O desafio da alfabetização plena
Antonio Matias
O Estado de S.Paulo, 26 de
julho de 2012
A
publicação do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) 2011, pesquisa
realizada pelo Instituto Paulo Montenegro/Ibope e pela Ação Educativa,
evidencia um triste diagnóstico cujo conhecimento é de fundamental importância
para mobilizar a sociedade a desenvolver estratégias que superem esse grave
problema: o aumento de escolarização, embora tenha sido essencial nas últimas
décadas, não foi suficiente para assegurar a alfabetização plena.
A
análise da série histórica do estudo, que vem sendo realizado periodicamente
nos últimos dez anos, mostra que apenas um em quatro brasileiros atinge nível
pleno nas habilidades de leitura, escrita e Matemática. Ou seja, é capaz de ler
e interpretar textos mais longos, analisar e relacionar suas partes, realizar
inferências e sínteses, além de resolver problemas que exigem maior
planejamento e controle.
Além
disso, apesar de ter ocorrido uma redução do analfabetismo absoluto e da
alfabetização rudimentar, só 62% dos que têm curso superior e 35% dos que têm
ensino médio completo estão no patamar dos plenamente alfabetizados. Em ambos
os casos, essa proporção é inferior à observada no início da década.
O
Inaf também revela que um em cada quatro brasileiros que cursam ou cursaram até
o Ensino Fundamental II ainda está classificado no nível rudimentar, sem
avanços em todo o período, ou seja, consegue ler apenas textos curtos e fazer
operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de pequenas
quantias.
Olhar
a estagnação dos dados de plena alfabetização entre 2001 e 2011 nos permite
vislumbrar a situação de uma geração: são poucas as chances de um jovem que
concluiu o ensino médio ter alterado na última década sua proficiência
linguística, adquirindo, assim, condições para se desenvolver no mundo
profissional e social e desfrutar todas as possibilidades de uma sociedade que
exige cada vez mais capacidade de expressão e de absorção de conhecimento.
Importante
valorizar a mobilização crescente que envolve os setores público, privado e as
organizações sociais para que a educação pública se torne prioridade nacional,
o que já está dando frutos. A ampliação do acesso ao ensino fundamental, a
crescente inserção de programas de educação integral nas escolas públicas e a
utilização de sistemas de avaliação que ajudam a estabelecer metas e a mensurar
resultados de aprendizado foram pontos essenciais para o desenvolvimento de
políticas públicas mais eficazes na educação.
Divulgado
na semana passada, o National Assessment of Educational Progress , estudo do
Programa de Política de Educação e Governança da Universidade Harvard que
analisa 49 países, mostrou que o Brasil ocupa a terceira posição no ranking
daqueles em que a qualidade do ensino mais avançou entre 1995 e 2009 (de 2000 a
2009 no caso brasileiro). Contudo os brasileiros continuam com desempenho
inferior ao de países que tiveram até retrocesso na qualidade do ensino.
Os
dados resultantes dessa pesquisa convergem com os resultados do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) em 2010, em que o Brasil ocupou o
terceiro lugar em crescimento entre todos os participantes. Mas não se pode
esquecer que saímos do penúltimo lugar, portanto, todos os esforços ainda não
podem ser considerados suficientes para oferecer a crianças e jovens
brasileiros educação pública de qualidade.
Não
há dúvida de que a reversão desse quadro demanda dos investidores sociais
privados sensibilidade para essa questão, tão essencial ao desenvolvimento
humano. Exige ainda um olhar atento para aprofundar o entendimento dessas
informações como ponto de partida para escolhas estratégicas de atuação,
buscando sinergia e potencializando as intervenções, para evitar sobreposições
e fortalecer áreas de ação conjunta.
A
constatação de que o grande avanço na cobertura da educação nesta década não
tem representado maior aprendizado nas competências de alfabetização plena
aponta a necessidade de repensar formas de ensino para os que frequentam hoje
as escolas públicas. Nesse ponto, institutos e fundações empresariais podem ser
parceiros importantes do poder público, contribuindo com o desenvolvimento de
metodologias inovadoras, aproveitando sua possibilidade de trabalhar com
pequenos grupos, sem o compromisso inicial de ganho de escala.
É
necessário ainda estruturar estratégias de mobilização social em favor do tema
e fortalecer ações de advocacy junto ao poder público, com o intuito de
contribuir para dar suporte a boas iniciativas políticas, que passam a ser
respaldadas pela demanda qualificada da sociedade. Torna-se cada vez mais
necessário, tendo em vista a busca por bons resultados educacionais, que os
projetos sejam realizados em estreita parceria com os desenvolvedores e
implantadores das políticas dessa área. Para isso é preciso repensar a forma de
atuação, fortalecendo o trabalho junto às equipes técnicas das secretarias e
deixando o protagonismo para as equipes responsáveis pelas escolas públicas.
Vínculo e aproximação são palavras-chave para que a iniciativa privada
realmente possa contribuir para os avanços necessários.
O
conhecimento dos dados do Inaf aponta para uma reorientação importante na forma
de atuação do investimento social na educação. Sendo essa a área de maior
investimento privado no Brasil, a expectativa de resultados também deve ser
grande. Para isso há que investir com foco em resultados, com a expectativa de
gerar retorno. E o retorno social esperado do investimento na área educacional
é, em primeiro lugar, a boa formação humana das novas gerações, garantido suas
condições de desenvolvimento pleno. E nosso país só será plenamente
desenvolvido se enfrentar seu mais importante desafio, fazendo da educação a
grande prioridade nacional.
*
VICE-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL, É MEMBRO DO CONSELHO DE GOVERNANÇA DO
MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO
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