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terça-feira, 3 de maio de 2011

Forum Liberdade e Democracia - Instituto Millenium (minha participacao, PRA)

O que segue é um texto que não vou ler, mas que poderia servir de base para minha exposição no fórum cuja estrutura segue logo abaixo de meu texto.

O Brasil na encruzilhada: qual modelo de país queremos?
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor (www.pralmeida.org)
Painel “O Brasil na encruzilhada: qual modelo de país queremos?”
no 2o. Fórum Democracia e Liberdade, Instituto Millenium
(São Paulo, FAAP, 3 de maio de 2011).

Começo por uma crítica puramente epistemológica: não creio que devamos, num fórum como este, recorrer a esse conceito de modelo, que remete aos tristemente famosos projetos de engenharia social de um tempo não muito distante de nós que utopistas e reformadores radicais do século passado – alguns ainda presentes neste século, mas lamentavelmente presos ao passado – pretenderam implementar em diferentes países contemporâneos, com os resultados que se conhecem.
Quero crer que os formuladores do programa recorreram a esse conceito fundamentados na ideia generosa de que podemos, sim, debater democraticamente na sociedade brasileira o tipo de país que gostaríamos de construir. Esse modelo, num sentido mais lato, e essencialmente típico-ideal, seria aquele que, como resultado de um debate quase socrático em seus métodos, de busca da verdade, e de caráter fundamentalmente pragmático – ou seja, pautado por uma análise racionalista de propostas alternativas e avaliação de seus resultados, e não movido por considerações ideológicas – permitisse chegar a uma sociedade dotada de outras características, diferentes daquelas que existem no Brasil atual.
Comecemos, portanto, por tentar definir o Brasil que não queremos, o que resulta, paradoxalmente, num retrato do Brasil atual. O que é o Brasil, concretamente, hoje, para os brasileiros do presente e, supostamente também, para aqueles que virão na geração que ainda está em formação? Vou ser cruel, mas acredito que o realismo é a melhor atitude possível em face do festival de absurdos que vejo no Brasil da atualidade.
O Brasil atual é um país caro (o que todos os que já viajaram ao exterior descobrem facilmente, mas que eu descobri hoje mesmo ao pagar a conta do hotel: 390 reais, ou mais de 200 dólares); é um país excessivamente burocratizado (algo que poderíamos, talvez, ainda jogar a culpa nos portugueses, mas que 200 anos depois, creio que eles não aceitariam); é também um país desorganizado, no plano administrativo, eticamente duvidoso (no qual, por exemplo, juízes são capazes de vender sentenças, ou mesmo quando julgam corretamente, demoram oito anos para fazê-lo); somos também tremendamente desatentos quanto à educação de massa; e temos, certamente, uma miríade de outros pequenos e grande defeitos.
Em outros termos, gostaríamos de viver num país mais barato, menos extorsivo no plano dos tributos, desburocratizado, eficiente no plano administrativo, moralmente reto, ou pelo menos pouco corrupto, e certamente com um nível de educação política, ou de educação tout court, bastante superior ao que temos hoje.
Queremos certamente ser grandes, e aparecer de forma mais enfática no plano mundial; alguns acham que conseguimos, dado que nos últimos anos nosso “PIB diplomático” tornou-se maior do que o PIB econômico, e é certamente maior do que o “PIB militar”; mas todos eles são bastante inferiores, aparentemente, ao nosso “PIB futebolístico”. Se formos considerar nossos indicadores sociais, ou de “felicidade humana”, nosso PIB de fato diminui tremendamente, colocando-nos num “estado de felicidade relativa” bem abaixo muitos outros países de renda per capita igual ou inferior à nossa. Crescemos, nos desenvolvemos, certo; mas pouco, muito pouco do ponto de vista de nossas aspirações.
Mas, não vamos insistir em torno dos nossos problemas, nossas mazelas, já que exercícios de autoflagelação são muito comuns, aqui e na Itália, por exemplo. Vamos ver o que Brasil poderia ser, e que ele ainda não é ou não consegue ser, por uma série de fatores “limitativos”, que dependem inteiramente de nós mesmos. Então fica a pergunta: o que poderíamos ter sido, ou o que podemos, ou poderemos, ser, no espaço de uma geração ou duas, se fizermos direitinho o dever de casa.

Pois bem, poderíamos começar sendo um país, não de renda média, mas de alta renda, o que parece difícil no contexto latino-americano; mas isso já foi obtido no cenário asiático, pela Coréia do Sul, por exemplo, um país duas vezes mais pobre do que o Brasil em 1960, e que tinha sido colônia japonesa de 1905 a 1945 (considerada quase como nação escrava do então expansionismo militarista nipônico). O que os coreanos fizeram que não fizemos? Bem, antes deles, os próprios japoneses já tinham mostrado o caminho: educar a população, o que me parece básico, essencial mesmo. Este foi o nosso maior erro histórico, aliás um “pecado original”, posto que Portugal continuava a exibir muitos analfabetos até bem entrado o século 20.
Calculo que nosso atraso, do ponto de vista puramente quantitativo (ou seja, nossa taxa de escolarização) equivalia, vinte anos atrás, a algo como 150 anos em relação aos países precocemente educados (Alemanha e EUA, por exemplo). Concordo que ‘fechamos’ muito dessa lacuna quantitativa; mas se formos considerar a qualidade da educação, minhas conclusões teriam de ir do ruim ao catastrófico. Infelizmente, vai demorar uma ou duas gerações para consertar, mas apenas se corrigirmos os métodos, que continuam errados, o que está longe de ser garantido atualmente. Acredito, aliás, que continuaremos patinando nesse particular. Isso é complicado, pois da boa educação depende tanto uma distribuição de renda mais equânime, como o crescimento da produtividade do trabalho, base do desenvolvimento social. Ponto negativo neste quesito, portanto.
Se a despeito disso tudo conseguirmos, ainda assim, aumentar a renda nacional (e distribuí-la, vale lembrar), teríamos ipso facto resolvido várias das necessidades básicas apontadas acima, o que envolve, mais do que dinheiro, organização (pois recursos sempre existem, no Brasil ou no exterior). Aumentar a renda implica em crescer mais rapidamente, o que já fizemos no passado (com base em investimentos nacionais e estrangeiros e em uma razoável organização estatal); não conseguimos fazer isso agora, justamente pela ausência de investimentos e pela má organização do Estado (que está exatamente na origem da falta de recursos para investimentos produtivos: o Estado gasta demais, e consigo mesmo). Outro ponto negativo, infelizmente.
Poderíamos, talvez, ter um Estado menos gastador e mais investidor. Isso depende, basicamente, das lideranças políticas e das organizações partidárias. Nesse aspecto, tenho de ser novamente pessimista, pois não acredito que consigamos ter, em prazos razoáveis, uma melhor qualidade da administração, conhecendo-se a atual composição da classe política e seus reflexos no Congresso e no Executivo (mas o Judiciário não se apresenta de modo muito melhor). Melhorar a classe política depende basicamente de educação da população, que acredito continuará rudimentar no futuro previsível (basta assistir, por exemplo, aos canais abertos de televisão).
Esse problema está associado à corrupção na máquina pública, e fora dela, posto que a sociedade procura se defender das disfuncionalidades do setor público (em matéria ‘extrativa’, por exemplo), criando um ‘universo paralelo’, qual seja, a economia informal e a cultura do ‘jeitinho’. Essas duas “peculiaridades” brasileiras tornam especialmente difícil alcançar aquele requisito da boa governança que os economistas reputam importante para fins de redução de custos de transação e para permitir uma maior taxa de crescimento. Não gostaria de ser novamente pessimista, mas tenho de consignar mais esse ponto negativo.
Finalmente, poderíamos ter feito melhor em direitos humanos e em cidadania, dois aspectos cruciais de um quadro social notoriamente lamentável no Brasil. Não vamos dourar a pílula: conseguimos fazer (quase) tudo errado, desde o início. José Bonifácio, por exemplo, foi derrotado em seu projeto constituinte de extinguir o tráfico imediatamente e a escravidão em médio prazo, substituindo-os pela imigração em massa de camponeses europeus; Joaquim Nabuco foi outro derrotado, em seu projeto de abolição imediata, e sem indenização, seguida de ampla reforma agrária e da educação dos libertos (elementar e técnica). Os reformadores educacionais dos anos 1930 não conseguiram, de fato, universalizar o ensino como seria desejável, aliás necessário, para o Brasil tornar-se uma república digna do nome; registre-se, por pertinente, que até hoje a educação padece de um excesso de pedagogas “freireanas” e de sindicalistas “isonômicos”, e de carência de administradores sensatos e racionais, buscando resultados pelo mérito, não pela ideologia. Não um, mas vários pontos negativos aqui...
Tivemos, também, outras derrotas monumentais, em outras áreas: Mauá não conseguiu mobilizar para o empreendedorismo e a meritocracia uma sociedade renitentemente escravocrata, prebendalista e cartorial; Monteiro Lobato lutou, mas falhou em implantar aqui o tipo de industrialismo fordista, que ele reputava ser a chave do sucesso americano; os empresários urbanos se acostumaram (mal) aos favores e finanças do Estado (ou seja, o seu próprio dinheiro), concordando com um dirigismo persistente que cobra o seu preço na extorsão tributária generalizada; antes deles, José Bonifácio e Joaquim Nabuco já tinha sido derrotados ao pretender libertar os escravos e criar uma sociedade mais democrática no Brasil; os atuais capitalistas do campo têm a maior dificuldade em expandir o agronegócio, num ambiente político dominado pela hostilidade ao setor, feito de invasões não reprimidas pelo Estado, que aliás, se mostra propenso a gastar os recursos da sociedade numa “reforma agrária” tão inútil quanto regressista.
Não é preciso lembrar, ademais, que construímos a inviabilidade matemática da Previdência pública, ao praticar uma generosidade com certas categorias de aposentados – todas no setor público – que é desconhecida em qualquer pais razoável. Também teimamos em satisfazer necessidades privadas – a tal de “inclusão digital”, por exemplo – por meio de programas públicos, que desviam recursos da própria sociedade, que saberia dar melhor destino ao seu dinheiro (inclusive comprando computadores e assinando provedores de internet, se eles fossem justamente mais baratos, sem a carga impositiva que o governo impõe) se ele não fosse canalizado compulsoriamente para um Estado famélico e ineficiente.
Enfim, temos vários, inúmeros problemas nacionais e, curiosamente, nenhum deles se relaciona com a exploração estrangeira e a dominação ‘imperialista’, como gostam de apregoar certos espíritos ingênuos ou mal informados. Todos eles, sem exceção, são problemas made in Brazil, e é aqui que teremos de resolvê-los, se quisermos, justamente, responder à questão colocada no título deste ensaio. Acredito que conseguiremos, no médio prazo; apenas não me perguntem o que considero médio prazo...

Brasília-São Paulo, 2-3 de Maio de 2011.

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PROGRAMAÇÃO DO 2o. FÓRUM - DEMOCRACIA & LIBERDADE
03/05/2011, das 8h30min às 19h
Centro de Convenções da FAAP – São Paulo

9h Mensagem de Boas-vindas
Roberto Civita, presidente do Conselho de Administração do Grupo Abril e conselheiro do Instituto Millenium
Luiz Alberto Machado, diretor da Faculdade de Economia da FAAP

9h30min Painel de Abertura - Democracia, liberdade & direitos humanos
Mina Ahadi, ativista iraniana e coordenadora do Comitê Internacional contra o Apedrejamento de Mulheres
Javier El-Haje, diretor geral da Human Rights Foundation
Paulo Uebel, diretor-executivo Instituto Millenium (mediador)

11h 2o. Painel - Capitalismo de Estado x liberdade
Alberto Carlos Almeida, sociólogo
Demétrio Magnoli, sociólogo
Bolívar Lamounier, cientista político
André Lahoz, jornalista (mediador)

14h 3o. Painel - Accountability, jornalismo investigativo e democracia
Eugênio Bucci, jornalista
Roberto Gazzi, editor chefe do jornal O Estado de São Paulo
Cláudio Abramo, diretor da ONG Transparencia Brasil
Marcelo Beraba, jornalista e 1o. presidente da ABRAJI
Helio Beltrão, Presidente do Instituto Mises Brasil (mediador)

16h 4o. Painel - O Brasil na encruzilhada: qual modelo de país queremos?
Alexandre Schwartsman, economista
Paulo Kramer, cientista político
Paulo Roberto de Almeida, diplomata e professor
Helio Gurovitz, jornalista (mediador)

17h30min 5o. Painel - A infantilização do cidadão brasileiro
Jorge Maranhão, presidente do instituto A Voz do Cidadão
Roberto Da Matta, antropólogo
Taís Gasparian, advogada
Ricardo Gomes, presidente do Instituto de Estudos Empresariais (mediador)

2 comentários:

Anônimo disse...

Com esse quadro realista, é que podemos dizer que o Brasil é semi-pobre porque quer. Mesmo que nossos governantes neguem categoricamente isso e apregoem o contrário.

A única solução que vejo é a formação de uma elite intelectual, com valores morais absolutamente inegociáveis para tomar espaços políticos e culturais em especial. Formação de círculos concêntricos de ensino de alto nível. Ou seja, uma estratégia gramsciana para o bem.

Gustavo.

Anônimo disse...

Gustavo,
Meio aristocrático, não acha? Isso me lembra a igreja na Idade Média.