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quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Realeconomik agricola: o Brasil desta vez na vanguarda (mas ainda aparecendo como vilao do desmatamento)
Paulo Roberto de Almeida
Os gringos continuam por fora
* André Meloni Nassar
O Estado de S. Paulo, 17 de novembro de 2010, p. A2
Depois que quase três semanas na Europa discutindo em diferentes fóruns expansão da agricultura e mudança no uso da terra, cheguei à conclusão de que valeria a pena trazer os pontos do debate internacional, por mais absurdos que sejam - e alguns o são muito -, para a opinião pública brasileira. De longe, o tema da mudança no uso da terra é a questão estrutural mais relevante para os produtores agrícolas do Brasil e do mundo. Vários argumentos, vindos de variadas direções, jogaram-na no centro do debate.
O primeiro nasce dos avanços da tecnologia de informação e das ferramentas de sensoriamento remoto. Com a crescente disponibilidade de imagens de satélite de melhor resolução e computadores de maior velocidade, novas bases combinando dados de sensoriamento remoto e dados secundários foram desenvolvidas, permitindo o surgimento de uma profusão de estudos que analisam mudanças globais no uso da terra. A despeito dos diversos problemas que esses estudos podem apresentar, uma vez que, em geral, muitas análises são feitas apenas com base em imagens de satélite sem validação de campo, é inegável a sua contribuição para o entendimento dos eventos passados.
Os estudos, no frigir dos ovos, têm mostrado o que sempre se soube, mas que não se conseguia quantificar com precisão: que grande parte da terra no mundo está sob uso agropecuário e o crescimento da agropecuária, pela singela evidência de que o setor usa muita terra, provocou uma enorme conversão de vegetação natural. Estima-se que o mundo todo utilize 1,5 bilhão de hectares para lavouras anuais e perenes e 2,8 bilhões para pastagens. Do total de lavouras, 47% estão em áreas antes ocupadas por florestas e 38%, antes ocupadas por savanas (os cerrados) e pastagens naturais. No caso da Europa, 77% das lavouras estão em áreas antes ocupadas por florestas. Esse índice cai para 34% e 20% nos casos da América do Sul e da África.
No caso das pastagens, somente 19% estão em áreas ocupadas antes por florestas e 49%, no caso das savanas e pastagens naturais. Enquanto na Europa 85% das pastagens estão em áreas ocupadas anteriormente por florestas, algo até óbvio, porque eram florestas que predominavam no território europeu, na América do Sul e na África esse índice cai para 35% e 12%. Nestas duas regiões predominam pastagens em savanas e, como não poderia deixar de ser, pastagens naturais. Interessante notar que América do Sul e África são as únicas regiões onde a área com pastagens ainda é muito maior do que a área com lavouras (quatro vezes). Isso indica o grande potencial de expansão de lavouras e melhor uso das pastagens.
Colocando o uso da terra numa perspectiva de mudança ao longo do tempo, as imagens de satélite dizem-nos que grande parte da expansão do setor agropecuário nos anos 80 e 90 ocorreu em áreas de florestas e pastagens naturais. Na América do Sul o número chega a 75%. Já na Ásia, mais de 90%. Embora a quantificação seja importante, não há dúvida, a conclusão não deixa de ser óbvia. Afinal, a produção de alimentos usa terra, as nações são soberanas para decidir como querem usar seu território e os países que têm mais floresta convertem mais floresta. Foi assim na Europa e tem sido assim na Ásia.
O segundo argumento é uma consequência natural do anterior. Se o setor agrícola no mundo se expandiu sobre florestas, deverá continuar se expandindo dessa forma no futuro. O raciocínio é simples. Dado que a demanda mundial por alimentos vai continuar crescendo, mais áreas serão necessárias, dando continuidade ao processo de conversão de vegetação natural em agricultura. É, sem a menor dúvida, uma questão relevante. O problema é que essa constatação vem junto com a questão da responsabilidade pela conversão. A demanda por produtos agrícolas cresce no mundo todo e predomina a tentação de atribuir responsabilidade pela conversão de vegetação natural s& oacute; ao país onde ela ocorre.
O terceiro argumento é uma sofisticação do segundo. Infelizmente, ainda há gente no Brasil que compra esse argumento. As imagens de satélite comprovam que a conversão para pastagens é a forma que predomina no avanço da fronteira. Como a área com lavouras continua crescendo, mas são as pastagens que atuam com maior intensidade na fronteira, ocorre o chamado efeito cascata. No Brasil, a soja é o patinho feio da vez no assunto, mas fora do País, até pela falta de outras evidências, tenta-se dar à cana-de-açúcar essa pecha. Obviamente, não se vai a lugar algum com esse argumento, porque é o aumento do preço da terra que leva à intensificação de pastagens, e o preço d a terra aumenta quando as lavouras se estão expandindo e demandando mais terra. A substituição de pastagens por lavouras, assim, é solução para o problema, e não a causa. A causa, por sua vez, é o baixo custo de desmatar.
Meu discurso fora do Brasil tem sido reconhecer todas essas questões sem jogar nada para debaixo do tapete. Afinal, as imagens de satélite me desmentiriam facilmente. É como erguer uma muralha numa guerra com aviões. É derrota, na certa. No entanto, imagens de satélite são as que se refletem no retrovisor do carro. É aquilo que vemos pela janela quando nos sentamos de costas num trem.
A queda do desmatamento, a aplicação do Código Florestal, a moratória da soja e, mais recentemente, a da pecuária, o zoneamento da cana-de-açúcar e o grande potencial de aumentar, mesmo que lentamente, a produtividade da pecuária de corte são garantias de que o retrovisor de amanhã vai mostrar algo diferente do de hoje. Lentamente e sem xenofobia, vamos mostrando aos "gringos" que eles, na verdade, continuam a saber pouco do Brasil. Pena é que precisemos também gastar tempo com os brasileiros que têm vergonha de defender as suas bases - o que significa, neste caso, ficar do lado do setor agrícola.
* DIRETOR-GERAL DO ICONE. AS ORIGENS DOS DADOS CITADOS NESTE ARTIGO PODEM CONSULTADAS COM O AUTOR. E-MAIL: AMNASSAR@ICONEBRASIL.ORG.BR
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