Por acaso circulando para ler alguns trabalhos acadêmicos em Mundorama, um site de artigos e materiais diversos sobre relações internacionais, resolvi colocar o meu nome na janela de busca, para ver o que aparecia:
Os resultados estão aqui: http://mundorama.net/?s=Paulo+Roberto+de+Almeida
Os trabalhos (alguns dos) são estes, publicados em Mundorama, Meridiano 47 e na RBPI:
Memórias, pelo menos memórias publicadas, não são para qualquer um: elas geralmente constituem o apanágio e a distinção daqueles que tiveram um itinerário de vida semeado de grandes e importantes cruzamentos com a vida política nacional (ou até internacional) e que desempenharam algum papel de relevo em alguns dos episódios. Pode ocorrer, também, com indivíduos que foram simplesmente testemunhas desses fatos, mesmo com alguma participação mínima nesses eventos, aquilo que Raymond Aron chamou, para si mesmo, de “espectador engajado” (ver suas Memórias, publicadas em 1983, e o livro de depoimento, que leva justamente esse título). Uma grande tribo de economistas profissionais, dedicados a trabalhos aplicados, de economistas acadêmicos, ou seja, trabalhando sobretudo com pesquisas econômicas teóricas (alguns deles servindo a governos), assim como de funcionários públicos nacionais e de tecnocratas de organismos econômicos internacionais, todos eles envolvidos com a recomendação de políticas públicas na área macroeconômica, têm se dedicado, nos últimos anos, ao tema da taxação sobre fluxos financeiros.
“Vemos, então, em primeiro lugar, que em todas as circunstâncias a guerra deve ser vista não como algo independente, mas como um instrumento político; e é apenas tendo esse ponto de vista que podemos evitar nos colocarmos em oposição a toda a história militar. (…) Portanto, o primeiro, maior e mais decisivo ato de um estadista ou de um general consiste em entender o tipo de guerra em que está envolvido, não a tomando por outra coisa nem desejando que fosse algo que, pela natureza da situação, nunca poderá ser. Esta é, em consequência, a primeira e a mais abrangente de todas as questões estratégicas.”
Clausewitz, Sobre a Guerra, 1832. (Clausewitz, Sobre a Guerra, 1832, parágrafo 27, “Influência desta concepção sobre o entendimento correto da história militar, e sobre os fundamentos da teoria”, do Livro I: “Sobre a Natureza da Guerra”, da tradução de J. J. Graham, de 1873.
Aparentemente, os estadistas do Brasil (se é que os há) e os seus generais (estes certamente existem) ainda não conseguiram entender a natureza da ‘guerra’ em que o Brasil estaria supostamente envolvido, se é que existe algo parecido a uma guerra na qual o País poderia estar envolvido; do contrário, seus formuladores não teriam concebido um documento tão idealista e tão distante dos desafios colocados ao País e alheio à realidade efetiva das coisas – la verità effetuale delle cose, como diria Maquiavel – quanto a Estratégia Nacional de Defesa (END). Minha intenção, no presente trabalho, seria a de retomar a discussão em torno desse documento, esforço já iniciado em um ensaio anterior, de natureza prioritariamente formal.[1] O mundo, obviamente, ainda não se ajustou ao “fim da História”, no sentido da convergência da maioria dos países para regimes políticos e para sistemas econômicos próximos das democracias de mercado (capitalistas), como sugeria, tentativamente, Francis Fukuyama. Ele o fará, gradualmente, já que o núcleo central da tese de Fukuyama é basicamente correto – retirando-se a metáfora hegeliana do “fim da História”, resta que o desenvolvimento socioeconômico e a consolidação da prosperidade social, permitidos justamente por uma economia de mercado dinâmica, trazem naturalmente um regime político mais conforme à atomização dos poderes e dos mercados capitalistas (baseados, institucionalmente, em mecanismos de representação, de negociação e de conciliação). A economia mundial, tal como a conhecemos atualmente, é um “arquipélago” em construção desde o século 16, pelo menos e, ainda hoje, ela não constitui um sistema perfeitamente unificado, sequer homogêneo, a despeito de toda a retórica em torno da globalização.
Boletim Mundorama, Maio 2010
maio 24th, 2010
O conceito de cooperação, num entendimento puramente formal da palavra, implica uma ação voluntária de dois ou mais parceiros em prol de objetivos comuns, sendo subjacente ou implícita a idéia de que juntos eles conseguirão fazer algo que talvez não pudessem alcançar isoladamente. Todos aqueles medianamente familiarizados com a literatura brasileira, já devem ter lido ou, pelo menos, ouvido falar – inclusive por causa de um filme realizado muitos anos atrás – do romance meio humorístico, meio trágico, de Lima Barreto sobre o major Policarpo Quaresma, um militar idealista e ultranacionalista que tinha grandes projetos para o Brasil, todos extremamente bem intencionados e, em sua essência, humanistas, mas que, se aplicados, invariavelmente trariam mais problemas do que soluções à jovem República positivista. Não preciso falar aqui do “triste fim” do major Quaresma, tanto porque não estou prevendo o mesmo final infeliz para nossos bravos antiglobalizadores e suas propostas surrealistas. Por certo não vamos fazer como o Marechal Floriano, que dizia que receberia seus inimigos a bala, inclusive porque não considero essa tribo de sonhadores como meus inimigos intelectuais; se tanto, eles são um pequeno bando de idealistas equivocados, apenas os mais jovens, porém; não, obviamente, os velhacos de má-fé que tentam ludibriá-los.
Algumas dessas propostas são verdadeiramente inocentes, ingênuas segundo os menos pacientes com esse tipo de brincadeira, em todo caso inócuas, em sua cândida inconsequência. Outras, em contrapartida, seriam essencialmente prejudiciais, ou até mesmo perigosas, se o tal de “outro mundo possível” desses altermundialistas servisse de critério para a formulação e implementação de políticas públicas. A julgar, todavia, pelo apoio que todos eles deram a um outro militar, bem menos pacífico que o nosso Policarpo, aquele coronel que lidera uma fazenda petrolífera ao norte do continente, pode-se imaginar que eles pretendam aplicar aqui, e em todo o mundo, as geniais lições de economia política que vem sendo aplicadas com tanto afinco naquela nova “fazenda dos animais” (apud Orwell). Creio que todos podem imaginar o que aconteceria se o novo e mais agressivo coronel estendesse suas práticas bizarras de política econômica a todo o mundo possível ao alcance de suas propostas alopradas. 1. O que restou, vinte anos depois, da tese controversa de Fukuyama?
No verão de 1989, a revista americana National Interest publicava um ensaio teórico – mais exatamente de filosofia da História – do intelectual nipo-americano Francis Fukuyama sobre os sinais – até então simplesmente anunciadores – do fim da Guerra Fria, cujo título estava destinado a deslanchar um debate ainda hoje controverso: “The End of History?”.[1] Vinte anos depois, em vista das muitas críticas feitas naquela conjuntura – e ainda hoje – às principais teses do autor, vale a pena retomar seus principais argumentos e verificar se eles ainda conservam alguma validade para nossos tempos, que poderiam ser considerados como de pós-Guerra Fria, mas que alguns interpretam, ou consideram efetivamente, como de volta à Guerra Fria, ainda que sob novas modalidades (com uma Rússia singularmente diminuída e uma China hesitante em se posicionar como contendor estratégico dos Estados Unidos). Antes, contudo, de ingressar numa descrição linear desses argumentos, qualquer que seja sua validade relativa ou absoluta para o tema que nos interessa – qual seja, o da natureza das opções abertas aos países em termos de reforma e desenvolvimento paralelos do sistema econômico e do regime político, que Fukuyama identificava com a redução dessas opções à democracia de mercado – cabe chamar a atenção para uma peculiaridade geralmente descurada no debate anterior (e talvez atual) sobre a validade das teses de Fukuyama, sobretudo por aqueles que recusavam, in limine, a essência mesma do argumento do autor. Esta peculiaridade tem a ver, basicamente, com um simples sinal diacrítico: o ponto de interrogação ao final do título, geralmente ignorado pelos críticos das teses de Fukuyama, e provavelmente também por aqueles que apóiam, em grande medida, o sentido dos seus argumentos. Ou seja, Fukuyama não fazia uma afirmação peremptória, mas levantava uma hipótese, a do final presumido da história, numa análise de corte essencialmente conceitual, ainda que fortemente embasada nos fatos históricos, e nunca pretendeu formular uma sentença de caráter terminativo, indicando um “congelamento” das formas possíveis de organização social, econômica e política. O interrogante básico de seu argumento tem a ver com a possibilidade de alternativas credíveis às democracias liberais de mercado, ponto. 1. A novela está de volta (com o mesmo enredo…)
Como acontece todo ano, os alternativos da antiglobalização estarão reunidos neste final do mês de janeiro de 2010 para protestar contra a globalização assimétrica e proclamar que um “outro mundo é possível”. Eu também acho, mas a verdade é que eles nunca apresentam o roteiro detalhado desse outro mundo esperado, se contentando com slogans redutores contra a globalização, essa mesma força indomável que torna mais eficiente a interação entre essas tribos e permite que suas mensagens – equivocadas, como sempre – alcancem, em questão de minutos, todos os cantos do planeta. Em todo caso, eles já se consideram tão importantes que já nem mais se dão ao trabalho de protestar contra o outro Fórum Mundial, o capitalista de Davos, como ocorria todo ano naquela estação suíça de esqui: os capitalistas agradecem serem deixados em paz e prometem refletir sobre as propostas do fórum alternativo, se é que alguma será feita.
Como também acontece todo ano, eu fico esperando para ver se alguma ideia nova e interessante – Ok, ok, também podem ser ideias velhas e desinteressantes, mas que sejam pelo menos racionais e exequíveis – vai emergir desse jamboree anual de antiglobalizadores e iluminar as nossas políticas públicas tão carentes de racionalidade e sentido de justiça. Como não confio, porém, que algo de novo vá surgir de onde nunca veio nada de inteligente, resolvi não esperar pela conclusão do encontro de 2010, e me proponho, sem cobrar copyright dos antiglobalizadores, antecipar suas conclusões conclusivas (se é verdade que algo do gênero pode ocorrer; isso corre o risco de nos surpreender). Numa apresentação feita na quarta conferência de instituições para o estudo científico das relações internacionais, realizada em Copenhagen, em junho de 1931, o já renomado historiador britânico Arnold Toynbee relacionava o que lhe pareciam ser sucessos e fracassos da diplomacia multilateral e das relações mantidas no plano internacional pelas grandes potências, desde que a paz tinha sido restabelecida, doze anos antes, na seqüência da mais devastadora das guerras que a humanidade tinha conhecido até então. Entre os primeiros ele relacionava a própria criação da Liga das Nações, o tratado de Paris de renúncia da guerra como instrumento de política nacional (também conhecido como pacto Briand-Kellog), a Corte Internacional de Justiça e a Conferência Mundial do Desarmamento, que deveria começar o seu trabalho alguns meses mais à frente. Dentre os fracassos, ele relacionava: a recusa do Senado americano de ratificar o ato de criação da Liga, a rejeição desta última pelo governo soviético, as dificuldades para a plena incorporação da Alemanha ao cenário estratégico do pós-guerra e o duplo insucesso do Protocolo de Genebra para a solução pacífica das controvérsias internacionais e da conferência tripartite (EUA-Reino Unido-Japão) para a redução dos armamentos navais (Arnold J. Toynbee, “World Sovereignty and World Culture: the trend of international affairs since the War”, Pacif Affairs, vol. IV, n. 9, setembro 1931, p. 753-778). Este breve ensaio efetua uma análise de conjuntura da economia brasileira, mais pelo lado das políticas econômicas do que propriamente pelos principais indicadores setoriais. Foram focalizadas a situação econômica previamente e no decorrer da crise, as principais respostas das autoridades econômicas e as perspectivas que se oferecem ao Brasil no pós-crise, relativamente favoráveis no conjunto do G20. São também tecidas considerações sobre as principais propostas brasileiras para uma nova arquitetura financeira internacional, em torno de posições que o país partilha com os demais Brics, cujo teor essencial é o aumento da participação dos emergentes nos processos decisórios mundiais. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO REGIONALISMO ECONÔMICO E POLÍTICO DA AMÉRICA DO SUL: UM BALANÇO DAS EXPERIÊNCIAS REALIZADAS, por Paulo Roberto de Almeida
A Estratégia Nacional de Defesa (END), divulgada pelo governo brasileiro em dezembro de 2008, mereceu, de imediato, comentários diversos de observadores e especialistas, e algumas avaliações superficiais na imprensa. A maior parte dos comentários apresentou um tom positivo, posto se tratar de uma iniciativa no sentido da transparência e da abertura de um debate com a sociedade, em geral, e com os estudiosos da área em particular. Sem pretender me colocar entre estes últimos, desejo oferecer, igualmente, alguns comentários preliminares sobre o documento em questão, baseados inteiramente em minhas primeiras impressões de leitura, sem que eu tenha tido a oportunidade, até este momento (11 de fevereiro de 2009), de conhecer opiniões ou análises mais fundamentadas sobre tal documento, ou, pessoalmente, de efetuar eu mesmo um exame mais aprofundado do mesmo.
Reconheço, de imediato, as mesmas características positivas no fato de que “um” documento – quaisquer que sejam suas qualidades intrínsecas – sobre esse aspecto importante da vida nacional (com repercussões internacionais) tenha sido divulgado. Pretendo, contudo, ressaltar, ou destacar, apenas aspectos que me parecem problemáticos nesse documento, sem desconsiderar que ele possa, de fato, apresentar uma contribuição relevante para um debate qualificado nessa área, ademais de suas implicações práticas para a defesa nacional e a política externa do Brasil. Meus comentários, como já indicado no subtítulo, prenunciam uma posição mais crítica do que favorável, e até num sentido iconoclasta, mas sem qualquer espírito destrutivo, ou puramente negativo, preservando, ao contrário, minha tradicional honestidade intelectual e, tanto quanto possível, minha objetividade analítica. 1. Globalizados contra a globalização: reação freudiana?
Os participantes do próximo conclave do Fórum Social Mundial, a realizar-se em Belém, de 27 de janeiro a 1° de fevereiro de 2009, podem congratular-se por serem os mais globalizados do planeta: eles desfrutam, provavelmente, de 100% de inclusão digital por meio da internet (sem considerar celulares e outros gadgets do mundo moderno), ou seja, fazem uma utilização plena das possibilidades abertas pela atual sociedade da informação. Todo o processo de informação preliminar sobre o FSM, de convocação e de mobilização preventivas, assim como o registro simultâneo e instantaneamente disseminado de suas ruidosas reuniões, colocadas (escusado dizer) sob o signo da anti-globalização, todo ele terá sido assegurado e efetivamente realizado 100% online, isto é, sob o signo do mundo virtual, que é praticamente um sinônimo da globalização.
E, no entanto, os alegres participantes do piquenique anual da antiglobalização se reunirão para, entre outros objetivos, conspurcar, atacar e combater os próprios mecanismos que possibilitaram, viabilizaram e permitiram todas essas facilidades de informação, de comunicação e de interação recíproca. Não é contraditório? Aliás, não parece completamente estapafúrdia essa revolta irracional contra os seus meios de expressão? Eu – como não pretendo usufruir de minha cota permitida de ilogismo e de irracionalidade – respondo imediatamente que SIM.
Sim, me parece totalmente ilógico e contraditório que pessoas normalmente constituídas, bem informadas, geralmente alfabetizadas (inclusive até o nível universitário) e (que se acredita serem) cidadãos razoáveis no contexto do mundo em que vivemos – ou seja, estudantes e trabalhadores honestos, cumpridores de seus deveres cívicos, promotores de um mundo melhor, ativos na defesa do meio ambiente e dos direitos humanos – consigam revoltar-se contra aquilo mesmo que lhes permite serem exatamente o que são: cidadãos bem informados, participantes, defensores de um mundo melhor para si mesmos e para todos os habitantes do planeta. Em vista disso, apenas posso sorrir ante a perspectiva de ver tantos jovens (e alguns velhos também) reunirem-se para combater a globalização capitalista, logrando, aliás, pleno sucesso em seus empreendimentos antiglobalizadores, justamente tendo como suporte material tudo o que a globalização capitalista lhes ofereceu de melhor. São uns ingratos, para dizer o mínimo. Eu acho que eles também são ingênuos, provavelmente equivocados em suas concepções e intenções e, talvez mesmo, um pouquinho desonestos, pois que se eximindo – como não deveria ocorrer na academia e nas organizações mais sérias – de trazer as provas de suas afirmações tão contundentes contra o capitalismo e a globalização. Deixamos esses aspectos de lado, por enquanto, pois voltaremos a eles no momento oportuno. Seria totalmente justificado o mau (pré)conceito que carrega a Realpolitik no plano das atitudes possíveis de serem adotadas pelos estadistas e outros responsáveis pelas relações internacionais dos Estados modernos? Leva ela, necessariamente, a um comportamento egoísta no confronto com alternativas menos estado-cêntricas e mais voltadas para o bem comum da comunidade internacional? Mas será que existe, de fato, uma coisa chamada “comunidade internacional”? Estadistas responsáveis podem adotar outra postura que não a pragmática, focada no interesse nacional, quando se trata de administrar as relações exteriores de seus países? Vejamos o que seria possível argumentar em torno desse conceito numa espécie de curso concentrado.
Realpolitik é mais um método do que uma doutrina, completa e acabada. Ela pode ser vista como uma escola de pensamento que não é boa, ou má, em si, e sim que pode, ou não, servir os interesses daqueles que presumidamente se guiam por seus “princípios”, algo vagos, de análise e de ação. O que ela quer dizer, finalmente? A rigor, trata-se de um simples cálculo utilitário, baseado nos interesses primários de um país, um Estado, um indivíduo. Ela tende a considerar os dados do problema e não se deixa guiar por motivações idealistas, generosas ou “humanitárias” de tal decisão ou ação, mas apenas e exclusivamente pelo retorno esperado de um determinado curso de ação, que deve corresponder à maior utilidade ou retornos possíveis para o seu proponente ou condutor da ação. Não, o velho adepto da realpolitik ainda não morreu. Mas tendo completado 85 anos em maio de 2008, o ex-secretário de Estado e ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Henry Kissinger aproxima-se das etapas finais de sua vida. Seus obituários – não pretendendo aqui ser uma ave de mau agouro – devem estar prontos nas principais redações de jornais e revistas do mundo inteiro, e os comentaristas de suas obras preparam, certamente, revisões de análises anteriores para reedições mais ou menos imediatas, tão pronto este “Metternich” americano passe deste mundo terreno para qualquer outro que se possa imaginar (na minha concepção, deverá ser o mundo das idéias aplicadas às relações de poder).
Talvez seja esta a oportunidade para um pequeno balanço de seu legado, que alguns – por exemplo Cristopher Hitchens, em The Trial of Henry Kissinger – querem ver por um lado unicamente negativo, ou até criminoso, como se ele tivesse sido apenas o inimigo dos regimes “progressistas” e um transgressor consciente dos direitos humanos e da autodeterminação dos povos. Ele certamente tem suas mãos manchadas de sangue, mas também foi o arquiteto dos acordos de redução de armas estratégicas e da própria tensão nuclear com a extinta União Soviética, além de um mediador relativamente realista nos diversos conflitos entre Israel e os países árabes, no Oriente Médio. Sua obra “vietnamita” é discutível, assim como foi altamente discutível – ou francamente condenável – o prêmio Nobel da Paz concedido por um simplesmente desengajamento americano, que visava bem mais a resolver questões domésticas do que realmente pacificar a região da ex-Indochina francesa. Uma pequena, mas necessária, introdução
Vou propor algumas teses simples e diretas sobre o papel dos EUA no atual cenário da segurança internacional. Antes, contudo, preciso adiantar que parto de uma premissa fundamental para a discussão dessa questão e para meus propósitos explicativos: a segurança estratégica de um país tão “aroniano” e tão “westfaliano” como os EUA, não pode ser diferenciada ou separada das demais condições econômicas e ambientais que se traduzem em segurança para os negócios e para a vida dos seus cidadãos, o que significa a manutenção de um ambiente competitivo, externa e internamente, aberto aos méritos privados e às capacidades individuais, o que corresponde, exatamente, ao que são, em sua essência fundamental, os EUA. Para resumir o sentido geral dos argumentos contidos neste texto, eu diria, retomando o subtítulo deste ensaio, que os EUA configuram, no contexto internacional atual, duas características básicas: um poder aroniano e um Estado westfaliano. A noção aroniana remete, obviamente, às raízes do pensamento do grande cientista social francês, Raymond Aron, em especial a seus estudos sobre a guerra e a paz. Já o adjetivo histórico westfaliano se refere aos esquemas de reconhecimento recíproco da soberania exclusiva e excludente dos Estados-nações partícipes de um sistema de relações internacionais. De uma parte, os EUA são um poder aroniano por excelência, ou seja, um Estado que soube, melhor do que qualquer outro, no concerto de nações, conjugar e combinar os dois vetores essenciais de qualquer capacidade de projeção internacional. Esses vetores são constituídos, de um lado, por uma presença dilatada e ativa nos mais diversos foros e cenários abertos à sua diplomacia e, de outro, por uma poderosa ferramenta de afirmação do seu poder primário, isto é, sua força militar, que permanece incontrastável desde um século aproximadamente. O diplomata e o soldado, ainda que o primeiro apareça como bem menos eficiente do que o segundo, são os instrumentos sempre presentes da afirmação internacional ímpar desse hegemon relutante, desse decisor incontornável, de última instância, nos assuntos de segurança internacional e desse árbitro unilateral, por vezes arrogante, das questões de segurança de outros países, incapazes, por sua própria vontade e poder, de dirimir certas contendas ou de afastar certas ameaças.De outra parte, os EUA constituem também um Estado radicalmente westfaliano, no sentido em que eles serão, provavelmente, a última nação do planeta disposta a ceder soberania a qualquer entidade intergovernamental, internacional ou supranacional que possa ser chamada a exercer, pela evolução natural ou dirigida do direito internacional, competências reguladoras ou decisoras infringindo o mandato original conferido ao seu congresso, vale dizer, ao povo dos EUA. Contrastando com outras nações, da Ásia do Sul à América Latina, passando sobretudo pela Europa, mas também pelo Oriente Médio e pela África, que consentem em renunciar, por vezes alegremente, à sua soberania – em políticas macro e setoriais, em questões monetárias e até em matéria de defesa –, os EUA não são sequer relutantes quanto a isso: eles simplesmente não cogitam em colocar qualquer aspecto de sua soberania exclusiva, política, econômica e a fortiori militar, nas mãos de qualquer outro poder político que não seja o seu próprio Congresso e, em última instância, o seu povo. A China talvez possa ser um Estado tão “westfaliano” quanto os EUA, mas ela é muito pouco aroniana em sua natureza profunda e em seu modo de ser. Em suma, estamos falando, no caso dos EUA, de uma democracia irredutível e indivisível, isto é, não solúvel nas águas do direito internacional e não fracionável em partes menores. Dito isto, vejamos, em primeiro lugar, quais seriam as minhas poucas teses, simples, sobre a natureza essencial do poder dos EUA, para depois examinar, numa segunda etapa, seu papel na segurança internacional. - O BRASIL COMO ATOR REGIONAL E GLOBAL: ESTRATÉGIAS DE POLÍTICA EXTERNA NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL, por Paulo Roberto de Almeida
Os militantes do Fórum Social Mundial já começaram a preparar o próximo conclave anual do movimento. Esse encontro está marcado para a capital do Quênia, Nairobi, nos dias 21 a 24 de janeiro de 2007. As organizações participantes do FSM – nem todas as que gostariam de ser podem sê-lo, pois todas precisam concordar com a plataforma antiglobalizadora da qual elas se orgulham, o que significa que não se admitem discordâncias e desvios do “pensamento único” que defendem – elaboraram, em 2006, um conjunto de objetivos gerais que expressam, presumivelmente, a visão do mundo de seus militantes, quando não sua filosofia de vida.
Pretendo, no presente texto, transcrever esses nove objetivos gerais, tais como expressos no site do FSM, e tecer, em seguida comentários pessoais sobre cada um eles, agregando a cada vez argumentos de natureza conceitual e histórica sobre o que me parece correto e o que considero serem equívocos dos “ideólogos” desse movimento (“ideólogos”, aqui, no bom sentido da palavra, isto é, como produtores de idéias). Faço-o num puro espírito de debate intelectual, que geralmente ocorre de modo unilateral, pois raramente tenho encontrado antiglobalizadores que aceitem debater suas “idéias”. Não importa, vejamos simplesmente o que eles têm a dizer. Mercosul: uma revisão histórica e uma visão de futuro, por Paulo Roberto de Almeida
O contexto geopolítico da América do Sul: visão estratégica da integração regional, por Paulo Roberto de Almeida
Uma nova ‘arquitetura’ diplomática? – Interpretações divergentes sobre a política externa do governo Lula (2003-2006), por PAULO ROBERTO DE ALMEIDA;
Os acordos regionais e o sistema multilateral de comércio: o caso da América Latina, por Paulo Roberto de Almeida
A distribuição mundial de renda: caminhando para a convergência?, por Paulo Roberto de Almeida
Notas
Instituto Brasileiro de Relações Internacionais: 50 anos de um grande empreendimento intelectual, por Paulo Roberto de Almeida
A economia internacional no século XX: um ensaio de síntese, por Paulo Roberto de Almeida
O legado do Barão: Rio Branco e a moderna diplomacia brasileira Paulo Roberto de Almeida
A economia da política externa: ordem internacional e progresso da Nação, por Paulo Roberto de Almeida
A parábola do comunismo no século XX, A propósito do livro de François Furet: Le Passé d’une Illusion, por Paulo Roberto de Almeida
Índice da Revista Brasileira de Política Internacional: índice remissivo geral (1958-1992), por Paulo Roberto de ALMEIDA
Jean-Baptiste Duroselle: morte do grande historiador das relações internacionais, por Paulo Roberto de Almeida
A propriedade intelectual na política exterior e nos processos de integração econômica, por Paulo Roberto de Almeida
Estudos de relações internacionais do Brasil: etapas da produção historiográfica brasileira, 1927-92, por Paulo Roberto de Almeida
Retorno ao Futuro, Parte III: agonia e queda do socialismo real, por Paulo Roberto de Almeida
Eu paro por aqui...
Paulo Roberto de Almeida
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