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domingo, 7 de abril de 2013
O declinio da violencia no mundo - Steven Pinker (OESP)
PRA
Uma chance para a paz em meio ao caos
Antonio Gonçalves Filho
O Estado de S.Paulo, 06 de abril de 2013
Considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela 'Time', o cientista Steven Pinker defende, em 'Os Anjos Bons da Nossa Natureza', que a violência está em declínio na sociedade
Pinker: As formas radicais do Islã estão interferindo na implementação dos direitos humanos
A simples ideia de que houve um declínio de violência no mundo parece um tanto excêntrica quando o que se vê é o crescimento da intolerância. Seja a guerra atômica com a qual o ditador da Coreia do Norte ameaça o resto do planeta ou a volta de bélicos discursos nacionalistas, a humanidade parece ter mais motivos para se preocupar com a violência do que celebrar uma vitória contra ela. No entanto, o cientista cognitivo canadense Steven Pinker, 55 anos, diz que é preciso, de fato, comemorar esse declínio, baseado em seu extenso estudo sobre a queda global da violência, Os Anjos Bons da Nossa Natureza, lançado esta semana pela Companhia das Letras.
Definido pelo inglês Ian McEwan, o autor de Desejo e Reparação, como "um desses cientistas extraordinários que sabem atrair a atenção dos leigos", Pinker foi considerado pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Não sem razão. Seus livros, sempre volumosos, com mais de 500 páginas - entre os quais se destacam Como a Mente Funciona e Do Que É Feito o Pensamento -, entraram invariavelmente nas listas de best-sellers, fazendo de Pinker um cientista tão popular como Carl Sagan ou Oliver Sacks. Em entrevista, por e-mail, ao Sabático, o professor da Universidade Harvard reafirma sua crença numa nova paz mundial, embora admita que não saiba - ninguém sabe - o que vai acontecer num futuro próximo. A despeito disso, ele prevê que a chance de um grave episódio de violência irromper na próxima década (um conflito com mais de 1 milhão de mortes) é de 9,7%.
Inspirado em Kant, que argumentava, em defesa das democracias, que elas não tendem a lutar umas contra as outras, Pinker define essa forma de governo como a ideal para evitar guerras, "pois os comandantes dos países democratas sempre pensarão duas vezes antes de gastar seu próprio dinheiro e sangue numa aventura tola no estrangeiro". Ainda que se possa evocar nomes como Nixon e Bush, é certo que os EUA tomaram outro rumo depois de Obama, o que justifica o otimismo de Pinker.
Embora ateu, Pinker usa anjos no título de seu livro argumentando que, para explicar o declínio da violência, é preciso entender os demônios que nos conduzem a atos sádicos e irracionais, conclamando a intercessão da parte boa de nossos cérebros para os conter. Ideologias, lembra Pinker, são outros mecanismos que nos incitam à violência. Elas, invariavelmente, perseguem uma utopia e tornam as pessoas obsessivas, levando-as a demonizar os opositores e eliminar os obstáculos à frente, sejam eles a classe dominante, os infiéis ou etnias que incomodam.
Um estudo publicado por duas cientistas sociais, Erica Chenoweth e Maria J. Stephan, Why Civil Resistance Works (Por que a Resistência Civil Funciona, 2008), lido por Pinker, certamente teve um peso significativo na elaboração de seu 13.º livro, pois Os Anjos Bons da Nossa Natureza defende tese semelhante: a de que as campanhas de não violência têm obtido melhores resultados que as campanhas políticas bélicas, pois as primeiras tendem a ganhar legitimidade com maior rapidez (especialmente na era da internet). As duas pesquisadoras estudaram dados históricos entre 1900 e 2006 para chegar a essa conclusão. Pinker usa igualmente dezenas de gráficos e estatísticas para provar que a taxa de sucesso de movimentos pacifistas é bem maior que a dos bélicos (75% ante 25%). Pode-se ou não dar razão ao cientista, mas é impossível ignorar esses dados.
Pinker não afirma, é claro, que a violência foi extinta do planeta. Diz, isto sim, que a evolução do comércio, da educação em massa e o respeito às leis fizeram do século 20 um tempo menos violento que a Idade Média, em que direitos individuais eram ignorados e reinava a linguagem do terror, usada pelo fundamentalismo religioso. Ele sabe que a violência talvez jamais seja erradicada, mas é preciso dar uma chance à paz, como pregou John Lennon.
Seu livro mostra uma correlação entre religião e violência, assim como entre a ideologia marxista e o crescimento da opressão no mundo. O senhor diria que a democracia é o único sistema político capaz de garantir a paz mundial?
Não é o único, mas certamente há uma correlação entre democracia e paz. Democracias quase nunca lutam umas contras as outras e parecem menos propensas a lutar fora de suas fronteiras (Pinker diz que o governo democrático "é concebido para resolver conflitos entre os cidadãos pelos ditames consensuais da lei", o que significa que as democracias "devem externar essa ética quando lidam com outros Estados"). Contudo, sob certas circunstâncias, países não democráticos podem igualmente recuar diante da guerra. Desde que a China se tornou capitalista, mas não democrática, ela não participou de nenhuma guerra. É um recorde melhor que o dos EUA.
O mundo já sofreu ameaças de aniquilamento no passado, considerando que enfrentamos o fantasma de uma guerra nuclear mais de uma vez. Ele não desapareceu, pois ainda estamos submetidos à loucura de ditadores como o da Coreia do Norte. O senhor considera possível um diálogo com gente como ele?
A Coreia do Norte parece um exemplo único no mundo em sua insularidade e irracionalidade. Não tenho a menor ideia de como começar esse diálogo com os coreanos do Norte. Provavelmente, a melhor escolha é esperar que a China faça isso (Pinker lembra, no livro, que há dez anos o mundo sabia que a Coreia do Norte iria adquirir capacidade nuclear, partilhando-a com terroristas, e iniciaria uma ofensiva contra a Coreia do Sul, mas observa que, apesar disso, o fim da década chegou e nada aconteceu).
Seu livro mostra um declínio da violência através dos tempos, mas como podemos estar certos disso quando o mundo ainda assiste à violência praticada pelo Estado, como a pena de morte, mesmo em países democráticos e desenvolvidos como os EUA, e testemunha o tráfico de pessoas, a crise econômica que leva ao conflito entre classes e a má-educação, que promove o irracionalismo?
A pergunta, eu diria, está fundamentada num erro matemático. Um declínio na violência significa que a taxa de violência numa época mais recente é apenas mais baixa que em tempos passados. Não significa que a taxa de violência mais recente seja zero.
A tecnologia tornou mais comum a existência solitária e, como consequência, trouxe uma espécie de alienação que pode se transformar em ódio contra o semelhante, o que se vê com certa frequência no bullying praticado via computador. Há, de fato, um risco real de que tecnologias com alto poder destrutivo venham a diminuir as chances de uma paz duradoura. O senhor recomendaria a imposição de limites para a tecnologia?
Não vejo como a tecnologia possa facilitar o bullying. Há 20 anos um molestador podia espancar e insultar uma criança. Agora, se está usando o computador, ele pode apenas insultar. Como é que piorou? Acho que restringir a tecnologia armamentista, como a nuclear, é lícito. Porém, é ilógico falar em estabelecer um limite para a tecnologia. Que vantagem poderia advir de uma restrição aos avanços da tecnologia médica? Ou da tecnologia de computadores? Ou da energia solar? Como poderia essa evolução ameaçar a paz?
No capítulo dedicado aos direitos humanos, o senhor menciona o caso do matemático Alan Turing, criador do moderno computador, vítima do Estado tanto como Oscar Wilde, ambos por serem gays. Muitos países, especificamente do mundo islâmico, ainda conservam leis rígidas contra a homossexualidade e os direitos da mulher. É lícito esperar que esses países venham a respeitar os direitos humanos quando seus cidadãos são submetidos a formas radicais de crença religiosa?
Certamente, as formas radicais do Islã estão interferindo na implementação dos direitos humanos nos países de maioria muçulmana. É impossível dizer quando o progresso vai chegar às nações islâmicas, mas não considero irrealista imaginar que haverá melhorias nas próximas três décadas, graças à globalização e à mídia eletrônica. Os países islâmicos foram os últimos a abolir a escravidão - a Arábia Saudita e o Iêmen em 1962, a Mauritânia em 1980 -, mas resistiram quanto puderam à ideia. A Primavera Árabe trouxe as primeiras democracias ao mundo árabe. As pesquisas de opinião revelam uma enorme demanda pelos direitos das mulheres, mesmo nos mais repressivos países islâmicos. Duvido que eles consigam continuar vivendo na Idade Média para sempre.
No capítulo final o senhor diz que o declínio da violência pode ser o acontecimento mais importante e menos apreciado na história humana e assume que o livro está conectado com seu lado mais otimista. O senhor definiria esse estado mental como resultado de uma mudança mística no mundo, que ainda não fomos capazes de perceber? Um cientista como o senhor não deveria ser cético?
Nas páginas finais do livro explico que o declínio da violência não é produto de nenhuma dialética mística ou de qualquer movimento utópico. É simplesmente o resultado de pessoas tentando melhorar como seres pertencentes a uma coletividade. Violência, de modo geral, é uma atividade inútil - o mal causado às vítimas recai fatalmente sobre o agressor. Quando agressores e vítimas trocam de lugar, todos se beneficiam a longo prazo, se a violência for contida. Gradualmente baixamos essas taxas de violência pelas mesmas razões pelas quais baixamos as taxas de fome e doenças. Usamos nossa experiência para tornar nossas vidas mais agradáveis e produtivas. Não há nada de místico nisso.
OS ANJOS BONS DA NOSSA NATUREZA - POR QUE A VIOLÊNCIA DIMINUIU
Autor: Steven Pinker
Tradução: Bernardo Joffily e Laura Teixeira Motta
Editora: Companhia das Letras (1.048 págs., R$ 74,50)
Trechos - Sobre Tortura
"A tortura na Idade Média não era escondida, negada ou mencionada com eufemismos. Não era apenas uma tática com a qual regimes brutais intimidavam seus inimigos políticos ou regimes moderados extraíam informações de suspeitos de terrorismo. Não irrompia em uma multidão furiosa insuflada de ódio contra um inimigo desumanizado. (...) A tortura integrava a tessitura da vida pública."
Uso de armas nucleares
"Zero é o número que se aplica a uma espantosa coleção de categorias de guerra durante os dois terços de século decorridos desde o fim da guerra mais letal de todos os tempos. (...) Zero é o número de vezes em que armas nucleares foram usadas em conflitos. Cinco grandes potências as possuem, e todas elas guerrearam. No entanto, nenhum dispositivo nuclear foi disparado em um acesso de cólera."
Uma reflexão final
"Sei que por trás dos gráficos há um jovem que sente uma punhalada de dor e assiste à vida que se esvai dele, sabendo que foi despojado de décadas de existência. Há uma mulher que soube que seu marido, seu pai e seus irmãos jazem mortos em uma vala, e que ela dentro em pouco ‘cairá nas mãos de quente e forçada violação’. (...) Com todas as tribulações (...), o declínio da violência é um resultado que podemos saborear."
Um comentário:
Sem ter lido o livro todo, tenho procurado conhecer a tese do Pinker, que certamente merece atenção.
Dentre as milhares de implicações, uma me incucou. Será que essa tendência mundial não nos leva a trazer de volta o bom e velho Hegel? Pinker parece querer evitá-lo como a peste, como se vê na entrevista ("o declínio da violência não é produto de nenhuma dialética mística"), mas acho que não há como. Insistir no Kant não muda o fato de que quem observou uma tendência à crescente solidariedade entre todas as pessoas no âmbito do Estado moderno foi mesmo o sábio de Jena, não o de Koningsberg.
Acho que Pinker está fazendo um esforço enorme para ser visto como único, incomparável a qualquer autor contemporâneo. Só que um aceno a Hegel (autor não mencionado em todo o livro) inevitavelmente o levaria Pinker a ser comparado com o Fukuyama. Mas essa preoucupação é exagerada. A tese dele já é relevante e original o bastante, mesmo que seja identificada com espécie de um gênero bastante atual.
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