Paulo Roberto de Almeida
A república dos boatos
MAC MARGOLIS
O Estado de S.Paulo, 26 de fevereiro de 2012 | 3h 01
Café, uma porção de arepas e as últimas de Nelson Bocaranda. Assim começa o dia para dezenas de milhares de venezuelanos - e também para cada vez mais estrangeiros famintos de novos fatos da república bolivariana. Em um país em que o governo se dedica a estatizar a informação, as notícias confiáveis viraram mercadoria escassa e as furadas, passatempo nacional.
Entra Nelson Bocaranda, o mais combativo e talvez o mais informado articulista do país, que duas vezes por semana em sua coluna no jornal El Universal ou em seu programa de rádio diário - e a qualquer momento na blogosfera - revela a compatriotas e estrangeiros as informações que os comissários do governo de Hugo Chávez habitualmente omitem, ocultam ou simplesmente ignoram.
Agora, com a recaída do adoentado comandante venezuelano, o trabalho desse incansável colunista e blogueiro, com 66 anos e 500 mil seguidores no Twitter, tem sido redobrado. Pelos canais oficiais de informação, o presidente Chávez estaria na flor da saúde, refeito do câncer que o abatera no ano passado e mergulhado da boina às botas em sua campanha de reeleição. Graças a Bocaranda, os venezuelanos sabem mais.
Em junho passado, em sua coluna, a Venezuela descobriu que Chávez sofria de um tumor maligno na região pélvica e não uma mera lesão de joelho, como repetia a máquina de empulhação chavista. Cinco dias depois, o presidente admitiu a doença e foi tratá-la às pressas em Cuba.
No dia 17, Bocaranda voltou à tona. Afirmou pelo Twitter que Chávez, supostamente já livre do câncer, estava novamente em Havana em uma viagem secreta para se tratar de outro tumor. Após dois dias de sussurros e intrigas, o próprio presidente confirmou o diagnóstico, desmentindo dois de seus mais próximos assessores, Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional, e o ministro (pasmem) de Informação, William Izarra.
Até os maiores admiradores do governo venezuelano deploraram o que o sociólogo Heinz Dietrich, outrora fã confesso do chavismo, chamou da "grosseira disfunção do aparato midiático criado por Chávez". Melhor para Bocaranda, que, embora nunca tenha escondido seu desapego ao regime bolivariano, pratica um jornalismo rigorosamente ecumênico. Leitura obrigatória de investidores a ideólogos, ele ostenta fontes no seio do Palácio de Miraflores e orgulha-se de nunca ter sido desmentido pelos companheiros de Havana com quem costuma conversar.
Mas não há como negar que, a cada desmascaramento seu, sobe a estrela da oposição venezuelana. Embalados pelas primárias de fevereiro, os opositores de Chávez escolheram Henrique Capriles Radonski como candidato único - pela primeira vez - para enfrentar Chávez na votação presidencial de 7 de outubro.
Rival. Aos 39 anos, o jovem governador do Estado de Miranda usa camiseta polo, anda de moto, esbanja vigor e disposição e ainda exibe sua fala mansa enquanto afaga eleitores - um contraste cruel com o combalido e inchado comandante Chávez.
É cedo para descartar a reeleição do presidente. Mesmo com o desgaste de 13 anos no poder, a mais alta inflação (de 28% em 2011) entre os mercados emergentes, um surto sem precedentes de criminalidade e agora um câncer recidivo, o autodenominado líder do "socialismo do século 21" goza de índices invejáveis de popularidade. E ainda lidera as pesquisas de intenção de voto, muito graças ao seu charme e ao carisma político nato.
Esse poder sustenta-se até hoje pela impressionante habilidade de Chávez de controlar a informação venezuelana e de intimidar a mídia que não controla. Com a atuação de jornalistas como Nelson Bocaranda, porém, a pauta começa a mudar.
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