Durante os tempos do nunca antes -- atenção, eles ainda não acabaram, e parecem dispor de um brilhante futuro pela frente, com direito a repeteco, para infelicidade da nação, e a maior felicidade dos companheiros -- muito ouvi, li e contemplei o guia genial dos povos dizer, não uma ou duas vezes, mas incontáveis vezes, que o Brasil deveria reorientar o seu comércio para uma tal de "nova geografia do comércio internacional", pois não deveria, aliás não poderia ficar "dependente do comércio com os Estados Unidos e os outros países ricos".
Nunca ouvi, ou li, besteira maior em termos de comércio internacional, mas isso fundamentou ainda outras besteiras maiores, como uma tal "substituição de importações" em favor de países menores do que nós, mais pobres, coitados, de quem deveríamos importar mais, mesmo se a custos maiores.
Sim, essa foi a segunda maior besteira que já ouvi em matéria de "teoria" do comércio internacional: em função de uma tal "diplomacia da generosidade" -- não sei se existe nos anais da diplomacia mundial, mas é mais uma de nossas geniais contribuições ao engrandecimento moral da humanidade, uma das jabuticabas que infelizmente nos tornam ridículos aos olhos do mundo, alimentadas pelos companheiros -- o Brasil deveria importar mais dos vizinhos, mesmo se tivesse de pagar mais caro por isso.
Ou seja, o guia genial dos povos recomendava aos empresários que importassem produtos de menor qualidade e a preços mais caros, apenas para se encaixar na sua "diplomacia da generosidade". Não sei se algum empresário maluco fez essa bobagem, provavelmente não, pois eles prezam mais os seus lucros (como deve ser), do que recomendações alopradas como essas. Mas o governo fez, e continua fazendo, esse tipo de coisa: não é por nada que estamos construindo um belo porto numa ditadura caribenha, que aliás nunca será pago (e posso apostar isso).
Enfim, nesses tempos malucos eu escrevi um pequeno trabalho sobre a tal de "dependência", que acabou passando despercebido, pois nunca foi publicado em qualquer veículos, mas apenas divulgado neste blog.
Como ando revisando minhas listas de trabalhos, creio que este (de 2007, e apenas postado em 2010) merece repostagem.
Sinal de que as bobagens continuam se acumulando e não são corrigidas com a experiência do tempo passado. Enfim, o que é que vocês querem? Os companheiros não estudam, assim que não podem aprender nada de novo.
Aqui vai, sem mexer em nada...
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 2/02/2014
A Dependência Diplomática e os
Interesses Nacionais
Notas esparsas
Paulo Roberto de Almeida
A
interdependência econômica é um fato irrecorrível do mundo contemporâneo. Mesmo
nos momentos de maior abertura econômica internacional, correspondendo aos
“anos dourados” do capitalismo triunfante da belle époque – grosso modo, entre o último quinto do século XIX e
os três primeiros lustros do século XX – o mundo nunca foi tão interdependente
como agora.
Havia, obviamente, naquela época, mais liberdade do que
hoje: para a circulação de capitais, de pessoas e de investimentos diretos, mas
o comércio de bens era essencialmente um intercâmbio entre bens finais,
correspondendo à centralização e à verticalização da produção.
Atualmente, o comércio se faz basicamente dentro dos
mesmos ramos industriais, em grande medida intra-firmas, e se concentra nos
bens intermediários, ou partes e acessórios que serão assemblados em locais por
vezes muito diferentes daqueles que produziram os componentes, sendo que as
atividades de design, marketing e controle das operações se fazem nas sedes das
empresas, onde muito provavelmente o produto físico final jamais é visto ou
manipulado. Ele será, se tanto, objeto de contabilidade empresarial.
Isto significa, essencialmente, que o mundo se tornou
quase tão plano quanto possível, pelo menos ao nível dos processos produtivos e
das operações dos grandes conglomerados multinacionais. Infelizmente, talvez,
para as pretensões de Tom Friedman, o mundo não é plano no que se refere a
normas, regulamentos, políticas setoriais e sobretudo para a plena circulação
dos fatores de produção que poderiam se disseminar com muito maior rapidez,
fossem as fronteiras realmente livres – um borderless
state, como pretendia Kenichi Omahe – e as regras de comércio internacional
aplicáveis de maneira uniforme pela maioria dos países.
Enquanto economistas sensatos são entusiasticamente a
favor de sempre maior liberalização comercial, políticos ditos “sensatos”
insistem nas velhas receitas protecionistas. Ainda assim, o protecionismo tornou-se
basicamente setorial nos países desenvolvidos – tocando a agricultura e algumas
velhas indústrias com alguma sensibilidade empregadora. Nos países em
desenvolvimento, ele é bem mais disseminado, cobrindo inclusive as ditas
políticas setoriais, supostamente favoráveis ao “desenvolvimento nacional”.
O fato é que as melhores políticas setoriais são aquelas
de caráter universal e horizontal, cobrindo basicamente educação, capacitação
técnico profissional da mão-de-obra e investimentos em ciência e tecnologia e
infra-estrutura, de modo amplo (inclusive os marcos legais responsáveis por um
bom ambiente de negócios). Os países que mais prosperaram, nas últimas décadas
(ou mais), são aqueles que asseguraram, ao mesmo tempo e de forma sólida, a
manutenção dos seguintes requerimentos:
1) estabilidade macroeconômica
2) microeconomia competitiva
3) instituições de governança market-friendly
4) alta qualidade dos recursos humanos
5) abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros
Ainda no terreno da interdependência econômica, existe
uma nítida correlação entre o coeficiente de abertura externa – isto é,
comércio exterior total sobre o PIB – e os níveis de renda e riqueza de um
país. Com a possível exceção dos EUA – que apresentam pequeno coeficiente, mas
apenas porque seu mercado interno é imenso, sendo ainda assim um país
tremendamente aberto ao comércio internacional – e do Japão – aqui por estrito
nacionalismo econômico, o que atua em seu detrimento, mas que ainda assim
constitui uma economia basicamente voltada para a competição externa baseada na
qualidade –, todos os países mais prósperos do mundo apresentam alto grau de
abertura externa.
O Brasil se situa, infelizmente, em menos da metade da
média mundial e tem ainda um longo caminho no sentido de construir a sua
interdependência econômica, o que deve ser assegurado, essencialmente, por
empresas nacionais internacionalizadas.
Portanto, quanto mais o Brasil for interdependente das
trocas internacionais, menos dependente ele será das alterações dos mercados
internacionais. Ser interdependente garante, de fato, a independência nacional.
Este fator é verdadeiro inclusive no plano financeiro.
Tivesse o Brasil um fluxo de comércio internacional – em ambos os sentidos –
que representasse o triplo dos níveis atuais, ele não necessitaria acumular um
volume tão alto de reservas internacionais
-- mais de um ano de importações, quando os economistas recomendam três
meses em média –, o que representa altos custos em termos fiscais. Um alto fluxo,
contínuo, de pagamentos de fatores é a melhor garantia que um país pode ter em
caso de crises, juntamente com um comércio diversificado, tanto em sua
composição quanto na cobertura geográfica.
No plano político, o Brasil deveria manter um diálogo de alto
nível com os principais parceiros dos seus intercâmbios comerciais, de
serviços, financeiros e monetários, que são, obviamente, as potências
econômicas mundiais. A busca de arranjos ad hoc com países em desenvolvimento
perpetua políticas defensivas, restritivas, protecionistas e basicamente
estatizantes, quando o que se persegue é um setor privado vibrante e dinâmico,
capaz de dialogar de igual para igual com as grandes empresas mundiais. Os
esquemas negociadores que pretendem juntar os “países em desenvolvimento” em
torno de plataformas comuns são essencialmente self-defeating e equivocados, pois que reduzindo os interesses
nacionais do país a um conjunto muito modesto de interesses setoriais –
geralmente concentrados em produtos de menor elasticidade-renda e de
crescimento vegetativo no plano do comércio internacional – quando o interesse
do país se encontra na diversificação da sua produção de manufaturados, os de
maior dinamismo nesse comércio.
Grupos como o G-77, G-20 ou o grupo dos sul-americanos
são contraditórios por sua própria natureza. Grandes países, com pretensões a
uma política externa verdadeiramente independente, não amarram seus interesses
exclusivamente a um grupo específico, e sim mantêm uma estratégia
multifacética, feita de táticas diferentes para cada questão objeto de
negociação. Exemplos disso são a China e a índia, que acompanham o Brasil no
G-20, mas não deixam de se inserir em outros grupos também, por vezes de
interesse diverso e até contraditório com o G-20, mantendo absoluta
independência de ação, sem qualquer concessão a uma pretensa “solidariedade
entre países em desenvolvimento”. Isto é uma ilusão profunda da política
externa brasileira, que vem prejudicando os interesses dos seus setores
produtivos mais dinâmicos.
Em uma palavra: o interesse nacional não se defende com
posições principistas, sobretudo ideologicamente motivadas e eivadas de
preconceitos contra os países desenvolvidos, mas sim com posições pragmáticas
que contempla, basicamente, as estratégias de crescimento das próprias empresas
baseadas no território nacional – nacionais ou estrangeiras – e não a de
políticas ditas “nacionais”, ilusoriamente classificadas como de
“desenvolvimento”, quando elas respondem unicamente aos desejos de burocratas
governamentais.
Uma palavra retorna de forma recorrente em certos
discursos políticos para justificar algumas políticas equivocadas no plano
econômico externo: a de “soberania”. Pretende-se, como se diz, favorecer a
inserção econômica internacional do Brasil, com a “preservação da soberania
nacional” (sem mencionar que, ao mesmo tempo, se impulsiona a integração
regional de forma exacerbada e até irracional, o que é uma alienação de
soberania evidente, e portanto totalmente contraditória com aquele primeiro
objetivo).
Descartando o fato de que soberania não se defende
retoricamente e sim na prática, cabe registrar que a melhor defesa da soberania
nacional está no fortalecimento da base econômica nacional, o que só se obtém
através de uma internacionalização ativa da economia nacional, por mais
contraditório que isso possa parecer. Soberania são empresas nacionais capazes
de competir globalmente, não um Estado “extrator” de todas as energias
nacionais por uma taxação exagerada e uma regulação intrusiva que impede as empresas
de se concentrar naquilo que elas devem fazer prioritariamente: competir em
todos os mercados, nacionais e internacionais.
Seria preciso libertar a diplomacia da “dependência”
anacrônica de idéias requentadas de outras épocas, como um cepalianismo démodé, um nacionalismo velhusco, e um
protecionismo visceral. Uma diplomacia ideologicamente dependente é a melhor
garantia de que o Brasil vai continuar arrastando-se penosamente em direção à
modernidade, impulsionado, certo, por empresários dinâmicos, mas que precisam
competir com uma bola de ferro amarrada aos pés, representada por políticas
setoriais ultrapassadas e inadequadas aos nossos tempos de globalização.
Por fim, seria preciso libertar o Brasil, também, da
dependência de programas grandiosos, e em grande medida retóricos, de
integração continental, como a chamada Unasul – de inspiração chavista – e
fazê-lo concentrar-se em projetos pragmáticos favorecendo a liberalização
comercial recíproca no continente. Seria preciso, igualmente, superar a
dependência estrita de grandes acordos multilaterais - que são bem mais difíceis de serem
concretizados – e adotar uma estratégia múltipla de acordos talvez mais
limitados, mas de ganhos concretos em mercados setoriais.
Colocar todas as suas cartas em uma única cesta nunca foi
a melhor tática, em qualquer terreno que se pense. Quanto mais liberdade
dispuser o país, e isso implica, em primeiro lugar, em liberdade “mental” para
conceber novas políticas, menos dependente diplomaticamente será o Brasil.
18.09.2007
Nenhum comentário:
Postar um comentário