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sábado, 27 de novembro de 2010

Protecionismo argentino: continuidade assegurada...

Desde a segunda metade dos anos 1980 -- não considerando as travas anteriormente existentes no que se refere a açúcar e automóveis, que continuam existindo até hoje -- a Argentina impõe restrições ilegais aos produtos brasileiros, e contra ele erige barreiras para-tarifárias (salvaguardas, antidumping, todos ilegais e abusivos), numa total contravenção às regras da zona de livre-coméricio e de união aduaneira que deveriam, supostamente, reger o Mercosul.
Antes do "nunca antes", o governo brasileiro reagia, por meio do mecanismo próprio de solução de controvérsias ou até recorrendo às instâncias do GATT-OMC, o que é inacreditável, sabendo que se trata de dois membros de uma mesma união aduaneira. Com a entrada do "nunca antes", nunca mais o Brasil reagiu à altura, sendo tolerante com os desmandos argentinos e até colaborando com o protecionismo deslavado, pedindo "compreensão" aos empresários exportadores brasileiros, a pretexto de colaborar com o esforço argentino de recuperação econômica e de reindustrialização.
O Brasil do "nunca antes" aceitou passivamente os argumentos completamente equivocados em torno de supostas "assimetrias" entre os dois países, o que é também um indício que as cabeças supostamente pensantes na política econômica externa do Brasil na verdade não pensam, pois aceitam argumentos totalmente falsos quanto à natureza da relação bilateral e dos fatores de competitividade nacional.
Continua sendo assim, como evidencia este editorial do Estadão, que destaca que a integração, na verdade, vem dando passos atrás, com a conivência ativa do governo brasileiro, que proclama promovê-la e defendê-la.
Pode-se considerar que seja apenas inconsciência, embora alguns observadores admitem que se trata de burrice, mesmo, parte de um projeto ilusório de liderança na região.
Paulo Roberto de Almeida

Maus modos, velhas práticas

Editorial O Estado de S.Paulo, 26 de novembro de 2010
 
O que há de novo nas recentes ameaças do governo argentino de criar barreiras à entrada de produtos brasileiros são os maus modos com que elas foram transmitidas pelo secretário de Comércio Interior do governo Kirchner, Guillermo Moreno, ao embaixador do Brasil em Buenos Aires, Ênio Cordeiro.
Utilizando um tom agressivo, como informou o jornal Valor, e ignorando o fato de que "um embaixador, por definição, é representante de algo que excede sua pessoa" e de que, no caso de Cordeiro, "por trás dele há um país quatro vezes maior e mais poderoso do que a Argentina, que dificilmente deixará que o episódio se dilua sem nenhum custo", como registrou o jornal Clarín, de Buenos Aires, Moreno se excedeu nas grosserias. Isso transformou o assunto num incidente diplomático, que certamente exigirá a interferência do presidente Lula, que ainda se avistará duas vezes com a presidente argentina Cristina Kirchner.
Novidade para muitos brasileiros, o estilo truculento de Moreno é, porém, conhecido do setor empresarial argentino. O secretário de Comércio Interior tem sob seu comando o órgão oficial encarregado de medir a inflação argentina, o Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec), acusado de manipular dados. Como responsável pelo comércio interno, Moreno tem ameaçado empresários de vários setores, que convoca a seu gabinete para forçá-los a baixar os preços. Segundo participantes desses encontros, às vezes os recebe com uma pistola sobre sua mesa.
Foi dele, em maio, a iniciativa de avisar os dirigentes de supermercados argentinos de que, a partir daquele momento, proibiria a entrada no país de produtos alimentícios não frescos procedentes do Brasil que concorressem com o similar nacional e puniria as empresas que desrespeitassem suas ordens. Era uma barreira apenas verbal, mas que, pelos métodos e pelo poder de Moreno - é considerado fiel cumpridor das determinações de Kirchner -, foi levada a sério.
Na época, houve notícias de filas de caminhões brasileiros na fronteira, pois sua entrada na Argentina estava sendo impedida. Após encontro com Lula, a presidente Cristina Kirchner negou publicamente que seu governo tivesse imposto restrições à entrada de produtos brasileiros.
No dia 5 de novembro, Guillermo Moreno se reuniu com o embaixador Ênio Cordeiro, na presença do ministro da Economia, Amado Boudou, ao qual está subordinado - mas, na prática, responde diretamente à presidente Kirchner. O pretexto da reunião, segundo o jornal Valor, foi a importação de tubos de metal fabricados no Brasil que caracterizaria a prática de dumping (esse produto passou a ser sobretaxado na Argentina). Além disso, Moreno afirmou que o governo argentino prepara "contramedidas" eficientes e não ortodoxas para conter a importação de produtos brasileiros.
Se, para as autoridades brasileiras, a falta de educação do funcionário argentino pode ser novidade, suas ameaças são velhas conhecidas. Sempre que o comércio entre os dois países registra um aumento expressivo do saldo em favor do Brasil, a Argentina ignora os acordos e tratados que regem o Mercosul e impõe barreiras de diferentes tipos à entrada no país de produtos brasileiros.
É o que ocorre no momento. Apesar das desvantagens dos produtos brasileiros no exterior por causa da valorização do real em relação ao dólar, o Brasil conseguiu acumular, nos primeiros dez meses deste ano, um saldo de US$ 2,9 bilhões no comércio com a Argentina. E esse superávit foi alcançado a despeito do aumento de cerca de 30% das exportações da Argentina para o Brasil, o que, argumentam os brasileiros, contribui para assegurar mais da metade dos 80 mil empregos da indústria automobilística argentina.
Quando o governo argentino investe contra os produtos brasileiros, o governo Lula, ao contrário do que diz a imprensa argentina - segundo a qual dificilmente o Brasil deixa de reagir -, tem aceitado as medidas com tolerância que beira a passividade. O que talvez o tenha incomodado no caso é o estilo de Guillermo Moreno. As agressões argentinas praticadas com luvas de pelica foram sempre toleradas.

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