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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 27 de maio de 2012

Brasil: um pessimo comerciante global

Fazem anos e anos que se canta com altas glórias, nos círculos oficiais, a ladainha do Brasil como "global trader", ou comerciante global. Isso em função da diversificação geográfica do comércio exterior, anteriormente -- ou seja, até o ancien régime tucanês, antes daquela história do "nunca antes neste país" do nouveau régime petista -- bem distribuida, com aproximadamente um quinto para cada uma das grandes regiões geográficas do planeta. Hoje,  parece que ficamos muito "dependentes" da China, pelo menos em termos de preços das matérias primas que exportamos para o grande país asiático.
Mas essa conversa mole não diz absolutamente nada sobre a qualidade e as condições sob as quais são feitas esse "comércio global".
Pois bem, uma análise realista do posicionamento desse "comerciante global" nos deixa em muito má postura, em relação, por exemplo, ao Chile, sempre desprezado por certos companheiros economistas por ser apenas uma "economia diminuta", especializada em suas vantagens comparativas, enfim, aqueles argumentos derrogatórios, quase ao nível do desprezo.
Não custa lembrar que esse país "pequeno" tem, pelos seus acordos de livre comércio, seu acesso consolidado e assegurado aos mercados de 80% do PIB do planeta (todo o hemisfério americano, quase toda a Europa, ou pelo menos a UE, metade da Ásia e vários outros países).
Quanto ao Brasil, tem medíocres acordos de preferência comercial com alguns parceiros do Mercosul, e vem sendo deslocado do continente -- onde exportava 70% de manufaturas -- por concorrentes da China e dos EUA, que fizeram acordos comerciais com os países da região, ou então possuem estratégias comerciais bem mais eficientes e competitivas.
O editorial abaixo resume um pouco desses problemas, mas conviria consultar o original do relatório, neste link: 
http://www.weforum.org/reports/global-enabling-trade-report-2012 
Ou então aqui: 

The full version of the Report with profiles of all 132 economies is available at www.weforum.org/getr.

Despreparo comercial

Editorial, O Estado de S.Paulo, 27 de maio de 2012
Um levantamento do Fórum Econômico Mundial situa o Brasil em 84.º lugar em uma lista de 132 países classificados de acordo com sua capacitação comercial. Houve um avanço de três posições em relação à pesquisa anterior, de 2010, realizada com 125 países. Mas a melhora é quase insignificante, quando se considera a distância entre o Brasil e dezenas de competidores desenvolvidos e em desenvolvimento.
Vários dos principais obstáculos à competitividade das empresas brasileiras nem são mencionados no estudo. Há referencias a tarifas, por exemplo, mas não aparece, na pesquisa, uma comparação direta entre o sistema tributário brasileiro, complexo, pesado e incompatível com as necessidades de integração nos mercados globais, e os de outros países participantes do comércio internacional. Se esse e outros componentes importantes do custo Brasil fossem considerados, a classificação brasileira provavelmente seria ainda pior.
O relatório pode surpreender por causa da classificação nem sempre boa de algumas das maiores potencias econômicas e comerciais. Não há, no entanto, relação necessária entre a capacitação para o comércio e o tamanho da economia. Os Estados Unidos, maior potência do mundo, ocupam o 23.º posto.
Cingapura, Hong Kong, Dinamarca, Suécia e Nova Zelândia surgem nos cinco primeiros lugares. O Canadá só aparece em 9.º e o Reino Unido, em 11.º. Em 13.º está outra grande potência, a Alemanha, seguida imediatamente pelo pequeno Chile, em excelente posição no quadro geral. O latino-americano seguinte é o Uruguai, 40.º colocado. O preparo para o comércio é determinado por atributos independentes do tamanho, como a qualidade da política econômica, a burocracia, o ambiente regulatório e a infraestrutura.
A classificação do Chile, em 14.º lugar, à frente de várias das maiores e mais desenvolvidas economias e muito longe da maior parte dos latino-americanos, ressalta a importância de um governo leve, pouco intervencionista, comprometido com a integração internacional e bastante eficiente para manter um importante fundo soberano, conhecido por seus investimentos em vários países da região. A posição da Argentina, em 96.º lugar, ressalta o peso do intervencionismo e de uma burocracia montada para emperrar o comércio tanto à custa dos parceiros, como o Brasil, quanto dos empresários nacionais, protegidos por barreiras, mas com enormes dificuldades de acesso aos mercados externos.
O Brasil vai mal na maior parte dos requisitos considerados na pesquisa. A classificação geral de 84.º lugar é dada pela média das classificações de vários atributos. Quando se trata de disponibilidade e uso de tecnologias de informação e comunicação, por exemplo, a economia brasileira aparece em 53.º lugar. Um dos componentes desse item é o uso da internet para atividades de negócios e nesse aspecto a posição é a de número 28. Mas a situação é desastrosa, quando se trata de várias condições dependentes de forma direta da intervenção governamental.
O País aparece em 104.º lugar no item "acesso aos mercados interno e externo", porque as tarifas são muito altas pelos padrões internacionais (114.º posto). As barreiras já eram muito altas e algumas ainda foram elevadas no ano passado. O cenário também é muito ruim quando se examinam a eficiência da administração aduaneira (99.º lugar) e os procedimentos de importação e exportação (101.º posto).
Em outros estudos comparativos, elaborados com objetivos mais amplos, o Brasil também aparece em classificação muito ruim, principalmente por causa da qualidade da administração pública. O setor empresarial privado normalmente recebe uma avaliação bem mais favorável do que o governamental. Pode haver deficiências nas empresas, mas o poder de competição da indústria e da agropecuária é geralmente razoável - e em alguns casos muito bom - quando se consideram as atividades apenas no interior das unidades produtivas. Esse contraste aparece apenas parcialmente nesse estudo sobre capacitação nacional para o comércio, mas, ainda assim, é bastante sensível.

4 comentários:

Anônimo disse...

E por falar em Chile professor, eles levaram a nossa maior empresa aérea sem gastar nenhum tostão... e o pior... ninguém se deu conta disso até agora!
Isso porque somos "ixpertos"!

Abraços

Fabricio de Souza

Netto disse...

Boa noite professor, ciente do interesse que o senhor demonstra para assuntos econômicos(leio seus livros), gostaria de aproveitar o tema desse post para tecer alguns comentários acerca de uma questão sobre acordos de preferência comercial da terceira fase do último concurso de ingresso à carreira diplomática. A questão é a seguinte:

(O Relatório Anual desse ano faz uma nova e profunda análise sobre acordos de preferência comercial). A escolha desse tópico reflete duas tendências significativas nas relações comerciais nternacionais, ambas carregando extensas implicações para o sistema multilateral de comércio. A primeira e mais evidente delas é a contínua expansão e a crescente proeminência de acordos preferenciais de comércio. Ao longo das duas últimas décadas, o número desses acordos cresceu mais de quatro vezes, para cerca de 300 atualmente. Não há razão alguma para crer que esse crescimento cessará ou que esses acordos não continuarão a formar parte do tecido das relações comerciais internacionais no longo prazo. A segunda tendência é a de evolução e aprofundamento do conteúdo desses acordos preferenciais, que refletem importantes mudanças na economia mundial. Isso também levanta questões vitais sobre o foco e o alcance da OMC, e sobre o valor conferido pelos Governos a relações comerciais baseadas na arquitetura global.

Prefácio do Diretor da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy. Relatório Anual de 2011.
A OMC e os acordos preferenciais de comércio: da coexistência à coerência, página 3 (tradução livre).

Com base nos excertos acima, atenda ao que se pede a seguir.

a) Discorra sobre a natureza do sistema multilateral de comércio e dos acordos de preferências comerciais. Em sua resposta, não deixe de analisar a relação entre ambos.

b) Explique os conceitos de criação e desvio de comércio.

c) Analise os efeitos que a proliferação de acordos de preferências comerciais poderá trazer ao sistema multilateral de comércio.

Analisei essa questão da seguinte maneira:
1)Fiz uma análise do sistema multilateral de comércio, apontando seus aspectos normativos(a cláusula de nação mais favorecida e suas exclusões, como os acordos de preferência comercial)e seus aspectos positivos, caracterizado por uma estrutura de mercado em concorrência imperfeita, devido à ocorrência de economias de escala.

Em seguida, explorando o argumento de proteção à indústria infante, fiz uma análise dos microfundamentos de acordos de preferência comercial e da possibilidade de inserção do bloco no sistema multilateral de comércio, argumentando que, ao aumentar o mercado interno para as empresas do bloco, os APC permitem a exploração de economias de escala, tornando o bloco mais competitivo afim de se tornar competitivo a nivel internacional(tive como fonte o capítulo 7 do livro "International Economics", de Krugman-Obstfeld, edição 9).

Por fim, conceituei desvio e criação de comércio, e expliquei seu funcionamento graficamente, demonstrando como os ganhos de produtividade permitiriam ao bloco abrir-se para o sistema multilateral de comércio(a fonte de minha análise gráfica foi o próprio relatório da OMC citado no enunciado, que eu, por sorte, havia lido).

Porém, qual foi minha surpresa ao ver que recebi uma nota próxima de zero, entrei com recurso mas de nada adiantou.

Professor, escrevo esse post não para polemizar com o processo seletivo, mas para procurar entender o que havia de errado em minha resposta, pois, sendo economista e conhecendo o assunto, me senti bastante confortável com essa questão.

Atenciosamente

Netto

Paulo Roberto de Almeida disse...

Netto,
Pois eu acho que vc teria nao so todo o direito, como o dever de polemizar com o corretor de sua prova e deveria ter pedido revisao de correcao, pois pelo que vc escreveu, suas respostas deveriam ter sido consideradas excelentes e isso eu constato pelos seus argumentos economicos.
O corretor nao deve ter sido um economista e sim algum ideologo companheiro,que provavelmente queria que vc enaltecesse os APCs, em especial o Mercosul.
Realmente, nao compreendo e so posso atribuir esse fato ao grau de arbitrio e de subjetivismo que cerca as provas.
PRA

Netto disse...

Professor Paulo, muito obrigado pela resposta. Por um lado, é muito gratificante ter nosso conhecimento - obtido com muito esforço e sacrifício ao longo dos anos - reconhecido por alguém que entende do assunto, por outro, é desanimador saber que fui reprovado por causa da baixa nota recebida justamente nessa questão. Apesar do desânimo, continuarei tentando o ingresso na nobre carreira diplomática, apesar dessas dificuldades. Um abraço.