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domingo, 18 de maio de 2014

Concurso do FMI: alguns comentários pessoais - Paulo Roberto de Almeida

O FMI anunciou um concurso, como vocês podem ver nesta postagem que efetuei anteriormente:

sábado, 17 de maio de 2014

- See more at: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/05/estudante-universitario-uma-boa-redacao.html#sthash.XrYb0HhW.dpuf

Sem pretender, e sem poder concorrer, ainda assim o tema me interessou. Mas, como só podia ser uma redação de 500 palavras, acabei escrevendo um pouco mais do que isso, mas acredito que os candidatos encontrarão o seu próprio estilo e preferências. Como sempre escrevo demais, eu também seria eliminado por isso.
Boa sorte, em todo caso...
Paulo Roberto de Almeida

Como construir um futuro melhor para a América Latina

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 17-18 de Maio de 2014

Tomei conhecimento, recentemente, deste concurso aberto pelo FMI, voltado para estudantes universitários (o que eu não sou mais), e destinado a selecionar cinco felizardos (ou respondedores merecedores) para um estágio na capital americana, à condição que a redação oferecida em respostas às questões colocadas abaixo seja considerada boa o bastante – na verdade teria que ser excelente – para corresponder ao prêmio oferecido. Creio que se trata de uma boa oportunidade para estudantes brasileiros, sobretudo porque oferecem inclusive a possibilidade de que a redação possa ser feita em Português. Suponho que tenha de ser em bom Português, ademais de certa consistência na argumentação, ou perfeita adequação do argumento às questões que foram colocadas. Leiam:

Concurso do FMI: 8 de março a 30 de maio de 2014
Prazo para envio da redação:
30 de maio de 2014, para o endereço: ConcursoFMI@imf.org

Como parte dos preparativos para as Reuniões Anuais de 2015, que serão realizadas em Lima, o FMI convida os estudantes universitários latino-americanos a escreverem uma redação curta (500 palavras) sobre o tema “Como construir um futuro melhor para a América Latina”. A redação deverá focalizar a opinião dos jovens sobre os temas e desafios que afetam as futuras gerações e suas possíveis soluções. O concurso está aberto a estudantes de vários países da região. Os idiomas oficiais são espanhol, inglês e português.

A redação deve ser estruturada em torno das seguintes perguntas:
i) Quais são, na sua opinião, os três maiores desafios que a região enfrenta?
ii) Qual é o tema que mais o preocupa sobre seu futuro?
iii) O que você e sua geração podem fazer hoje e nos próximos 10 anos para melhorar as perspectivas para sua região?


Não posso, como disse, participar do concurso, mas talvez possa oferecer algumas sugestões de redação aos candidatos, ou seja, aos estudantes interessados em apresentar suas redações de até 500 palavras sobre o tema geral e sobre as questões em especial. Não o faço com a intenção de sugerir a ninguém que copie as minhas propostas, mas apenas porque o tema me interessa e apresenta para mim o desafio de sintetizar uma vida de leituras, de estudo e de reflexões sobre a América Latina e o seu não desenvolvimento, eventualmente tocando nos pontos certos (não eventualmente aqueles esperados pelos organizadores, ou revisores das revisões, mas pelo menos aqueles que eu mesmo considero como corretos, ou necessários). Vejamos, portanto, o que eu poderia oferecer como sugestão.

Como construir um futuro melhor para a América Latina
A própria formulação do título já deixa supor, ou entender, que o passado, certamente, e o presente, possivelmente, não foram os melhores possíveis; ou seja, para haver um futuro melhor para a região, algumas coisas, certamente, ou mesmo muitas coisas, possivelmente, devem ser mudadas, novas políticas devem ser implementadas e diversas medidas precisariam entrar em vigor, imediatamente, em médio prazo e de forma contínua, para que o continente deixe de ser o marasmo que foi nas últimas décadas, de fato no último meio século, com seus altos e baixos em termos de crescimento, diversos surtos hiperinflacionários, planos frustrados de estabilização, trocas de moedas, calotes nas dívidas interna e externa, fuga de capitais, desvalorizações cambiais, desinvestimentos, dezenas de ministros de economia substituídos, sem falar de alguns golpes de estado e mudanças de regime completas (nem sempre para melhor).
A recomendação efetuada – “A redação deverá focalizar a opinião dos jovens sobre os temas e desafios que afetam as futuras gerações e suas possíveis soluções.” – também traduz esse sentido de urgência e frustração, pois desafios e soluções são termos que só se empregam quando existe uma percepção de carência quanto às políticas e resultados “normais”, ou considerados satisfatórios. Essa percepção não deveria surpreender, pois é um fato que a América Latina acumulou tantas carências sociais, e tantas políticas econômicas equivocadas, ao longo desse último meio século, que a conclusão a ser tirada dos diversos itinerários nacionais só pode ser a de um fracasso rotundo, ou pelo menos de insuficiências repetidas (embora existam exceções, mas depois dos referidos fracassos, como já referido). Vejamos agora as questões a que devem responder os candidatos.

i) Quais são, na sua opinião, os três maiores desafios que a região enfrenta?
Se dependesse exclusivamente de mim, eu diria apenas isto: educação, educação, educação, ponto. Com educação de qualidade, os próprios latino-americanos  poderiam resolver os seus problemas, e não precisariam da ajuda de nenhum organismo multilateral – seja ele o FMI, o BIRD, o BID, a ONU, ou qualquer outro – para ajudá-los a encontrar soluções feitas sob encomenda ou por sugestão de tecnocratas nacionais ou “multilaterais”. Como aparentemente o continente carece de pessoal capacitado, os tecnocratas estrangeiros se apresentam para “ajudá-los”, das mais diversas maneiras, inclusive promovendo concursos para estudantes. Talvez cabeças frescas, livres do peso da influência nefasta (ou pelo menos ultrapassada) de “economistas mortos”, possam oferecer novas soluções para velhos problemas, que são os mesmos: pobreza, miséria, pobreza, desigualdade, pobreza, distorções nas políticas econômicas, pobreza, corrupção, má governança, desrespeito às leis, violência criminosa, pobreza...
De toda forma, os problemas da região são muitos, mas uma má abordagem – de quem quer que tenha concebido a ideia do concurso e formulado as questões – seria começar por unificar a região num mesmo conjunto supostamente uniforme, a partir do qual o mesmo conjunto de prioridades devesse ser desenhado para responder a problemas e desafios supostamente iguais, ou pelo menos similares. Esse tipo de tratamento unificado simplesmente não funciona, pois a região não pode ser vista como um bloco dotado de características similares, com problemas e desafios mais ou menos semelhantes, aos quais devessem ser aplicado o mesmo conjunto de diagnósticos e, em seguida, um conjunto relativamente homogêneo de prescrições resolutivas. Isto é o que fazem burocratas externos à região, numa intensidade efetivamente bem maior em regiões e continentes mais atrasados, do que propriamente na América Latina.
O economista – ex-Banco Mundial – William Easterly acaba de publicar um livro, The Tyranny of Experts, que fala justamente dessas soluções prêt-à-porter, feitas justamente com essa intenção de resolver problemas de outros povos, mas que acabam atrapalhando a busca de soluções pelo próprio povo, no exercício de suas liberdades. Pois bem, independentemente da qualidade dessas expertises impostas de fora, e do fato que o continente não é um só, e não poderia receber soluções uniformes para problemas tão diversos entre os países, vejamos quais seriam os três grandes desafios para a média dos países da região:
1) Falta de educação de qualidade
2) Falta de boa governança
3) Falta de abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros
Como a redação necessita ser de apenas 500 palavras, não seria possível desenvolver em detalhes cada um dos desafios, mas algumas considerações são importantes, já que o candidato não vai perder tempo, como eu fiz, com comentários iniciais muito longos ou reproduzindo os termos do concurso ao início deste texto. O que poderia ser dito, portanto, sobre cada um das questões apontadas?
Não há novidade nenhuma na constatação de que, com algumas diferenças nos níveis, a qualidade da educação na América Latina é genericamente desastrosa em quase todos os países, em todos os níveis, e igualmente má no setor público ou na rede particular de ensino. Não se trata tão somente de falta de prioridade entre as elites e o próprio povo, mas de critérios deformados de formação de mestres e professores e de ausência quase total de controle de qualidade quanto aos conteúdos didáticos e as pedagogias selecionadas. O setor mereceria uma grande revolução, o que está longe de acontecer, inclusive porque ele é dominado por sindicatos comprometidos unicamente com a remuneração uniforme para todos os seus afiliados, sem qualquer concessão a critérios meritocráticos ou correlação com os resultados.
A governança é um conceito amplo que, posto em sua formulação mais simples, significa um governo capaz de oferecer serviços à população ao menor custo possível. No seu sentido amplo implica uma política econômica capaz de produzir crescimento sustentado, sobre a base de estabilidade de regras, baixa inflação, ambiente favorável aos negócios, respeito aos contratos, baixa taxação, infraestrutura adequada, justiça funcional e rápida e outras condições macro e micro compatíveis com a expansão da produtividade do sistema produtivo e a manutenção da competitividade do país. A experiência acumulada em anos e décadas de políticas econômicas equivocadas na América Latina deveria ensinar aos dirigentes atuais quais as que funcionam e quais aquelas condenadas inevitavelmente ao fracasso. Basta olhar para alguns países e seus indicadores econômicos e sociais para constatar quais são umas e quais são outras.
No que tange a abertura externa, trata-se igualmente de simples bom senso e uma rápida constatação visual: países abertos, grandes comerciantes, são, em geral, os mais ricos e prósperos, ao passo que os fechados vegetam no baixo crescimento e no atraso tecnológico. Não deveria haver muitas dúvidas quanto a isso tampouco.

ii) Qual é o tema que mais o preocupa sobre seu futuro?
Como estudante, deveria ser a possibilidade de encontrar emprego e poder ascender profissionalmente. Como cidadão, poder eleger políticos decentes, não corruptos, que saibam administrar um país a partir de políticas sensatas. Como futuro aposentado, gostaria que a aposentadoria oficial não fosse à falência antes do prazo, ou que as aposentadorias complementares não corressem o risco de quebra ou fraude. Como as duas últimas condições são extremamente aleatórias, volto à primeira, que por acaso se aproxima da minha prioridade educacional: com uma boa educação, posso conseguir um bom trabalho e aumentar o meu valor de mercado, o que corresponde, imagino, às aspirações que todo jovem estudante deveria ter. Mas, para que essa educação seja colocada a serviço de minha prosperidade pessoal, seria preciso que o país oferecesse as condições adequadas para um crescimento sustentado, o que nos faz voltar às outras duas prioridades, a boa governança e a abertura do país ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros diretos. O círculo se fecha e temos, portanto, prioridades que se casam com as expectativas futuras.

iii) O que você e sua geração podem fazer hoje e nos próximos 10 anos para melhorar as perspectivas para sua região?
A condição básica, no plano individual, é ter uma consciência adequada dos problemas do país, e preparar-se para colaborar na sua resolução. Em primeiro lugar, sendo um bom estudante, obter bons resultados e colocar a capacitação adquirida a serviço de meu próprio futuro, o de minha família, e o do país. Ao votar, saber escolher políticos não corruptos – talvez seja um pouco ilusório pedir que eles sejam ademais competentes? – e cobrar-lhes resultados, pelo acompanhamento de seu trabalho. Em terceiro lugar, tentar alguma participação cidadã, seja na escola, nas associações de pais e mestres, nos clubes de cidadania, ou em partidos políticos, o que for. Estas seriam tarefas básicas, de aplicação permanente e observância regular.
Numa perspectiva de dez anos, caberia uma reflexão de caráter estratégico, e talvez a elaboração, em bases individuais ou coletivas (via partido político, por exemplo), de algum plano de ação que melhorasse a qualidade de vida ou dos serviços públicos em alguma área de concentração pessoal, por identificação profissional, ou interesse pessoal. Mas, seria preciso não manter sonhos irrealistas, como essa de que minha geração vai fazer algo para a região: essa é uma perspectiva ilusória, pois ninguém trabalha com sua geração ou na sua região. Todos atuamos num círculo menor de pessoas, de grupos mais limitados, e localmente, nunca nacionalmente ou em escala regional. A perspectiva pode até ser nacional, mas a atuação sempre é local, em escala limitada à nossa capacidade de intervenção.
Ser realista não é uma opção, mas uma necessidade. Simples assim.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 18 de maio de 2014. 

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