Faz todo sentido...
Nos Estados Unidos, corretoras contratam jogadores de pôquer
Gustavo Poloni
iG São Paulo, 05/07/2010
Eles não estudaram economia e não têm experiência no mercado financeiro. Mas a habilidade no pôquer os levou a Wall Street
Os funcionários recém-contratados pela Susquehanna International Group recebem dois livros durante a semana de treinamento da empresa. Um deles é A Teoria do Pôquer, no qual o jogador profissional David Sklansky ensina os principais conceitos do mundo das apostas. O outro é Pôquer Hold’em. Publicado em 1976 pelo mesmo autor, é até hoje considerado um dos mais importantes livros para os iniciantes do Texas Hold’em, a modalidade mais popular do jogo. Engana-se quem pensa que a Susquehanna está contratando croupiers, os homens e mulheres que distribuem cartas e controlam as apostas, para trabalhar nas mesas de pôquer em cassinos em Las Vegas, nos Estados Unidos, ou Macau, na China. O treinamento faz parte do processo de formação de novos funcionários da corretora para trabalhar em Wall Street. “Ensinamos as pessoas a tomar decisões em meio a incertezas”, disse Patrick McCauley, responsável pelo treinamento da Susquehanna, ao jornal americano Los Angeles Times. “É ciência pura, não se trata do estereótipo de ser bom no blefe”.
As novas corretoras de Wall Street estão contratando jogadores de pôquer: pensamento rápido e trabalho sob pressão
A Susquehanna não é a única empresa a dar importância para o pôquer na hora de aumentar seus quadros. Ela faz parte de uma nova linhagem de corretoras que está transformando o mercado financeiro nos Estados Unidos ao ganhar muito dinheiro com decisões tomadas em frações de segundos. No começo do ano passado, dois sócios da Toro Trading chamaram o ex-jogador profissional Chris Fargis para uma entrevista. Ao final do bate-papo, um deles perguntou: você se importa se jogarmos algumas mãos de pôquer? Poucos dias depois, Fargis recebeu uma proposta de emprego. Sem diploma em economia ou experiência no mercado financeiro, ganhou a vaga por causa das suas habilidades adquiridas em três anos de pôquer online. Em seu blog, Fargis escreveu que parou de reclamar que estava cansado do jogo e arrumou um emprego em Wall Street. “Se a pessoa não tem interesse em pôquer acende uma luz amarela”, afirmou Danon Robinson, um dos sócios da Toro Trading, ao site Business Insider. “É como trabalhar no mercado financeiro e não ler o Wall Street Journal”.
De olho nessa nova tendência, candidatos a vagas em Wall Street passaram a incluir em seus currículos seus feitos no pôquer. Na internet, é possível encontrar fóruns que discutem a melhor forma de tocar no assunto sem parecer viciado em jogos. Uma delas: “construí e gerenciei uma conta de seis dígitos a partir de um investimento de US$ 500”. Mas é preciso cuidado para incluir a informação em seu currículo. “É preciso ser muito bom, ter ganhado algum torneio ou muito dinheiro online”, disse ao Aaron Brown, jogador de pôquer e autor do livro The Poker Face of Wall Street, sobre a relação entre o jogo de cartas e o mercado financeiro. “Para quem joga pôquer com amigos, é melhor deixar a informação de fora”. Brown sabe do que está falando. Em 35 anos de carreira, acumulou US$ 5 milhões em prêmios e hoje é professor de finanças e executivo de um hedge fund, fundo que investem em papéis de grande risco. Outra dica importante: olhar qual é o perfil do contratante. Instituições mais conservadoras, como o JP Morgan, não vêem o pôquer com bons olhos.
Raciocínio rápido
Essa não é a primeira vez que as habilidades no pôquer são valorizadas por empresas de Wall Street. Na década de 80, quando o mundo ainda não conhecia a internet e as partidas eram jogadas em clubes fechados por homens fumando charutos, os primeiros jogadores de pôquer foram contratados para trabalhar no mercado financeiro. As empresas estavam atrás de algumas habilidades como pensamento rápido, capacidade de tomar decisões e assumir riscos sob pressão e, principalmente, a capacidade de conversar socialmente sem revelar informações confidenciais. Naquela época, os jogadores de pôquer eram recrutados por bancos de investimento. “As pessoas eram mais livres, agiam mais naturalmente e se divertiam muito mais”, disse Brown. “Mas elas também procuravam outros tipos de vícios e usavam muitas drogas”. A tendência deu uma esfriada nos anos 90, mas ganharam força novamente com a popularização dos jogos de pôquer online nos últimos dez anos. Com uma diferença: quem está de olho nos jogadores são as corretoras interessadas em comprar e vender ações em frações de segundos.
A primeira aposta online aconteceu em 1998, no site Planet Poker. De lá para cá, Os sites se transformaram em celeiros de talentos para as corretoras americanas. No ano passado, 6,8 milhões de americanos jogaram pelo menos uma mão na internet apostando dinheiro. De acordo com o PokerAnalytics.com, instituto que faz pesquisas sobre o jogo, isso representa um aumento de 29% em relação a 2009 e quase três vezes mais do que há cinco anos. Hoje, o maior e mais conhecido deles é o PokerStars.com. A qualquer hora do dia ou da noite o jogador vai encontrar pelo menos 300 mil pessoas fazendo apostas em mesas virtuais. Em fevereiro deste ano, o PokerStars.com completou a marca de 40 bilhões de mãos jogadas. Ao todo, o site oferece mais de 14 modalidades de pôquer e seu principal torneio, o Sunday Million (Domingo Milionário, em tradução livre), distribui toda semana US$ 1,5 milhão em prêmios. Além de Fargis, que foi contratado há pouco mais de um ano pela Toro Trading, o americano Bill Chen, que ganhou mais de US$ 700 mil em prêmios, foi contratado para ser analista da Susquehanna.
Existem muitas semelhanças entre o operador do mercado financeiro e o jogador profissional de pôquer online. Ambos trabalham atrás de uma série de telas de computadores (negócios em andamento para o operador e mãos de pôquer para o jogador) e precisam encontrar uma forma de melhorar suas posições. Mais importante, eles precisam ter a capacidade de se recuperar rapidamente de uma grande perda. Essa característica é a mais procurada durante o processo de seleção da corretora Group One Trading. Na entrevista, a empresa quer saber quanto tempo você levou para jogar novamente depois de uma grande perda. A resposta esperada? “Voltei a jogar no dia seguinte, perder faz parte do jogo”. Se a pessoa disser que levou dias para se recuperar, perde pontos. “Outro problema é quando a pessoa nunca assumiu riscos ou assumiu e perdeu tudo”, afirmou Brown. “Assim como no pôquer, o mercado financeiro vive de riscos”. Com uma diferença: no mundo corporativo, a aposta é feita sempre na casa de milhões de dólares.
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