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quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Tangos e tragedias nas eleicoes brasileiras - Paulo Roberto de Almeida

Tangos e tragédias nas eleições brasileiras:
menas, pessoal, menas...

Paulo Roberto de Almeida

Eu me pergunto o que diria o Chacrinha, se vivo fosse, das eleições brasileiras, versão 2014? Ele já morreu há muito tempo, e talvez se sentisse, como diríamos, um pouco deslocado no atual cenário político-eleitoral, em nada parecido com aqueles embates grotescos, que envolviam, em seu tempo, não apenas personagens histriônicos, inclusive alguns palhaços, como ele mesmo, mas também oportunistas baratos e políticos que não conseguiriam obter uma certidão de bons antecedentes. Nada disso acontece hoje, obviamente. Ou o que diria Sergio Porto, o saudoso Stanislaw Ponte Preta, que ficava selecionando frases magníficas de nossos personagens políticos para integrar a sua famosa enciclopédia da genialidade política, aliás até hoje, o Febeapá? Será que ele teria material para rechear um terceiro, ou quarto, volume da série?
Mas esses são observadores das antigas, inacessíveis aos mais jovens, ainda que estes também terão ouvido, ou lido, alguma referência a esses dois imortais, bem mais conhecidos, em todo caso, do que vários imortais da Academia Brasileira de Letras. Eu prefiro me reportar a um humorista que morreu mais perto de nós, e que deve ter assistido a magníficos exemplos de “criacionismo político”, o que lhe rendia farto material para também rechear suas páginas do melhor humor político: o que estaria dizendo Millôr Fernandes dos atuais embates, já não digo entre os próprios candidatos, mas mais propriamente entre aqueles que os apoiam, respectivamente?
De fato, tenho acompanhado, o mais das vezes pelo Facebook, alguns exemplos pouco memoráveis, e francamente patéticos, de lutas ferozes, enfrentamentos rudes e batalhas verbais x-rated, entre os defensores de uma e outra candidatura. Não que esses embates na internet possam abalar os mercados – como certas pesquisas eleitorais, cada vez que a candidata sobe um pouco nas intenções de voto – mas eles podem abalar amizades, sepultar longas convivências, destruir possibilidades de cooperação futura, até inviabilizar aquele grande projeto acadêmico. Ainda bem que tudo isso se dá no conforto do lar ou ao abrigo do escritório, não é mesmo? Do contrário poderia ocorrer até o que um ministro do Supremo, aliás presidente do TSE – e antigo advogado dos companheiros, lembram-se? –, chamou de “risca-faca”. Eu não entendo bem o que seja isso, mas deve ser algo terrível, até parecido com o que anda fazendo o Estado Islâmico. Dizem as más línguas que esse ente fabuloso da nova ordem mundial até pensou em abrir uma filial por aqui, e estava buscando oportunidades de diálogo. Se vocês souberem de alguma possibilidade nesse terreno, favor avisar o próprio (eles já estão na internet, e devem ter até Facebook, ou pelo menos Twitter).
Bem, mas não era isso que eu queria dizer. Eu apenas queria registrar que tenho ficado chocado com o que tenho lido e visto na internet, nesses embates entre gregos e goianos. É propriamente aterrador, como diria alguém, constatar que antigas amizades, e relações respeitosas entre colegas acadêmicos, podem estar se desfazendo de modo absolutamente inútil, a partir desses enfrentamentos eleitorais pré-segundo turno. Então, para restabelecer a calma na nossa gafieira, resolvi desfazer alguns mitos que têm aterrorizados os gregos e os goianos, cada tribo acusando a outra de projetarem as piores abominações em caso de vitória. Vamos a elas.

Mito: Se o PT continuar no governo vai fazer o Brasil virar comunista, ou, pelo menos, bolivariano.
Ilusão. Mesmo que quisessem – e muitos deles têm, inquestionavelmente (ops, saiu certa a palavra), o DNA do totalitarismo – os companheiros não conseguiriam implantar o comunismo no Brasil, sequer o socialismo light. Os companheiros podem ser ignorantes em matéria de história, de economia, de administração, mas eles não são estúpidos. Eles sabem que essa coisa de socialismo é para trouxas, como alguns colegas da região, especialmente os bolivarianos. Por que é que eles vão afogar os capitalistas que os mantêm no bem-bom da vida, podendo extrair tranquilamente recursos legais e menos legais, sem precisar tratar com toda aquela parafernália de planejamento estatal, controles de preços, Nomenklatura oficial, essas coisas tão démodées, à la Stalin, ou de caudilhos fascistas? Por que não continuar com esse capitalismo amestrado, todos esses banqueiros domados, esse conforto que é poder desfrutar de certas benesses, sem se chatear com aquelas bobagens cubanas e com as loucuras bolivarianas?
Minha gente: os companheiros só querem um capitalismo de face humana, entenderam?; um para o qual eles mesmos desenham a face, sorridente, generoso com os pobres (desde que os pobres continuem votando para eles), inclusivo, enfim, essas coisas que qualquer país socialdemocrata tem. A única coisa da qual eles não gostam mesmo é da tal de alternância; isso os deixa muito incomodados. Ah, sim, também tem outra coisa: eles não gostam dessas críticas da “grande mídia”; por isso eles vêm tentando, com muito denodo, democratizá-la, entenderam? Para isso, basta mandar a Receita Federal examinar os livros contábeis desses valentes do Partido da Imprensa Golpista, que ela, a RF, descobre rapidamente irregularidades em algumas das 3.500 normas da própria RF; por aí eles conseguem enquadrar esses recalcitrantes.

Mito: Se a oposição ganhar, o país vai retroceder 15 anos, e ficar entregue à direita mais reacionária, aos tucanos neoliberais, que vão novamente submeter o Brasil aos ditames de Wall Street, enquadrá-lo nas regras do Consenso de Washington, e submetê-lo às políticas recessivas do FMI.
Nem por sonho. Como é que um país, que nunca foi liberal em toda a sua história, vai virar neoliberal, assim de uma hora para a outra, sem sequer dar tempo de redecorar a casa para receber os donos da finança e os mestres do império? Como diria Mário de Andrade, lá pelos anos 1920, “progredir progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade...”. Pois é, não dá para retroceder: todas as amarras congressuais, sociais, espirituais e filosóficas, fazem do Brasil, inquestionavelmente (ah, saiu certo outra vez), um país socialdemocrata, e condenado a sê-lo. Tudo indica que não tem marcha atrás. As promessas distributivistas vão ter de ser cumpridas, e ainda não nasceu o político que vai reduzir ou acabar com programas sociais: eles só vão aumentar, e com eles a dependência de um número crescente de brasileiros da ajuda estatal. Este seria o modelo de sociedade que perseguem tucanos neoliberais e petistas distributivistas? Assim parece...
O único problema disso tudo é que o Brasil escolheu distribuir a riqueza muito antes de ficar rico, e aí corre o risco de estagnar na mediocridade do crescimento pelas próximas duas gerações, pelo menos. Como é que pode, um país que tem 16% do PIB de poupança doméstica, que investe menos de 20% do PIB (contando com uns trocados do exterior), crescer mais de 3% ao ano? Não pode. Assim, só dá para ter crescimento da renda per capita em torno de 1 a 2% ao ano, entenderam? Isso significa que a renda individual só vai dobrar para os seus netos, contentes com isso? Ou seja, vamos continuar alegremente nesse caminho socialdemocrata, orgulhosos de sê-lo, e nos contentar em exportar minério para a China. Está bem assim, ou os companheiros tem alguma solução maravilhosa que os tucanos neoliberais ainda não descobriram?
E essa coisa de alinhar o Brasil com o império? Bobagem companheira, que só os estudantes da UNE compartilham, embora alguns grandalhões continuem a repetir esse tipo de alegação maldosa, inclusive alguns diplomatas experientes. A obsessão antiamericana é uma das doenças infantis que ainda ficaram dos velhos tempos de anti-imperialismo doentio do partido burguês que hoje é o dos companheiros. Só quem acredita nisso é o Moniz Bandeira e o Samuel Pinheiro Guimarães, seriamente, eu quero dizer; o resto do pessoal continua a repetir essa bobagem para não ficar mal com os estudantes da UNE, entenderam?

Mito: Se os companheiros conseguirem vencer mais essa, eles vão lotar os órgãos estatais de gentinha da esquerda, essas ratazanas que querem expropriar fazendas, colocar um imposto contra os ricos e esquerdizar de vez as nossas instituições.
Nem chance. Os companheiros vão, sim, dar alguns empregos a essa arraia miúda do PCdoB e de outros partidecos da esquerda e até para algumas seitas alucinadas: para isso existe o Incra, o MDA, e algumas agências públicas. Mas os cargos realmente importantes vão para esses estupendos representantes da esquerda tupiniquim como podem ser o Sarney, o Collor, o Maluf, o Barbalho, o Garotinho, e até para alguns capitalistas amigos, como o Eike Batista, que precisa urgentemente de uma Bolsa Família só para ele (completa, ou seja, a dos 45 milhões de beneficiários).
Imposto contra os ricos? Mas justo agora que muitos deles fizeram o seu primeiro milhão? Não se brinca com essas coisas: imposto é só para quem não pode escapar, assalariados em geral, classe média em particular, e empresários que não puderem se entender com o Tesoureiro do partido, o shadow-Finance minister...
Esquerdizar as instituições? Não é bem isso: basta aparelhá-las com gente de confiança e o trabalho está feito. Aliás, ninguém mais se lembra do decreto bolivariano dos sovietes petistas?; aposto como vocês esqueceram. Basta subsidiar generosamente todas essas ONGGs, e a coisa está feita. O Brasil pode viver em paz com 15% de comissão (que parece ser a média na China; mais do que isso, a coisa complica).

Mito: Os tucanos, se voltarem, vão acabar com o Bolsa Família, reduzir o salário mínimo e provocar desemprego.
Só se eles fossem doidos. O que os tucanos querem fazer é administrar o BF em bases estatais, e não como curral eleitoral (mas os companheiros não acreditam nisso), fazer com que os aumentos do salário mínimo acompanhem, no mínimo (com perdão da redundância) o crescimento da produtividade, e atrair investimentos estrangeiros e estimular os nacionais para criar empregos basicamente no setor privado, em lugar de ficar aumentando o funcionalismo público como os companheiros gostam de fazer (se possível só com companheiros, que pagam o dízimo ao partido, e ainda contribuem com 10 a 30% do DAS quem tem). Os companheiros podem até ter boas intenções em direção de todas essas categorias – dependentes estruturais, classe operária e funcionários públicos, de modo geral – mas em matéria de economia eles são um pouco como esses keynesianos de botequim que pululam na UniCamp, cheios de ideias brilhantes, nenhuma delas exequível, já que acabam caindo no desastre da “nova matriz econômica” ou de algum “desenvolvimentismo” nouvelle manière.
Os tucanos são um pouco mais sofisticados, já que aderindo, em sua maior parte, à nova síntese keynesiana, que é o mainstream com pitadas de anticíclico, entenderam? Daí que eles vão ensinar aos companheiros como é que se estabiliza a economia, se reduz a inflação, e integra o Brasil aos circuitos produtivos internacionais. Eles não cultivam certas bobagens protecionistas, pois sabem que stalinismo industrial não funciona: o jeito é se lançar ao mar, e navegar sempre para a frente, na globalização, que os companheiros sempre acusam de perversa e assimétrica. Enfim, com os tucanos pelo menos não somos obrigados a ouvir aquele manancial de bobagens do Fórum Social Mundial, que os companheiros acompanhavam com verdadeiros orgasmos muito sociais (e ecológicos, claro). Enfim, vai diminuir o Febeapá 2.0.

Em conclusão, não muda muito o panorama das políticas sociais e da confusão congressual de sempre, embora o linguajar possa melhorar sensivelmente. Uma coisa é certa: depois de 12 anos de Nunca Antes, vamos respirar um pouco com coisas mais sensatas e menos grandiloquentes. Como vai ser bom descobrir que o Brasil não nasceu ontem, e poder dizer ao pessoal: olha, essa coisa de abraçar ditador não é comigo, ok? Só isso, já nos tira um peso enorme da consciência, saber que a defesa da soberania nacional não é contraditória com a preservação da dignidade na defesa de certos valores, que aliás estão inscritos em nossa carta constitucional. Por mais esquizofrênica que ela seja no plano econômico, ela não faz feio no plano de certos princípios e fundamentos, soberbamente ignorados ao longo dos últimos anos.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 23 de outubro de 2014.

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