A bola torta
Na semana passada o Banco Central, seguindo os
rituais associados ao nosso finado regime de metas para a inflação, divulgou
seu Relatório
de Inflação, publicação trimestral que, em outros tempos, foi o
principal canal de comunicação da autoridade monetária com o público. Naquela época
analistas vasculhavam cuidadosamente o Relatório, em particular as previsões
do Copom sobre a evolução esperada dos preços, variável crucial para as decisões
de política monetária.
Nos dias de hoje as previsões do BC atraem bem
menos atenção. Em parte, talvez a principal parte, porque é mais do que claro
que elas deixaram de guiar as taxas de juros determinadas pelo Copom. Em mais
de uma instância, mesmo prevendo inflação acima da meta e crescente, o BC
simplesmente ignorou suas próprias projeções e persistiu na trajetória de redução
da taxa de juros. Por este lado não deveria haver qualquer surpresa quanto ao
fato do IPCA-15, uma medida antecipada do número oficial (o IPCA), ter atingido
a bagatela de 5,8% em 2012, muito distante da meta de 4,5%.
(A propósito, bem me recordo da descrença acerca
da minha previsão sobre a inflação atingir entre 5% e 5,5%, mais perto de 5,5%
do que de 5%. Ironias da vida: quem diria que me revelei, na verdade, um otimista
inveterado, apenas pouco melhor que o otimista invertebrado?).
Pode ser, porém, que a menor atenção devotada às
previsões do BC reflita também ceticismo sobre a qualidade deste número, que
tipicamente tem se mostrado muito mais otimista do que a Poliana que escreve
estas mal traçadas.
De fato, em dezembro de 2009 o BC previu que a
inflação em 2010 atingiria 4,6%; o número final foi 5,9%. Em 2010 a previsão
oficial para 2011 indicava 5%, mas a inflação bateu 6,5%, o teto exato do
intervalo de tolerância. Apesar disso em dezembro daquele ano o BC redobrou a
aposta e prometeu a convergência para a meta, cravando 4,7% para a inflação de
2012, que, tudo indica, deverá ficar mesmo na casa de 5,8%, como adiantado pelo
IPCA-15.
Em três anos consecutivos, pois, o BC errou por
mais de um ponto percentual de diferença (o erro médio é de 1,3 ponto
percentual). Diga-se, porém, que errar a previsão não é, a princípio, nenhuma
grande vergonha, nem o principal tema da discussão.
Caso o BC tivesse por vezes superestimado a
inflação e em outras oportunidades a subestimado diríamos que há problemas com
a precisão das estimativas, mas não um viés. Afinal de contas, como se diz por
aí (e eu, como economista, subscrevo entusiasticamente), fazer previsões é um
negócio complicado, ainda mais sobre o futuro.
Na prática, porém, o que se observa são erros para
um lado só: a subestimação sistemática da inflação. No primeiro caso diríamos
que a bola de cristal do BC está embaçada, como de resto a de todos nós
economistas; já no segundo, eu diria que a bola de cristal do BC não está prevendo,
mas torcendo, o que é muito diferente.
Não é por acaso, portanto que, quando o BC projeta
que a inflação será 4,8% em 2013 (ou mesmo quando promete apenas que será
inferior à observada em 2012) tanto economistas como pessoas normais (a distinção
é intencional) encarem a promessa com visível incredulidade, expressa, por
exemplo, na previsão consensual de mercado para a inflação na casa de 5,5% para
o ano que vem (embora eu acredite que será ainda mais alta).
A triste verdade é que o BC perdeu o controle do
processo inflacionário ao perder as rédeas sobre as expectativas. Caso ache que
vai segurá-las por meio de previsões excessivamente otimistas acerca da trajetória
da inflação está em vias de sofrer um desapontamento amargo. Se quiser
recuperar a mão o passo inicial é reconhecer a extensão do problema, postura
muito diferente da que encontramos no Relatório de Inflação e na comunicação
do BC em geral.
Apesar disso, feliz 2013!
"Para 2014, a projeção encontra-se em torno do valor central da meta em ambos os cenários" |
(Publicado 26/Dez/2012)
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