terça-feira, 1 de julho de 2014

Argentina, muy amiga? - Senadora Katia Abreu

Muy amiga

ESCREVI NESTA coluna, ainda em fevereiro, sobre as dificuldades econômicas e políticas enfrentadas pela Argentina. Defendi que é interesse do Brasil apoiar, de alguma forma, o país vizinho. Mas isso não significa que a interdependência das duas economias venha a determinar as escolhas do Brasil na condução de sua política de comércio exterior.
Não por acaso, o conceito de amizade consagrado pela filosofia grega fala em “igualdade harmônica”. Em se tratando de comércio internacional, nada mais atual. É o que o Brasil deve buscar em sua relação comercial com as nações amigas.
Desde 2000, temos um entendimento com os sócios do Mercosul de negociar, em conjunto, acordos comerciais internacionais. Isso fazia sentido no contexto da criação de uma união aduaneira. Passados 23 anos, porém, o comércio intrabloco não está totalmente livre e a tarifa externa comum está repleta de exceções às regras do Mercosul.
Enfim, nossa caminhada rumo ao mercadocomum não ultrapassou sequer as primeiras fases de livre-comércio e união aduaneira.
É nesse contexto que, desde o ano passado, a Argentina impede que os sócios do Mercosul negociem em separado, com a União Europeia (UE), suas listas de produtos livres de impostos no comércio bilateral. Insiste numa oferta conjunta com o Brasil, o Paraguai e o Uruguai que nunca chegou aos critérios mínimos acertados entre as partes.
As negociações teriam muito mais chance de avançar se cada um apresentasse a sua lista, em separado. O próprio Mercosul já usou essa tática em negociações com países andinos.
Agora, porém, a insistência argentina em uma oferta comum fez adiar para o próximo ano um acordo com a UE.
As eleições europeias alteraram o cenário atual favorável à parceria com o Mercosul. O acordo com o Canadá e as negociações com Ucrânia, Japão e EUA vão reduzir o poder de barganha do Brasil, principalmente nos temas agropecuários.
Estamos abrindo mão da oportunidade única de conquistar um mercado grande como o da UE para os produtos brasileiros.
São 506 milhões de consumidores com alto poder aquisitivo que importaram, em 2013, cerca de US$ 2,3 trilhões em produtos estrangeiros. Só em bens agropecuários, foram quase US$ 140 bilhões. Os próprios europeus estimam que um acordo com a UE pode render ao Mercosul aumento de 40% nas exportações.
Sem preferências tarifárias, nosso comércio com a UE está caindo. Em 2013, exportamos US$ 47,7 bilhões, resultado 3,6% menor do que no ano anterior. Mesmo assim, as trocas comerciais com a UE totalizaram US$ 99 bilhões, o dobro do contabilizado no Mercosul.
A indústria tem sido fator determinante na prioridade conferida ao Mercosul. Os números demonstram, porém, que os nossos vizinhos não são os únicos clientes da indústria brasileira.
Nesta última década, exportamos, em produtos industrializados, o mesmo valor para o Mercosul e para a UE: cerca de US$ 20 bilhões anuais, em média. E isso contando com a Venezuela, que só entrou no bloco em 2012.
Desde 2011, os argentinos adotam restrições cambiais e barreiras burocráticas e alfandegárias que reduzem as exportações brasileiras em bilhões de dólares. Só nos primeiros cinco meses do ano, nossas vendas para a Argentina caíram 18,6%. Para o Mercosul, a queda também foi expressiva: 10,2%.
Economistas estimam que, para cada 10% de redução das exportações brasileiras para a Argentina neste ano, o impacto será de 0,2 ponto percentual a menos no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.
No agronegócio, os prejuízos superam a questão financeira. Os hermanos argentinos alegam, sem fundamento, questões sanitárias para barrar as importações da nossa carne bovina e tentam negociar cotas de importação de carne suína e de outros produtos agropecuários. Um prejuízo à imagem do agro.
Com isso, a busca de novos mercados torna-se mais urgente. A prevalecerem os interesses só da Argentina nas decisões do Mercosul, o princípio da harmonia que sustenta o equilíbrio entre nações amigas não será nada além de utopia.
kátia abreu
Kátia Abreu é senadora (PMDB-TO) e a principal líder da bancada ruralista no Congresso. Formada em psicologia, preside a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Escreve aos sábados

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