Como os companheiros continuam a produzir uma versão falsa do processo ocorrido no Brasil desde 2003, cabe, apenas em defesa da verdade histórica, restabelecer a verdade quanto aos fatos, o que eu fiz na imediata sequência do governo que eles tanto incensam.
O que vai transcrito abaixo é parte de um texto redigido nos meses finais de 2010, revisto no começo de 2011, e publicado nesses boletins digitais com pouca divulgação.
Vai aqui repostado parcialmente, retirando-se considerações metodológicas e de fontes de dados que não carecem de reprodução.
Eu já havia feito um balanço preliminar do primeiro mandato do governo Lula neste artigo:
“Um balanço preliminar do Governo Lula: a grande
mudança medida pelos números”, Espaço
Acadêmico (ano 5, n. 58, março 2006; link: http://www.espacoacademico.com.br/058/58almeida.htm)
Paulo Roberto de Almeida
Balanço
do governo Lula, 2003-2010: uma avaliação não complacente
Paulo
Roberto de Almeida
Economia: avanços e recuos num
quadro mundial em transição
O
que ocorreu no terreno da economia foi uma combinação – rara, com base em declarações
anteriores dos “economistas” do partido – de sensatez com “golpes” enormes de
sorte. O registro histórico das posições do PT em economia prenunciavam o pior
possível na frente econômica, a começar pela desonestidade fundamental em dose
dupla: a de inventar a “tese” da “herança maldita” e a de se atribuir méritos
por apenas ter continuado a política econômica anterior – estigmatizada de
maneira totalmente desonesta como “neoliberal” quando o partido estava na
oposição – sob a roupagem do “nunca antes neste país”.
O
tournant neoliberal começou, é
verdade, ainda antes das eleições, e isto por uma fatalidade do destino: o
assassinato do principal conselheiro econômico do candidato Lula, na pessoa do
prefeito de Santo André, num dos casos mais misteriosos (e talvez mais
escabrosos) da política brasileira, e sua pronta substituição por Antonio
Palocci (que conduziu uma verdadeira revolução copernicana nos pressupostos
equivocados dos “economistas” do partido). Isso não impediu que a “herança
maldita” fosse construída durante a própria campanha eleitoral, um pouco pela
especulação “normal” de Wall Street, outro tanto pelo registro histórico das
posições econômicas esquizofrênicas do PT.
O
preço a pagar pelas bravatas anteriores foi alto, refletido na elevação
imediata dos juros – aliás, pelas mãos do único banqueiro que aceitou servir ao
governo do PT como presidente do Banco Central – e numa taxa de crescimento do
PIB reduzida a 0,5% em 2003. A humilhação para os militantes da causa da
“ruptura” veio também sob a forma do compromisso do ministro da Fazenda com um
superávit primário ainda mais elevado do que o anteriormente acordado com o
FMI, além da própria continuidade do programa de ajuste e empréstimo com a
entidade de Washington, o que certamente aumentou a frustração. Mas a
manutenção (e o aprofundamento) da política econômica herdada do governo
anterior foi a principal e mais importante realização positiva do governo petista,
uma vez que permitiu o clima de confiança que se traduziu no bom acolhimento do
governo pelos mercados internacionais, logo materializado na expansão dos
investimentos estrangeiros.
O que se conseguiu em termos
de crescimento?
Em
termos de resultados efetivos, o governo Lula realizou, em seu primeiro
mandato, de 2003 a 2006, taxas respectivas de crescimento do PIB de 0,5%, 4,9%,
2,3% e 3%, numa conjuntura em que a economia mundial crescia praticamente o
dobro dessas taxas e os emergentes dinâmicos três vezes mais. Registre-se,
porém, que o governo operou uma revisão metodológica nas contas nacionais,
alterando o peso e a composição de indicadores básicos da economia, o que
redundou numa mudança para cima de todas as taxas de crescimento da economia.
Assim, os dados revistos do PIB brasileiro permitiram exibir as seguintes taxas
de crescimento: 1,1% em 2003, 5,7% em 2004, 3,2% em 2005 e 4% em 2006, com a
consequente diminuição do peso da dívida pública e da carga tributária em
relação ao PIB, resultados oportunamente convenientes para melhorar o
desempenho geral da economia. De fato, pelos critérios metodológicos
anteriores, a carga tributária do Brasil já teria alcançado, em 2008, 39,92% do
PIB, uma anomalia pelos padrões internacionais. No segundo mandato, a economia
obteve um bom desempenho, mas a carga tributária continuou aumentando: no
período completo, ela foi de 32,5% do PIB, em 2003, segundo os novos critérios
do IBGE, para 35% do PIB em 2009.
Pode-se
dizer, aliás, que o governo Lula foi bafejado pela sorte e pela demanda
internacional, em especial da China, cuja voracidade por matérias-primas
beneficiou duplamente o Brasil: pelo volume exportado e pelos preços
valorizados (mais este fator, até, do que o primeiro). Por falar em
valorização, uma outra desonestidade intelectual precisa ser consignada: tendo
acusado o governo anterior de praticar “populismo cambial”, os praticantes da
economia “neo-neoliberal” levaram à mais intensa valorização cambial já
assistida no Brasil desde o imediato pós-guerra, trazendo o valor da moeda
brasileira a patamares ainda inferiores às paridades registradas no período
imediatamente anterior à desvalorização e flutuação do início de 1999,
provando, uma vez mais, que todos os políticos no poder adoram praticar
populismo cambial (já que dá a impressão de que todos estão ficando mais ricos,
ademais de ajudar no combate à inflação).
Porém,
o avanço mais efetivo na frente econômica foi, paradoxalmente, o fato de não
ter havido recuo na manutenção dos elementos centrais da política econômica anterior:
metas de inflação (ainda que mantidas em níveis muito elevados, praticamente o
dobro dos índices mundiais); flutuação cambial (com o desconto da valorização
sempre criticada pelos exportadores e industriais) e responsabilidade fiscal
(embora preservada unicamente na era Palocci, e relaxada depois). Os frutos
foram colhidos sob a forma de taxas mais vigorosas de crescimento, de 2005 a
2008.
A
inflação ficou controlada – graças bem mais à atitude responsável do Banco
Central do que ao comportamento fiscalmente irresponsável do governo; mas o
crescimento foi moderado, e a dívida bruta continuou em nível aproximado a 60%
do PIB. O lado mais negativo da história foi o aumento constante da carga
fiscal, convertendo o Brasil numa verdadeira anomalia tributária, para países
com o seu nível de renda: praticamente dois quintos da renda nacional se
dirigem ao Estado, com um retorno pífio em termos de investimento produtivo, e
uma administração de despesas muito deformada do ponto de vista da eficiência na
alocação do orçamento público.
No
segundo mandato, a situação fiscal continuou a se deteriorar, mas o governo foi
mais uma vez bafejado pela sorte, em meio às turbulências da crise
internacional iniciada nos Estados Unidos, em 2008. O crescimento do PIB, ainda
impulsionado pela demanda da China, que permaneceu vigorosa e se alçou à
condição de primeiro parceiro comercial do Brasil, foi, respectivamente, de 6,1% em 2007, de 5,1% em 2008 e de -0,2% em 2009,
tendo alcançado a taxa de 7,3% em 2010, a maior em quase 20 anos. Desta vez, o
Brasil conseguiu fazer melhor do que a média mundial, o que não parecia difícil
em vista da gravidade da recessão nos países avançados. Mas ainda assim permaneceu
aquém do ritmo mais elevado dos emergentes dinâmicos, como a própria China ou a
Índia. Registre-se, igualmente, a manutenção por mais de cinco anos, da mesma
taxa básica de inflação, com o centro fixado a 4,5%, o que significa que o
governo praticamente “encomenda” uma inflação de mais de 5% a cada ano, destinada
a corroer o poder de compra dos rendimentos dos brasileiros.
De
fato, as projeções para 2011 indicam que a pressão inflacionária represada – na
verdade estimulada – pelo governo Lula no final do seu mandato aponta para a
ultrapassagem do teto da banda, ou seja, mais de 6,5%, o que já indica certo
descontrole. A carga fiscal continua a aumentar e os investimentos públicos
permanecem em patamares inferiores às necessidades, com a agravante de que o
governo desvia recursos orçamentários para alimentar empresas públicas – como a
Petrobras – que poderiam tranquilamente se abastecer no mercado comercial de
créditos e financiamentos.
Retirado de:
2188. “Balanço do governo Lula, 2003-2010: uma
avaliação não complacente”, Shanghai, 24 setembro 2010, 6 p. Retomada do
exercício de avaliação global do governo Lula, enfocando, neste primeiro artigo, economia interna e crescimento. Revisto em 23/04/2011, sem a tabela de dados.
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