Sampaio da Fonseca, a quem agradeço a transcrição desta matéria. Permitam-me uma introdução um pouco sombria.

O Brasil, uma Argentina em marcha lenta?

Retiro dela uma única certeza, em várias dimensões e formatos, todos negativos; os gastos públicos vão continuar aumentando, a carga fiscal vai se agravar, a dívida pública tomará uma parte maior do PIB (e os juros das receitas tributárias), o crescimento vai diminuir, a renda vai estagnar ou até decrescer, com menos investimentos, menos emprego, mais desigualdes e conflitos distributivos, mais politicos populistas e irresponsáveis, mais inflação, mais pobreza, mais atraso.

Estou sendo pessimista?

Certamente, mas é o que me sinaliza o comportamento predatório dos politicos e dos mandarins do Estado,assim como a mediocridade intelectual de grande parte das oligarquias econômicas e dos dirigentes políticos. 

Ou seja, estou prevendo um constante declinio para o Brasil, com a agravante de que ele não é uma fatalidade, mas totalmente autoconstruîdo por nós mesmos, pelos políticos, pelos aristocratas do serviço publico, pela população em geral, que quer mais Estado, mais subsidios, mais salários e privilégios. Somos uma Argentina em marcha lenta, sem aquela soberba típica dos argentinos (que acredito bem mais diminuída hoje).

Dificilmente a tendência dos politicos, de direita e de esquerda, será pela contenção constitucional dos gastos públicos. Então, será o que está no meu titulo!

Desculpem a longa introdução, mas leiam o artigo de um professor realista.

Paulo Roberto de Almeida 

Escolhas de política econômica

Armando Castelar Pinheiro *

Valor Econômico, 1/09/2023

Faz todo sentido que se discuta estabelecer um teto para a carga tributária

Em artigo de 1992, intitulado “Law or Economics”, George Stigler observa que “enquanto a eficiência constitui-se no problema fundamental dos economistas, a justiça é a preocupação que norteia os homens do direito (...) é profunda a diferença” entre esses dois focos, o que “significa, basicamente, que o economista e o jurista vivem em mundos diferentes e falam diferentes línguas”.

O mesmo poderia ser dito, claro, em relação a economistas e políticos, estes mais focados na popularidade e no impacto eleitoral dos seus atos. Isso explica muito da frustração dos economistas por não emplacar reformas econômicas cujos benefícios lhes parecem claros. O que não significa que haja erro: em uma democracia os políticos procuram refletir, em suas escolhas, as preferências de seus eleitores, como deveria ser.

Por outro lado, isso também não elimina o custo de se escolherem políticas econômicas ineficientes, como bem mostra o baixo crescimento de nosso PIB per capita há tantas décadas, a despeito de todo nosso potencial. Ou o que acontece atualmente com a Argentina, onde as taxas de inflação e de pobreza sobem “a olhos vistos”.

Essa questão me veio à mente assistindo ao “talk show” ocorrido esta semana na cerimônia de entrega do prêmio Valor 1000, com os relatores da reforma tributária na Câmara e no Senado. Muito da conversa acabou girando em torno da necessidade de, no contexto da reforma, se colocar um teto para a carga tributária. Assim, segundo o senador Eduardo Braga, “entendemos como profundamente importante a limitação da carga tributária no texto constitucional”.

Essa é uma proposta relevante por pelo menos três fatores. Primeiro, pois, como lembrado no “talk show”, a experiência da reforma do PIS/Cofins mostrou que, na ausência de uma trava explícita, a promessa de não aumentar a carga corre o risco de não ser cumprida. Isso inclusive pela incerteza de se garantir que a arrecadação será a mesma, o que leva a se preferir errar para mais do que para menos na fixação das alíquotas.

Segundo, pois muito da negociação federativa em curso sobre a reforma tributária vem sendo equacionada abrindo-se as portas para aumentar outros tributos que não aqueles incidentes sobre o consumo, que são o objeto em si da reforma. Assim, a proposta aprovada na Câmara dá espaço para se elevar impostos como o IPTU, o IPVA e o ITCMD, além de criar a possibilidade de os Estados passarem a tributar produtos primários e semielaborados.

Terceiro, pois a política fiscal que está hoje colocada se baseia em um forte aumento da carga tributária, de forma a gerar superávits primários em um contexto de expansão real do gasto público. A previsão mediana do Prisma Fiscal de agosto é que o Governo Central feche este ano com déficit primário de 1% do PIB, que cairia para 0,8% do PIB em 2024. O resultado seria uma dívida bruta de 79% do PIB ao final de 2024, que, de acordo com o Boletim Focus, seguiria subindo nos anos seguintes.

Para estabilizar a relação dívida/PIB, dados o potencial crescimento da economia e a taxa neutra de juros, seria necessário gerar um superávit primário entre 2% e 2,5% do PIB: ou seja, 3% a 3,5% do PIB a mais do que se tem hoje. E, como o modelo atual de política econômica não prevê segurar o gasto público, que tende a continuar crescendo, esse resultado só seria possível via forte aumento da carga tributária, como vem se buscando fazer de variadas maneiras.

Há, porém, dois complicadores importantes. Um, que o cenário econômico, internacional e doméstico, tende a se complicar nos próximos anos. Lá fora, a tendência é que o PIB mundial cresça menos, mas ainda assim as pressões inflacionárias sigam fortes. Isso por conta de pressões vindas da desglobalização das cadeias de produção e da substituição do petróleo por fontes mais limpas de energia. Além disso, como também aqui dentro, o aumento do endividamento público e políticas fiscais mais expansionistas vão pressionar a taxa neutra de juros, como vimos ocorrer após o abandono do teto de gastos. No Brasil, também sentiremos o fim do bônus demográfico. Tudo isso pode fazer com que o superávit primário necessário para estabilizar a razão dívida/PIB seja ainda mais alto.

Outro complicador é que o Brasil já tem uma carga tributária muito alta, como apontado pelos participantes do “talk show”. Em 2022, segundo cálculos do Tesouro Nacional, essa atingiu 33,7% do PIB, basicamente o mesmo que a média da OCDE (34,1%), um patamar já muito elevado para um país emergente como o Brasil.

Aumentos adicionais da carga tributária vão reduzir ainda mais o nosso potencial de crescimento econômico. A maior tributação vai estimular a informalidade, gerar ineficiências diversas e afastar os investimentos. Menos crescimento significa menor geração de emprego e renda e renovadas pressões por mais gasto público.

Faz todo sentido, portanto, que se discuta estabelecer um teto para a carga tributária: nas palavras do senador Braga, “para dizer não ao Estado e assim...., protegendo, portanto, o contribuinte,... impor ao Estado a necessidade de rever os seus gastos”. Ir na direção oposta é optar por um modelo que vai gerar ainda menos crescimento e nos deixar ainda mais distantes de acabar com a pobreza no país.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

A via chinesa da armadilha da dívida - Michael Bennon and Francis Fukuyama (Foreign Affairs)

O artigo trata da iniciativa chinesa do Cinturão e Rota (BRI), a nova rota da seda unindo a China a mercados na Eurásia e até mais além, mas baseada em empréstimos chineses para a construção de grandes obras de infraestrutura, mas que podem se revelar uma armadilha para países mais pobres. 

Paulo Roberto de Almeida

China’s Road to Ruin

The Real Toll of Beijing’s Belt and Road


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This year marks the tenth anniversary of Chinese President Xi Jinping’s Belt and Road Initiative, the largest and most ambitious infrastructure development project in human history. China has lent more than $1 trillion to more than 100 countries through the scheme, dwarfing Western spending in the developing world and stoking anxieties about the spread of Beijing’s power and influence. Many analysts have characterized Chinese lending through the BRI as “debt trap diplomacy” designed to give China leverage over other countries and even seize their infrastructure and resources. After Sri Lanka fell behind on payments for its troubled Hambantota port project in 2017, China obtained a 99-year lease on the property as part of a deal to renegotiate the debt. The agreement sparked concerns in Washington and other Western capitals that Beijing’s real aim was to acquire access to strategic facilities throughout the Indian Ocean, the Persian Gulf, and the Americas.

But over the last few years, a different picture of the BRI has emerged. Many Chinese-financed infrastructure projects have failed to earn the returns that analysts expected. And because the governments that negotiated these projects often agreed to backstop the loans, they have found themselves burdened with huge debt overhangs—unable to secure financing for future projects or even to service the debt they have already accrued. This is true not just of Sri Lanka but also of Argentina, Kenya, Malaysia, Montenegro, Pakistan, Tanzania, and many others. The problem for the West was less that China would acquire ports and other strategic properties in developing countries and more that these countries would become dangerously indebted—forced to turn to the International Monetary Fund (IMF) and other Western-backed international financial institutions for help repaying their Chinese loans.

In many parts of the developing world, China has come to be seen as a rapacious and unbending creditor, not so different from the Western multinational corporations and lenders that sought to collect on bad debts in decades past. Far from breaking new ground as a predatory lender, in other words, China seems to be following a path well worn by Western investors. In so doing, however, Beijing risks alienating the very countries it set out to woo with the BRI and squandering its economic influence in the developing world. It also risks exacerbating an already painful debt crisis in emerging markets that could lead to a “lost decade” of the kind many Latin American countries experienced in the 1980s

To avoid that dire outcome—and to avoid spending Western taxpayer dollars to service bad Chinese debts—the United States and other countries should push for broad-based reforms that would make it more difficult to take advantage of the IMF and other international financial institutions, imposing tougher criteria on countries seeking bailouts and demanding more transparency in lending from all their members, including China. 

HARD BARGAINS, SOFT MARKETS 

In the 1970s, the Harvard economist Raymond Vernon observed that Western investors had the upper hand when negotiating deals in the developing world, since they had the capital and know-how to build factories, roads, oil wells, and power plants that poorer countries desperately needed. As a result, they were able to strike bargains that were highly favorable to themselves, transferring much of the risk to developing countries. Once the projects had been completed, however, the balance of power shifted. The new assets could not be taken away, so developing countries had more leverage to renegotiate debt repayment or ownership terms. In some cases, contentious negotiations led to nationalizations or sovereign defaults.

Similar scenarios have played out in several BRIcountries. Major Chinese-funded projects have generated disappointing returns or failed to stimulate the kind of broad-based economic growth that policymakers had anticipated. Some projects have faced opposition from indigenous communities whose lands and livelihoods have been threatened. Others have damaged the environment or experienced setbacks because of the poor quality of Chinese construction. These problems come on top of long-standing disputes over China’s preference for using its own workers and subcontractors to build infrastructure, edging out local counterparts.

The biggest problem by far, however, is debt. In Argentina, Ethiopia, Montenegro, Pakistan, Sri Lanka, Zambia, and elsewhere, costly Chinese projects have pushed debt-to-GDP ratios to unsustainable levels and produced balance-of-payments crises. In some cases, governments had agreed to cover any revenue shortfalls, making sovereign guarantees that obligated taxpayers to foot the bill for failing projects. These so-called contingent liabilities were often hidden from citizens and other creditors, obscuring the true levels of debt for which governments were liable. In Montenegro, Sri Lanka, and Zambia, China made such deals with corrupt or authoritarian-leaning governments that then bequeathed the debt to less corrupt and more democratic governments, saddling them with responsibility for getting out of crises.

Contingent liabilities on debt to state-owned enterprises are not unique to the BRI and can plague privately financed projects, as well. What makes BRI debt crises different is that these contingent liabilities are owed to Chinese policy banks rather than to private corporations, and China is conducting its debt renegotiations bilaterally. Beijing is also clearly negotiating hard, because BRI countries are increasingly opting for bailouts from the IMF, even though they often come with tough conditions, rather than trying to negotiate further relief from Beijing. Among the countries that the IMF has intervened to support in recent years are Sri Lanka ($1.5 billion in 2016), Argentina ($57 billion in 2018), Ethiopia ($2.9 billion in 2019), Pakistan ($6 billion in 2019), Ecuador ($6.5 billion in 2020), Kenya ($2.3 billion in 2021), Suriname ($688 million in 2021), Argentina again ($44 billion in 2022), Zambia ($1.3 billion in 2022), Sri Lanka again ($2.9 billion in 2023), and Bangladesh ($3.3 billion in 2023).

Some of these countries resumed servicing their BRI debts soon after the new IMF credit facilities were in place. In early 2021, for instance, Kenya sought to negotiate a delay in interest payments for a struggling Chinese-funded railway project linking Nairobi to Kenya’s Indian Ocean port in Mombasa. After the IMF approved a $2.3 billion credit facility that April, however, Beijing began withholding payments to contractors on other Chinese-financed projects in Kenya. As a result, Kenyan subcontractors and suppliers stopped receiving payments. Later that year, Kenya announced that it would no longer seek an extension of debt relief from China and made a $761 million debt service payment for the railway project.

The stakes for Kenya and the rest of the developing world are enormous. This wave of debt crises could be far worse than previous ones, inflicting lasting economic damage on already vulnerable economies and miring their governments in protracted and costly negotiations. The problem goes beyond the simple fact that every dollar spent servicing unsustainable BRI debt is a dollar that is unavailable for economic development, social spending, or combating climate change. The recalcitrant creditor in today’s emerging market debt crises is not a hedge fund or other private creditor but rather the world’s largest bilateral lender and, in many cases, the largest trading partner of the debtor country. As private creditors become more keenly aware of the risks of lending to BRI countries, these countries will find themselves caught between squabbling creditors and unable to access the capital they need to keep their economies afloat.

HIDDEN FIGURES

Beijing had multiple objectives for the BRI. First and foremost, it sought to help Chinese companies—mostly state-owned companies but also some private ones—make money abroad, to keep China’s huge construction sector afloat, and to preserve the jobs of millions of Chinese workers. Beijing also undoubtedly had foreign policy and security goals, including gaining political influence and in some cases securing access to strategic facilities. The large number of marginal projects Beijing undertook hints at these motivations: Why else fund projects in countries with huge political risks, such as the Democratic Republic of the Congo or Venezuela?

But accusations of debt trap diplomacy are overblown. Rather than deliberately miring borrowers in debt in order to extract geopolitical concessions, Chinese lenders most likely just did poor due diligence. BRI loans are made by Chinese state-owned banks through Chinese state-owned enterprises to state-owned enterprises in borrowing countries. The contracts are negotiated directly, rather than opened to the public for bidding, so they lack one of the benefits of private financing and open procurement: a transparent market mechanism for ensuring that projects are financially viable. 

The results speak for themselves. In 2009, the government of Montenegro asked for bids on a contract to build a highway connecting its Adriatic port of Bar with Serbia. Two private contractors participated in two procurement processes, but neither was able to raise the necessary financing. As a result, Montenegro turned to the China Export-Import Bank, which did not share the market’s concerns, and now the highway is a major cause of Montenegro’s financial distress. According to a 2019 IMF estimate, the country’s debt-to-GDP ratio would have been just 59 percent had it not pursued the project. Instead, the ratio was forecast to rise to 89 percent that year. 

Not all BRI projects have underperformed. Greece’s Piraeus port project, which expanded the country’s largest harbor, has delivered the win-win outcomes Beijing promised, as have other BRIinitiatives. But many have left countries suffering under crushing debt and wary of deeper engagement with China. In some cases, the leaders and elites who negotiated the deals have benefited, but the broader populations have not.

China’s BRI does pose problems for Western countries, in other words, but the primary threat is not strategic. Rather, the BRI creates pressures that can destabilize developing countries, which in turn creates problems for international institutions such as the IMF and the European Bank for Reconstruction and Development, to which those countries turn for assistance. Over the last six decades, Western creditors have developed institutions such as the Paris Club to deal with issues regarding sovereign default, to ensure a degree of cooperation among creditors, and to manage payments crises equitably. But China has not yet agreed to join this group, and its opaque lending processes make it hard for international institutions to accurately assess how much trouble a given country is in.

CAUTION AND PRESSURE

Some analysts have argued that the BRI is not a cause of the current debt crisis in emerging markets. Countries such as Egypt and Ghana, they point out, owe more to bondholders or multilateral lenders such as the IMF and World Bank than to China and are still struggling to manage their debt burdens. But such arguments mischaracterize the problem, which is not simply bad BRI debt in the aggregate but also hidden BRI debt. According to a 2021 study in the Journal of International Economics, approximately half of China’s loans to the developing world are “hidden,” meaning that they are not included in official debt statistics. Another study published in 2022 by the American Economic Association found that such debts have resulted in a series of “hidden defaults.”

The first problem with hidden debt occurs during the buildup to a crisis, when other lenders do not know that the obligations exist and are therefore unable to accurately assess credit risk. The second problem comes during the crisis itself, when other lenders learn of the undisclosed debt and lose faith in the restructuring process. It does not take much hidden bilateral debt to cause a credit crisis, and it takes even less to shatter trust in efforts to resolve it. 

China has taken some measures to ease the strain of these debts, hidden and otherwise. It has provided its own bailouts to BRI countries, often in the form of currency swaps and other bridge loans to borrower central banks. These bailouts are accelerating, with one working paper published in March 2023 by the World Bank Group estimating that China extended more than $185 billion in such facilities between 2016 and 2021. But central bank swaps are far less transparent than traditional sovereign loans, which further complicates restructurings.

China’s preference for not disclosing lending terms and renegotiating bilaterally may help protect its economic interests in the short term, but it can also derail restructuring efforts by undermining the two foundational elements of any such process: transparency and comparability of treatment—the idea that all creditors will share the burden equitably and be treated the same.

It does not take much hidden bilateral debt to cause a credit crisis.

The IMF’s policies for lending into murky distressed debt situations have evolved over decades, growing more flexible so that the fund can lend into and “referee” debt restructurings. But although the IMF was well suited to this role when the creditors were Paris Club members and even sovereign bond hedge funds, it is not well positioned to deal with China. Moreover, the mechanisms that the IMF and Western creditorshave developed to alleviate the worsening sovereign debt crisis among BRI countries are insufficient. In 2020, the G-20 established a Common Framework intended to integrate China and other bilateral lenders into the Paris Club’s restructuring process with IMF oversight and support. But the Common Framework has not worked. Ethiopia, Ghana, and Zambia have all applied for relief through the mechanism, but negotiations have been extremely slow, and only Zambia has reached a deal with creditors. The terms of that agreement, moreover, were underwhelming for Zambia, Zambia’s non-Chinese official creditors, and, most important, for the prospects of future restructurings.

Under the deal, reached in June 2023, Zambia’s official creditor debt was revised down from $8 billion to $6.3 billion after a major BRI loan was reclassified as commercial (even though it was covered by Chinese state-backed export credit insurance). Furthermore, the agreement may only temporarily reduce Zambia’s interest payments on official debt. If the IMF concludes that Zambia’s economy has improved at the end of its program in 2026, the country’s interest on official credits will ratchet back up. That creates a terrible set of incentives for the Zambian government, whose cost of capital will increase if its creditworthiness improves and could cause friction between the IMF and China down the road. These results are not surprising: the Common Framework provides the carrot of IMF support but lacks a stick to deal with a recalcitrant creditor, especially one with China’s geopolitical leverage over borrowers. 

Another initiative aimed at easing the brewing BRI debt crisis is the IMF’s Lending Into Official Arrears program. In theory, the program should allow the IMF to continue lending to a distressed borrower even when a bilateral creditor refuses to provide relief, but it, too, has proven ineffective. In Zambia, China holds more than half of official debt, making it extremely risky for the IMF to extend additional financing. Even in other cases in which China does not hold a majority of official debt, China simply has too much economic leverage over borrowers relative to the IMF, and the fund’s staff and leadership will always err on the side of caution when attempting to resolve conflicts between member states. 

As long as the IMF continues to exercise such caution, Beijing will continue to use its leverage to pressure the fund into supporting borrowers even when it does not have complete visibility into their indebtedness to China. To prevent future debt restructurings from becoming as challenging as the ongoing ones in Ethiopia, Sri Lanka, and Zambia, the IMF will need to undertake substantial reforms, strengthening its enforcement of transparency requirements for member states and taking a much more cautious approach to lending into heavily indebted BRI borrowers. Such a course correction is unlikely to originate from within the IMF; it will have to come from the United States and other important board members.

SLOW LEARNERS AND FAST LENDERS 

Some analysts have argued that China is going through a “learning process” as a debt collector, that Chinese lending institutions are fragmented, and that the process of building understanding, trust, and organized responses to sovereign debt crises takes time and cooperation. The implication is that Western creditors should be flexible while Beijing grows into its new role—and that the IMF should keep cutting checks in the meantime. 

But patience will not solve the problem because China’s incentives (and those of any other holdout creditor) are not aligned with those of the IMF or creditors who wish to expeditiously negotiate the restructuring of debts. This is why the IMF must strictly enforce requirements that oblige member states to be transparent about their debt obligations.

Even if the Chinese lending landscape is fragmented, moreover, the IMF and the members of the Paris Club should treat the Chinese government as capable of organizing its state-owned entities and providing a state-level response in debt restructurings. Beijing appears to be capable of doing so in bilateral debt renegotiations. In 2018, for instance, Zambia announced plans to restructure its bilateral debt with China and to delay ongoing BRI projects because of debt concerns. But after meeting with China’s ambassador to Zambia, then President Edgar Lungu reversed course and said there would be no disruption of the Chinese-financed projects, suggesting that Beijing had been able to coordinate with a number of Chinese state-owned enterprises and state-owned banks to avert a blowup. If China could do so bilaterally, it should be able to do so multilaterally, as well. 

One drawback of adjusting the IMF’s approach to the BRI debt crisis is that it would slow the fund down, preventing it from responding quickly to new crises. This is clearly a tradeoff. The IMFcannot act as both an unequivocal lender of last resort and an enforcer of the norms of transparency and comparability. It must be able and willing to withhold credit assistance when its requirements are unmet. The non-Chinese taxpayers who fund the IMF should not see their money pay for bad Chinese lending decisions. 

GOOD FOR THE IMF, GOOD FOR THE WORLD

Members of the G-7 and the Paris Club have several options for addressing the BRI debt crises. First, the United States and other bilateral creditors could assist BRI borrowers in coordinating with one another. Doing so would improve transparency, enhance information sharing, and enable borrowers to negotiate with Chinese creditors as a group instead of bilaterally. China’s approach of conducting renegotiations secretly and bilaterally disadvantages BRIborrowers, as well as other creditors, including the IMF and the World Bank.

Second, the IMF should establish clear criteria that distressed BRI borrowers must meet before they can receive new credit facilities from the fund. These criteria should be agreed on by a number of IMF board members in order to insulate the fund’s staff and leadership from conflict with China, which is also an important board member of the IMF. Transparency related to BRI debts is not the only area that these criteria should address. The IMF should also set much clearer criteria regarding which BRI loans will be considered official credits, as opposed to commercial ones. China has claimed that some major BRI loans are commercial rather than official loans because they are priced at market rates, even though they come from state-owned lending institutions such as the China Development Bank. The IMF has considered these classification questions case by case. But this approach is proving unworkable, since it enables scenarios such as the Zambian one in which a sizable portion of official debt suddenly becomes commercial overnight, enabling China to seek better terms. A continued ad hoc approach by the IMF will likely lead to similar gamesmanship and conflict in future restructuring negotiations. The IMF should simply clarify which BRI lending institutions will be considered official creditors in any restructuring process.

Under some recent IMF programs, borrowers have continued to service BRI debts through their state-owned enterprises while receiving sovereign debt relief at the national level. The only way to prevent this behavior is for the IMF to require borrowers to identify and commit to including all state-owned enterprise debts with sovereign guarantees in restructuring processes. Otherwise, BRI lenders will simply pick and choose which state-owned enterprise loans they would like to include in restructurings based on whether they think they can get a better deal through restructuring or through a bilateral renegotiation on the side. 

A Chinese construction project east of Cairo, Egypt, January 2023
Amr Abdallah Dalsh / Reuters

Requiring distressed countries to meet these criteria before they get new credit facilities would make the IMF less agile and limit its ability to respond quickly to balance-of-payments crises. But it would give borrowers and the sovereign finance industry much-needed clarity and certainty on the requirements for IMF intervention. It would also insulate IMF staff and leadership from recurring conflicts with China during every debt restructuring. 

Some will no doubt frame such reforms as “anti-China.” In truth, however, they are simply the steps necessary to protect the principles of transparency and comparability in sovereign debt restructuring. Western countries must be able to stand up for key elements of the rules-based international order when they are imperiled while still cooperating with China, which is an important member of that order. 

Finally, these reforms are the only way to protect the IMF from the fallout of the BRI debt crisis. Conflicts over BRI debt will continue to impede debt-relief efforts, undermining both the economic health of indebted developing countries and the effectiveness of the IMF. Only a reformed IMFcan reverse the damage—to developing countries and to itself.


sexta-feira, 1 de setembro de 2023

O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia - Paulo Roberto de Almeida (Revista Crusoé)

Meu artigo na Crusoé desta sexta-feira 1/09/2023, mas escrito antes do encontro, que é só na semana que vem:

O Brasil de Lula 3 no G20 da Índia

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo sobre a reunião de cúpula do G20 na Índia.

Revista Crusoé (1/09/2023; link: https://oantagonista.com.br/mundo/crusoe-o-brasil-de-lula-3-no-g20-da-india/). Relação de Originais n. 4465; Relação de Publicados n. 1521. 

 

A 18ª reunião de cúpula do G20, a ser realizada em New Delhi, capital da Índia, não será propriamente uma novidade para Lula, que já participou dos primeiros encontros desse grupo desde que ele foi originalmente convocado para tratar da crise financeira de 2008, pelo próprio presidente George Bush, em Washington. O grupo deriva diretamente, embora em nível hierárquico inferior, do Financial Stability Forum, que por sua vez tinha nascido na crise financeira anterior, na segunda metade dos anos 1990. A diferença entre a natureza de um e outro grupo das economias mais relevantes do planeta está em que o antigo Forum tinha no seu certificado de nascimento uma crise, mais uma, de países em desenvolvimento, ao passo que o G20 deu seu primeiro passo, em nível de chefes de Estado, após a implosão da bolha imobiliária no mercado americano, seguida de seu impacto no sistema bancário e de seguros, se espalhando logo depois para os demais países desenvolvidos, devido aos efeitos sistêmicos dos derivativos financeiros criados a partir das hipotecas avalizadas por agências financeiras oficiais do governo americano e alegremente adquiridos por investidores da Europa e do Japão, certos de que o Triplo A atribuído a esses derivativos era para valer.

(...)

O G20 de Nova Delhi ocorre em outras condições, bem mais difíceis do que os exercícios anteriores, sob o impacto do segundo ano da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia, de certo modo uma extensão da mudança de humor já iniciada quando da invasão e anexação ilegal da península da Criméia em 2014, quando a Rússia foi expelida do então “puxadinho” do G8, uma das várias sanções econômicas introduzidas contra o agressor pelos países ocidentais. Naquela ocasião, rompendo com a tradição do Itamaraty de estrito respeito às normas do Direito Internacional e de absoluto respeito à Carta da ONU, a presidente Dilma Rousseff não tomou qualquer posição a respeito da grave violação da soberania ucraniana, a pretexto de que tal invasão era um “problema interno da Ucrânia”. Foi um primeiro exemplo do baixo acatamento, pela diplomacia presidencial, dos padrões habituais do Itamaraty de adesão a princípios consagrados da legalidade internacional, práticas mais adiante continuadas, sob diferentes pretextos, pela diplomacia de Bolsonaro e de Lula 3.

(...)

Num contexto no qual o encantamento inicial com a terceira presidência Lula já deu mostras de arrefecimento junto aos principais governantes dos países ocidentais – em princípio, exatamente por causa da violação ao Direito Internacional causada pela Rússia e pouco enfatizada pelo governo Lula –, essa presidência do G20 pode ajudar a corrigir um pouco essa má percepção de suas atuais “alianças” internacionais, ou continuar a empanar a sua imagem  junto ao Ocidente e até a liderança na própria região, onde outros líderes progressistas – como Boric do Chile, ou Petro da Colômbia – já deram mostras de maior comprometimento com uma diplomacia fundada no respeito à Carta da ONU. Esperava-se mais de um governo declaradamente a favor, assim como o próprio Itamaraty, da estrita solução pacífica das controvérsias entre Estados. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4465, 31 agosto 2023, 3 p.