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sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Contas Nacionais: de volta a uma pequena equacao enganosa
As importações e o PIB: o que se vê e o que não se vê [*]
João Luiz Mauad
Ordem Livre, 12 de Agosto de 2010
Foi anunciada, há duas semanas, a primeira estimativa do PIB norte-americano para o segundo trimestre do ano em curso, indicando uma alta de 2,4% (anualizada) em relação ao período imediatamente anterior. O número veio mais ou menos dentro do esperado pelo mercado, e o que chamou atenção mesmo foram algumas análises e comentários dele decorrentes, vindos, inclusive, de gente bem pensante e informada.
A jornalista de economia de O Globo, Mirian Leitão, por exemplo, estampou em seu blog o seguinte comentário:
Setor externo puxa desaceleração da economia americana
A economia americana desacelerou no segundo trimestre. A redução do ritmo foi impulsionada pelo setor externo, em decorrência da forte aceleração das importações. Entre abril e junho, o PIB (Produto Interno Bruto) teve alta de 2,4% em relação aos primeiros três meses do ano, quando a economia havia crescido 3,7%. O número ainda pode ser revisado, mas veio abaixo das expectativas (2,6%).
Na mesma linha, o jornal Folha de São Paulo publicou a notícia, em sua página na internet, nos seguintes termos:
Importação tem maior alta em 26 anos e desacelera expansão dos EUA no 2º tri
O crescimento no trimestre passado foi contido por um aumento de 2,8% nas importações, que ofuscou a elevação de 10,3% nas exportações. Isso gerou um déficit comercial que tirou 2,78 pontos percentuais do PIB, a maior subtração desde o terceiro trimestre de 1982.
Já o site de economia do UOL publicou a seguinte matéria, quase nos mesmos termos:
Importações desaceleram expansão dos EUA no 2o tri
A expansão do segundo trimestre foi contida por um salto de 28,8 por cento das importações, que ofuscou o avanço de 10,3 por cento das exportações. Isso gerou um déficit comercial que tirou 2,78 pontos percentuais do PIB, a maior subtração desde o terceiro trimestre de 1982.
Outros veículos seguiram a mesma linha.
Qualquer pessoa menos informada, que se depare com tais notícias, sairá com a impressão de que, quanto mais um país importa, menor será o seu PIB. Importar, portanto, seria algo análogo a destruir riqueza. Se acreditarmos no que dizem os analistas, sairemos certos de que, ao comprarmos um produto importado, estaremos contribuindo para a ruína de nosso país.
O fulcro desta falácia econômica, disseminada, muitas vezes até involuntariamente, está na famigerada identidade contábil abaixo, utilizada, mundo afora, para o cálculo do PIB:
PIB = C + I + G + X – M
O problema não está na fórmula em si. Como método de aferição do Produto Interno Bruto, ela é largamente aceita. O volume do PIB é equivalente ao somatório do consumo das famílias e empresas (C), dos investimentos (I), dos gastos do governo (G) e do saldo de comércio com o estrangeiro (X-M).
A confusão é provocada exatamente pelo sinal de subtração antes das importações (M), o que induz a pensar que elas diminuem o valor do PIB. Aquele sinal (-), no entanto, está ali justamente para fazer com que as importações tenham peso neutro no cálculo do Produto INTERNO Bruto, afinal elas já estão inseridas (com sinal positivo) tanto em C (consumo), quanto em I (investimento) ou X (exportações), e até mesmo em G (gastos públicos).
Suponha que eu resolva utilizar minhas economias e adquira R$ 100.000,00 em bicicletas, com objetivo de revenda no mercado interno. No final do negócio, vendi todas as bicicletas por R$ 120.000,00, obtendo um lucro de 20% sobre o investimento. No cálculo do PIB, estes R$ 120.000,00 farão parte de “C” – Consumo das famílias –, embora os produtos consumidos não tenham sido fabricados dentro do país. Para corrigir esta distorção, já que o PIB deve espelhar somente a riqueza gerada domesticamente, o volume de importações aparece com sinal negativo na fórmula de cálculo.
Fica claro, portanto, que as importações não reduzem o valor do PIB. Pelo contrário, ao gerar lucro, criam riqueza – no exemplo em tela, estamos falando de R$ 20.000,00. Mas alguém poderia indagar que, se eu não houvesse importado as bicicletas, elas teriam sido produzidas internamente, aumentando o valor do PIB em R$ 200.000,00. Certo? Errado!
Se eu produzo uma mercadoria a um custo X e vendo pelo mesmo valor X, o incremento do PIB é nulo. O que gera novas riquezas e aumenta o PIB é o valor adicionado. Para adquirir as bicicletas, seja no exterior ou no mercado interno, eu (comerciante) precisarei mover recursos de algum lugar. Se eu compro (ou produzo) e vendo as mercadorias pelo mesmo valor, apenas transfiro recursos de uma variável para outra, sem que haja incremento algum. Assim, eu posso “destruir” riqueza fabricando bicicletas no mercado interno a R$ 130.000,00 e vendendo-as a R$ 120.000,00, bem como, de modo inverso, criar riqueza comprando bicicletas a R$ 100.000,00 no exterior e vendendo-as a R$ 120.000,00 no mercado interno.
A coisa fica ainda mais perigosa quando alguns "espertinhos", geralmente keynesianos, cismam de utilizar a mesma fórmula como ferramenta teórica para demonstrar supostos benefícios econômicos do aumento dos gastos públicos. Não é raro, por exemplo, encontrar economistas defendendo o aumento dos empregos públicos ou das transferências de renda como formas eficientes de fomentar (eles adoram esta palavra) o crescimento do país.
A falha dessa “teoria” está no fato de que quaisquer aumentos em G decorrem necessariamente de reduções equivalentes nas demais variáveis, principalmente C e I – de onde provêm, inevitavelmente, os recursos dos impostos e dos empréstimos que o governo toma da sociedade. Portanto, os gastos dos governos são recursos que deixaram de ser utilizados pelos consumidores, investidores e produtores. Há apenas uma redistribuição forçada desses recursos, cujo resultado é a alocação ineficiente dos mesmos.
Os keynesianos, de forma geral, acham que seus modelos matemáticos e gráficos possuem vida própria, independente das ações e vicissitudes dos agentes econômicos (seres humanos), os quais, no fim das contas, são a força motriz que dá direção e intensidade às variáveis econômicas. Também se recusam a admitir o princípio da escassez e o conseqüente custo de oportunidade de qualquer ação econômica. É lamentável que esse pensamento encontre-se tão disseminado entre nós.
[*] Apud Bastiat.
5 comentários:
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.
Perfeita colocação desta aula de economics. De fato, os valores das importações devem ser deduzidas nos outros indicadores da fórmula proposta. No meio acadêmico não somos incitados a criticar algumas "teorias", quiçá alguns mal sabem manipular a fórmula em sí.
ResponderExcluirBê A Bá
ResponderExcluirBom artigo. Duas ponderações.
Primeiro: Em relação às importações, isso é básico mesmo, ABC de economia - Economics 101. Tomando o livro do professor Marco Antonio Sandoval de Vasconcellos, Economia Micro e Macro, editora Atlas, quarta edição, lê-se na página 215:
"Deduzem-se, entretanto, as importações, devido ao fato de que elas estão embutidas nas demais despesas agregadas (C,I,G,X) e pela dificuldade prática de calcular o componente importado para cada um desses agregados. Por isso, corrige-se a fórmula, deduzindo-se as importações pelo seu total global."
Segundo: aumentos de G não significam necessariamente reduções equivalentes nas demais variáveis. O governo pode aumentar gastos sem ter respaldo em tributos. Por exemplo, o governo pode incorrer em dívidas para financiar suas despesas.
A dívida, José Marcos, não é uma permissão para gastar à vontade. Ainda que ela possa não ser contabilizada no mesmo ano, e pode não significar, imediatamente, uma redução nos elementos do consumo ou do investimento privado, ela NECESSARIAMENTE terá esse efeito, seis meses ou um ano depois pelo serviço que ela demanda, e no seu prazo contratual quanto à amortização do principal.
ResponderExcluirPortanto, ELA SEMPRE significará redução de Consumo e Investimento na economia normal, pois o Governo não produz absolutamente nada, a não ser, como você pode facilmente deduzir, déficit e dívida pública, ou seja, ele sempre avança sobre os outros termos da equação.
Não existem milagres em economia.
E NÃO EXISTE HIPOTESE de que ele não recorrerá a tributos para financiar gastos maiores, isso é matematicamente impossível. Se ele não o fizer por meio de impostos diretos, ou indiretos, o fará por meio da inflação, que é também um imposto, aliás dos mais injustos com os mais pobres.
Acho que isso deve ficar claro.
Paulo Roberto de Almeida
EQUAÇÃO ENGANOSA?
ResponderExcluirTambém não custa lembrar que as empresas estatais que produzem e oferecem bens e serviços cobrando uma tarifa ou um preço são tratadas na equação como... empresas do setor privado !!!
Mas, isso é evidente pela propria natureza do agente econômico: são empresas, produzindo bens ou serviços DE MERCADO, não importa a propriedade ou o titular. Não são serviços públicos e sim bens comercializáveis.
ResponderExcluirNão se trata de ser do setor privado ou públic, se trata de SEREM EMPRESAS, apenas isso.
Paulo Roberto de Almeida