Projeto de regulamentação da profissão de historiador é acusado de promover monopólio corporativo. Seus defensores querem que alterações sejam feitas depois da aprovação
As críticas ao Projeto de Lei 4.699/12, que regulamenta a profissão de historiador, ganharam essa semana reforço de três importantes instituições internacionais. O Comitê Executivo da Sociedade de História da Ciência (History of Science Society), a Sociedade de História e Epistemologia das Ciências da Linguagem (Société d'Histoire et d'Épistémologie des Sciences du Langage) e a Real Sociedade Histórica (Royal Historical Society) divulgaram manifestos em apoio a diversas sociedades científicas e associações profissionais brasileiras que já haviam se posicionado contra a aprovação do projeto.
Apontada como arbitrária e excludente, a proposta é também acusada de promover um monopólio corporativo. Os defensores das novas regras, no entanto, consideram as críticas injustas e propõem que as alterações sejam apresentadas depois de sua aprovação. No Brasil, já se manifestaram contra as novas regras a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Comitê Brasileiro de História da Arte , a Sociedade Brasileira de História da Educação e a Sociedade Brasileira de História da Ciência.
O projeto de lei ganha cada vez mais opositores porque estabelece que apenas portadores do diploma de história - graduação ou pós-graduação - poderão dar aulas de história, em qualquer nível. Também seriam de sua exclusiva competência as tarefas de organizar informações para publicações, exposições e eventos, bem como elaborar pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos.
Existem, entretanto, diversas áreas de pesquisa e ensino como história da ciência, da medicina, da física, do direito, da arte, da filosofia, da literatura, da educação e história militar, entre várias outras, que são desenvolvidas por profissionais de outras áreas. Com esse entendimento, a SBPC e a ABC encaminharam, no dia 10 de julho, carta aos deputados federais solicitando que a tramitação fosse interrompida. A proposta das entidades é de que se promovam amplos debates e audiências públicas com toda a sociedade brasileira. De acordo com o documento, o projeto poderá trazer sérios prejuízos ao Brasil e ao ensino superior de inúmeras disciplinas.
Procurada pela reportagem do Jornal da Ciência, a diretoria da Associação Nacional dos Professores Universitários de História (Anpuh), se manifestou por e-mail. A associação considera as críticas injustas e se defende afirmado que o intuito das normas não é restringir ou controlar uma área de conhecimento, mas apostar na valorização dos cursos universitários específicos para formação de historiadores. A alegação é de que o projeto de lei já foi amplamente discutido entre os historiadores, inclusive junto aos historiadores da educação, da ciência, da arte, entre outras áreas específicas, muitos deles, segundo a diretoria, sócios da Anpuh-Brasil.
"A diretoria da Anpuh entende que algumas iniciativas para aperfeiçoar a lei podem ser apresentadas, mas depois da sua aprovação, para que não se percam os esforços despendidos até agora" diz a mensagem encaminhada ao Jornal da Ciência.
A entidade avalia que existe uma incompreensão quanto ao projeto: a regulamentação incide sobre o ofício e não sobre os seus resultados - ele não define como trabalhos historiográficos apenas aqueles produzidos pelos profissionais. O projeto de lei regula o exercício da profissão, vinculando-a à formação específica. Ele não regula o juízo acadêmico sobre obras, argumentos, reflexões e posicionamentos acadêmicos.
Diante da polêmica, o autor da proposta, senador Paulo Paim (PT-RS), argumenta que em nenhum momento foi proposto que historiadores profissionais tenham exclusividade na formulação e divulgação de narrativas históricas. "Defendemos sim que os professores de história realizem alguma etapa de sua formação em história (na graduação ou na pós-graduação), já que acreditamos que nossos alunos do ensino básico devem ter o direito de aprender com docentes qualificados e possuidores de conhecimentos e habilidades específicas nas áreas que lecionam", defende.
Manifestos nacionais e internacionais - De acordo com carta aberta divulgada no dia 14 de agosto pela Royal Historical Society, a história não é um serviço técnico, cujos limites possam ser estritamente definidos pelas instituições de ensino superior ou outras instituições certificadoras. "É um empreendimento crítico, avaliativo, interpretativo. Sua livre prática é vital para o funcionamento de uma sociedade livre e saudável", avalia a principal associação da Grã-Bretanha dedicada à promoção e defesa do estudo acadêmico do passado.
O Comitê Executivo da Sociedade de História da Ciência (History of Science Society - HSS), a maior e mais antiga sociedade do mundo dedicada à história da ciência e suas relações sociais e culturais, também se manifestou. De acordo com o texto divulgado, o comitê compreende a intenção de tal lei - manter os altos padrões da profissão do historiador - mas acredita que ela terá um impacto negativo no ensino da história da ciência. "Negar aos historiadores da ciência com educação formal fora da história a mesma condição e oportunidades daqueles que possuem diplomas em história faria a história da ciência retroceder, tanto no Brasil quanto internacionalmente.", diz o texto.
Outra manifestação internacional foi feita pela Sociedade de História e Epistemologia das Ciências da Linguagem (S.H.E.S.L. - Société d'Histoire et d'Épistémologie des Sciences du Langage), que conta com pesquisadores de 24 países diferentes. A sociedade divulgou no dia 10 de agosto, em Paris, um texto no qual pede a anulação do projeto.
A Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) considera a proposta arbitrária. De acordo com o manifesto, ao fixar a titulação em história como condição sine qua non para o exercício do ofício de historiador, a proposta nega aos educadores por titulação a possibilidade da narrativa da sua própria história, a partir de temas e questões que afetam a área e também as suas vidas.
Para a Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) a proposta não prevê com clareza casos específicos como os dos historiadores das ciências, assim como dos historiadores da educação, da arte, entre outros, que possuem entre seus quadros, profissionais com larga experiência, mas sem diplomas específicos.
O Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA) também se posicionou sobre o assunto. A entidade está recolhendo assinaturas para um abaixo-assinado que pede a revisão imediata do projeto de lei. O comitê também encaminhou carta aos deputados federais com críticas à proposta, onde afirma que o projeto de lei viola os direitos de grande número de cidadãos brasileiros e não pode ser aprovado. O texto pede reflexões cuidadosas dos deputados e pede apoio para que sejam feitas emendas ao projeto.
(Mario Nicoll e Edna Ferreira / Jornal da Ciência)
Esta matéria está na página 4 do Jornal da Ciência impresso que pode ser acessado pelo endereço http://www.jornaldaciencia.org.br/impresso/JC743.pdf
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