sábado, 20 de julho de 2013

Concurso da Unesp, 2: Bibliografia (?) para a Vulgata Marquissista Esclerosada, I e II

Já postei aqui uma chamada de concurso para professor de "Ciência Política Contemporânea I e II" junto ao Departamento de Ciências Políticas e  Econômicas, da Faculdade de Filosofia e Ciências do Campus de Marília,
neste post:

sábado, 20 de julho de 2013

Quem quiser saber detalhes burocráticos, leia o Edital:
http://www.marilia.unesp.br/Modulos/Editais/pdfs/Edital-151-2013.pdf

Eu aqui só me ocupo do conteúdo, e fico imaginando como foi a reunião dos professores do Departamento que debateu o programa e a bibliografia (comento mais abaixo).
Um departamento desses, de faculdades de humanidades das ditas universidades públicas, costuma ter entre 10 e 12 professores, metade dos quais não comparece nas reuniões porque está tirando férias acadêmicas no exterior (vulgo pós-doc), um terço tem mais o que fazer e não tem mais saco para comparecer nessas reuniões dominadas pela minoria ativista (que se converte em maioria militante), e mais alguns apresentam algumas desculpas esfarrapadas, e, com metade do corpo "docente", assim se passam as coisas, na minha imaginação claro:

Abre a reunião o encarregado do "concurso".

-- Caros colegas, meus companheiros de Departamento, aqui está o programa do nosso próximo concurso preparado pelo professor Carlos Frederico Marques da Silva. Vejam o que vocês acham:

PROGRAMA:
1. O movimento operário e a democratização liberal
2. A sociedade de massas e a democracia como seleção de dirigentes
3. Intelectuais e planejamento democrático
4. A teoria do totalitarismo
5. A democracia como expressão de conflito de interesses
6. As teorias neo-contratualistas da democracia
7. O marxismo da Internacional Comunista
8. O marxismo da Escola de Frankfurt
9. Teorias do Estado capitalista
10. Teorias da democracia e do Direito no marxismo
11. Marxismo, crise e transição socialista

Todo mundo se concentra um pouco naquele papel ali na frente, ninguém se , o autor e os companheiros do autor da dita peça fixam de maneira intimidante os poucos colegas que poderiam discordar desse conteúdo tão elevado de "Ciência Política Contemporânea, I e II", e para encerrar logo aquela chatice, que deveria ser meramente homologatória, um deles proclama:

-- E aí, todo mundo de acordo? Podemos considerar aprovado?

Um dos dois ou três que tinham ficado de olhos concentrados no papel ousa levantar o dedo e expressar sua opinião:

-- Bem, eu acho que está bem, mas vocês não acham que está um pouco forçado demais no marxismo, no socialismo, com pouca coisa de outras escolas, de outros teóricos, coisa mais contemporânea?

Um da claque marquissista, que já tinha arranjado um companheiro para o concurso, e prometido uma bibliografia e uma banca conforme, ataca logo de cara:

-- Mas o que é que você queria? Que fôssemos ensinar ciência política burguesa aqui? Você gostaria de ter um desses representantes da direita neoliberal no nosso Departamento? Um inimigo de classe?

Responde o colega, já intimidado:

-- Não, não. Eu só estava querendo algo mais diversificado, e também uma mudança de linguagem, para não ficar muito marcado com uma corrente teórica só. Afinal de contas, estamos pedindo um professor de Ciência Política Contemporânea, não de marxismo aplicado. Também acho que a bibliografia...

No que é imediatamente interrompido pelo chefe da tribo dos marquissistas:

-- A bibliografia a gente vê depois. Só estamos querendo aprovar o programa, primeiro.

-- Bom, mas então coloca um pouco de teóricos contemporâneos, gente da escola inglesa, os comparativistas americanos, sei lá...

-- Oh, companheiro: você não viu que já tem esse ponto aqui: Teorias neo-contratualistas da democracia? Isso já permite abrigar alguns teóricos burgueses. Eu acho que está muito bom, o que acham os demais colegas?

Os que compartilham da conspiração se apressam a confirmar:

-- Sim, sim, eu acho que está muito bom. Isso corresponde inteiramente ao que o Departamento vem fazendo nos últimos dez anos. Por que mudar agora? Os alunos gostam...

Vencida a pequena resistência, envergonhada, quanto ao programa, a tribo ali reunida passa para a bibliografia:
O mesmo "dissidente burguês" se limita a contestar alguns títulos inscritos na folha:

-- Vocês não acham que o Althusser já está um pouco ultrapassado? Esse livro nem é de 1999 e sim dos anos 60:
ALTHUSSER, Louis. Sobre a reprodução. Rio de Janeiro: Vozes,1999.

-- Esse aqui, também, me parece um pouco velhinho não é? Esse cara era da linha stalinista do PCF nos anos 1960:
BOCCARA, Paul. Estudos sobre o capitalismo monopolista de Estado: sua crise e solução. Lisboa: Editorial Estampa, 1973.

-- E aqui dois trabalhos do nosso colega que está se aposentando: não seria demais? 
DEL ROIO, Marcos. O império universal e seus antípodas: a ocidentalização do mundo. São Paulo: Ícone, 1998.
______. Gramsci e a emancipação do subalterno. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 29, p. 63-78, nov. 2007.

-- E seis volumes do Gramsci? Não estamos pedindo demais aos candidatos?
GRAMSCI, Antonio. Os cadernos do carcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999- 2002. 6 v.

-- Peraí; essa monumental coleção do Hobsbawm já tem em Português; por que uma edição italiana, língua que poucos dominam na nossa área? O pessoal está mais acostumado com o Português mesmo!
HOBSBAWM, Eric et alli. Storia del marxismo. Torino: Einaudi, 1978-1983. 4 t.

-- E mais, Lucaks em italiano, também?! Não tinha uma edição brasileira, ou em espanhol?
LUKACS, Georg. Ontologia dell’essere sociale. Roma: Riuniti, 1972.

-- Opa! Vocês estão brincando: quatro volumes do Mao??!! Quem é que lê Mao hoje em dia?
 MAO-TSE-TUNG. Obras escolhidas em 4 volumes. São Paulo: Alfa-Ômega, 2002.

-- Esse cara aqui já foi um grande marxista alemão dos anos 1960, mas depois se reconverteu. Não tinha algo mais recente dele?
OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

-- Poulantzas? Eu já li o Poulantzas, mas sinceramente, acho que está um pouco ultrapassado, como o Althusser. Essa bibliografia tem títulos muito antigos, de mais de 40 anos atrás, não tinha coisa mais recente?
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
______. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes 1977.
POULANTZAS, Nicolas; MILIBAND, Ralph; MELO, Lúcia Maria. Debate sobre o Estado capitalista. Porto: Afrontamento, 1975.

O líder da máfia, já começou a perder a paciência:

-- Oh companheiro, se você tiver coisa mais recente pode propor, mas essa lista já foi feita e circulou no mês passado, e você vem contestar agora? Já devia ter feito antes. Viemos aqui para aprovar o concurso, não para debater coisas que já deveriam ter sido encaminhadas ao Departamento.

E imediatamente engrena:

-- Meus caros, podemos votar? Quem está de acordo com o programa e a bibliografia?

Resultado:

-- Bem: 5 a 2 pelo programa, aprovado, podemos sair de férias...

Não sei se foi assim, mas deve ter sido algo próximo disso, e acho que nem deve ter tido discussão sobre a bibliografia, pois os "gajos dissidentes" já tinha percebido que seria inútil debater com os companheiros.

E fica por isso mesmo?
A Unesp-Marília não tem nada a comentar sobre a farsa?

Paulo Roberto de Almeida
20/07/2013)

Um comentário:

  1. Sobre a decadência do marxismo e do comunismo, nada. Esses departamentos são, hoje, o último reduto dos marxistas.

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