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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Um artigo a lamentar: maniqueismo exemplar sobre a diplomacia brasileira

Creio que dificilmente encontrariamos um artigo tão servil, tão enviesado, tão voluntariamente subordinado à atual política externa quanto este que escreve Ricardo Seitenfus a propósito da diplomacia lulista.
Acredito que mesmo os defensores dessa diplomacia teriam dificuldades em ser tão simplisticamente simplistas, se me permitem a redundância, tão sabujamente condescendentes com determinadas posições, tão coniventes no erro e cegos para determinadas realidades da política internacional.
Abro espaço para a leitura do artigo, e volto mais abaixo para comentar.
Paulo Roberto de Almeida

O olhar do outro
Ricardo Seitenfus*
Correio Braziliense, 1 Outubro 2010

A intensa, reformista e ecumênica política exterior brasileira dos últimos oito anos constitui a principal contribuição do governo Lula aos debates sobre os rumos do Brasil. No início, o mundo mirou com complacência a movimentação do país no cenário internacional; depois, com curiosidade; finalmente deitou um olhar de admiração e esperança.

A experiência atual não é fogo de palha como o que ardeu, durante escassos meses, quando da denominada “política externa independente” do início da década de 60 do século passado.

O anúncio dos princípios que orientariam a atuação externa foi seguido de sua aplicação e operacionalização. Muitos são os exemplos a transferir do campo das ideias para o cotidiano: 1) foi aplicado o princípio da reciprocidade para exigir dos estrangeiros que desejassem ingressar no Brasil o mesmo exigido dos brasileiros quando viajassem ao exterior; 2) a democratização do acesso à carreira diplomática; 3) a firme posição de não aceitar a continuidade da liberalização seletiva do comércio internacional, preconizada pelos Países industrializados. Ou seja, somente participaríamos dos esforços da OMC se, finalmente, houvesse diminuição das medidas protetoras dos mercados consumidores dos nossos produtos. Nasce, nessas circunstâncias, o Grupo dos 20 (G-20), que revoluciona a dinâmica e a metodologia das negociações comerciais internacionais; 4) a criação de instrumentos de cooperação com países até então negligenciados.

Esses objetivos foram buscados por obsessiva busca de diálogo e de negociação sem discriminações, vendo-se o mundo como ele é com a esperança de que um dia ele possa transformar-se no que gostaríamos que viesse a ser.

Ao final do governo Lula, o mundo volta a interrogar-se sobre a sustentabilidade dessa inovadora política externa. Se tratou simplesmente de um experimento de autonomia ou se teria conseguido ela enraizar-se e hoje ser uma política de Estado?

Eventual vitória da candidata da situação poderia ser interpretada como uma afirmação do que foi feito: teríamos mais do mesmo. Todavia, a partir de 1º de janeiro 2011, a situação será muito diferente, comparada a 2002. Sem seu símbolo e principal inspirador, o novo governo deverá encontrar um caminho próprio.

Além disso, enfrentará obstáculos não transpostos: as hesitações na afirmação do Mercosul como verdadeira união aduaneira e o compromisso de transformá-lo em mercado comum; a inadiável necessidade de cooperação judicial e policial transfronteiriça no combate ao narcotráfico; a reforma das instituições internacionais, especialmente do Conselho de Segurança das Nações Unidas; a definição de uma estratégia a médio prazo que possibilite ao Haiti recuperar sua soberania, ser reconstruído social e economicamente e que as forças militares brasileiras possam ser retiradas sem colocar em risco a estabilidade política daquele país.

Caso a oposição vença as próximas eleições, poderíamos afirmar que o Norte voltaria a ser o nosso norte. Retornaríamos a uma política externa duplamente reacionária, no sentido, por um lado, de somente reagir aos acontecimentos internacionais e, por outro, de voltar a ser mais um freio do que um acelerador das indispensáveis mudanças nas relações internacionais.

Esse o panorama que estará sob o olhar estrangeiro no próximo domingo. Independentemente da vencedora ou do vencedor, há uma certeza: o Brasil tornou-se um país previsível, no qual a disputa eleitoral desempenha unicamente o papel que é o seu nas democracias modernas e consolidadas. Não é mérito menor termos alcançado a estabilidade política, o crescimento econômico e uma melhor distribuição da riqueza, sem sermos obrigados a vender nossa alma.

*Representante especial do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti

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Volto para comentar [ Paulo Roberto de Almeida ]:

Vou deixar todos os adjetivos de lado, pois isso faz parte do estilo do redator, e me parece puramente subjetivo em seu servilismo beato.
Concentro-me nos dados de substância:

1) "foi aplicado o princípio da reciprocidade para exigir dos estrangeiros que desejassem ingressar no Brasil o mesmo exigido dos brasileiros quando viajassem ao exterior";
PRA: Isso é falacioso, para não dizer mentiroso; o que foi aplicado foi o fichamento discriminatório de americanos, sem qualquer base legal, sequer administrativa, como medida retaliatória a lei americana, aprovada pelo Congresso (Patriot Act) que, fundamentando-se no perigo terrorista, passou a exigir a identificação, preventiva e nos pontos de entrada, de todo e qualquer cidadão estrangeiro; tratava-se, portanto de medida erga omnes, ou seja, aplicada a todos, e não aos brasileiros; foram dispensados de determinados requisitos de solicitação de visto de ingresso nos EUA 27 países com os quais os EUA possuem acordos a esse respeito, aplicando-se aqui, portanto, e apenas aqui, a reciprocidade. A medida brasileira não tinha qualquer amparo legal, foi determinada por um juiz mal informado, e o princípio da reciprocidade não foi sequer entendido pelo juiz; o Executivo brasileiro aproveitou-se da oportunidade para fazer demagogia e praticar machismo diplomático.

2) "a democratização do acesso à carreira diplomática";
PRA: Tolice: o acesso continua regulado por concurso público, aberto a todos os que satisfazem os requisitos de entrada, em procedimentos impessoais (ou seja, não identificados), valendo apenas o mérito individual; isso é democracia. O que o autor quer referir-se é que, praticando políticas racialistas, o governo passou a conceder bolsas de estudo a candidatos afro-descendente, e apenas a eles, discriminando portanto contra brancos pobres, que não tem acesso ao benefício. Isso não é democratização, isso é criação de um privilégio baseado num critério racial, algo que alguns poderiam chamar de tratamento nazista.
Pode ser que o autor queira referir-se também à eliminação temporária do critério eliminatório do exame de inglês, que tornou-se simplesmente classificatório durante certo tempo. Se isso é democratização então deveríamos conceder em que reduzir critérios de excelência -- quem sabe para Português também? -- se torna algo democrático, nivelando por baixo os candidatos.

3) "a firme posição de não aceitar a continuidade da liberalização seletiva do comércio internacional, preconizada pelos Países industrializados. Ou seja, somente participaríamos dos esforços da OMC se, finalmente, houvesse diminuição das medidas protetoras dos mercados consumidores dos nossos produtos. Nasce, nessas circunstâncias, o Grupo dos 20 (G-20), que revoluciona a dinâmica e a metodologia das negociações comerciais internacionais";
PRA: O autor padece de falta de lógica: o Brasil, o G20 e os países em desenvolvimento também praticam a "liberalização seletiva". Ou seja, vale só para nós, que somos autorizados a ser seletivos, não para os outros? Onde está a revolução? O autor deveria aprender um pouco de lógica elementar.
4) "a criação de instrumentos de cooperação com países até então negligenciados";
PRA: leitura deformada da diplomacia anterior; nunca os países objeto de "parcerias estratégicas" foram negligenciados pelo Brasil, apenas não foram criados grupos específicos porque não se julgou que houvesse uma agenda suficientemente concordante. Qualquer país está autorizado a encontrar seus pontos de contato com outros e formar grupos (exportadores de bananas, por exemplo). Cabe discutir o sentido desses grupos e examinar seus resultados efetivos. Se é para fazer cooperação internacional, as possibilidades são vastíssimas, geralmente com base em critérios pragmáticos, sem qualquer viés ideológico, e sim para o melhor aproveitamento das possibilidades existentes.
5) "obsessiva busca de diálogo e de negociação sem discriminações";
PRA: O obsessiva pode ficar, pois o que houve a respeito foi a implosão da Alca, esta sim uma busca obsessiva e, portanto, discriminatória; sem defender a Alca, pode-se dizer que o resultado foi ficar sem absolutamente qualquer acordo significativo, inclusive com a UE, já que a indução aqui era justamente o acordo da Alca; sem isso, os europeus relaxaram; ilusões de diálogo...
6) "Caso a oposição vença as próximas eleições, poderíamos afirmar que o Norte voltaria a ser o nosso norte. Retornaríamos a uma política externa duplamente reacionária, no sentido, por um lado, de somente reagir aos acontecimentos internacionais e, por outro, de voltar a ser mais um freio do que um acelerador das indispensáveis mudanças nas relações internacionais."
PRA: Trata-se, manifestamente, de uma afirmação de má-fé, profundamente desonesta e gratuitamente ofensiva, querendo dizer que todos os diplomatas anteriores a 2003 eram subordinados e passivos. O simplismo é tão redutor e calhorda que dispenso-me de maiores comentários, apenas bastando indicar o caráter fraudulento do argumento.
7) "Não é mérito menor termos alcançado a estabilidade política, o crescimento econômico e uma melhor distribuição da riqueza, sem sermos obrigados a vender nossa alma."
PRA: Mais uma afirmação de má-fé e de profunda desonestidade intelectual. Como se a estabilidade política e econômica e o desenvolvimento social tivessem sido inventados em 2003, ou que antes o governo se empenhava em vender o Brasil aos estrangeiros. Ao estilo do "nunca antes", o autor perpetra mais um argumento claudicante e fraudulento.
Deve ser por desejo de alguma nomeação política pelos atuais donos do poder. Afinal de contas, o Haiti não é tão confortável assim para certas pessoas.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 2.10.2010)

Um comentário:

Mário Machado disse...

O nunca antes na história do Brasil realmente penetrou as mentes brasileiras. E eu tenho livros de Seitenfus ...

Sabe o que é interessante não falta quem aplauda o texto sem se atentar aos pontos que o professor levanta.

Espero que dessa vez não venham defensores acríticos lotar os comentários com polêmicas vazias...

Pena que o professor abandonou certos adjetivos. Ainda que isso seja comemorado por muita gente boa e inteligente que aqui freqüenta.

Abs,