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segunda-feira, 21 de julho de 2014
Corrupcao companheira: mais um caso exemplar - Venda de terreno do BNDES em Brasilia
HUGO MARQUES
Revista Veja, 19/07/2014
O TCU suspende a venda de um terreno do BNDES em Brasília. Avaliado em 285 milhões de reais, o imóvel foi negociado por 51 milhões — um prejuízo aos cofres públicos que pode superar 230 milhões de reais
No Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tudo é superlativo, a começar pelas cifras. Para este ano, o banco estatal reservou 150 bilhões de reais para financiar empreendimentos em diversas áreas, da agricultura à indústria de ponta. É dinheiro público, dos cofres do Tesouro Nacional, injetado diretamente em empresas de pequeno, médio e grande porte para fomentar o crescimento do pais. A ideia é fazer com que os empréstimos, a juros mais baixos que os de mercado, banquem iniciativas capazes de girar mais e mais a roda da economia. Mas até mesmo quando erra na mão o portentoso BNDES é capaz de produzir excelentes negócios. No início do ano, o banco decidiu se desfazer
de um valioso terreno no centro de Brasília. Aparentemente, seguiu o protocolo: | contratou um avaliador para fixar o preço,
publicou o edital convocando eventuais interessados e promoveu a licitação pública. As empresas se apresentaram e venceu a que ofereceu o melhor preço. O negócio, porém, é mais complicado do que parece.
Localizado na zona central de Brasília, uma das regiões mais valorizadas do país, o terreno tem 9 000 metros quadrados. No espaço vazio, um dos poucos disponíveis para construção no centro da capital, o BNDES planejou um dia erguer sua sede. O terreno está cercado por prédios importantes da burocracia federal e fica a apenas cinco minutos de carro do Palácio do Planalto. Especialistas no mercado imobiliário brasiliense calculam que a área, do jeito que está, vale no mínimo 285 milhões de reais. O BNDES, porém, vendeu o imóvel por 51 milhões, quase um sexto do valor de mercado. De tão estranha que foi, a operação virou alvo de uma investigação do Tribunal de Contas da União (TCU). Por ordem do ministro Augusto Sherman, a transferência do terreno para o novo dono foi embargada até que sejam esclarecidas as condições do negócio.
Os auditores do TCU estão analisando a transação com lupa. Ao decidir pela suspensão da venda, o ministro Sherman chama a atenção para a possibilidade de o negócio representar um prejuízo de mais de 230 milhões de reais aos cofres públicos. O ponto de partida da investigação é um laudo, encomendado pelo próprio BNDES, que estipulou o valor mínimo da transação. No documento, o terreno foi avaliado em 107 milhões. Mas havia nele uma ressalva: se houvesse necessidade de vendê-lo às pressas, o que não era o caso, o preço poderia ser reduzido para 45 milhões. Foi justamente esse valor que o banco adotou como base para a licitação. O lote foi arrematado pela AJS Empreendimentos e Participações, cujo dono é o empresário Álvaro José da Silveira, membro do conselho de administração da Brasil Pharma, conglomerado que reúne algumas das maiores redes de farmácias do país. Uma coincidência, em especial, intriga os auditores: o engenheiro que assina o laudo encomendado pelo BNDES, Ricardo Caiuby Salles, é irmão de uma diretora da mesma Brasil Pharma. "Se o BNDES optou pelo preço menor, é decisão do banco", defende-se o engenheiro. Ele diz ser apenas coincidência o fato de o terreno ter sido comprado pelo chefe da sua irmã. A AJS Empreendimentos informou que está enviando ao TCU todas as explicações sobre o negócio. O BNDES limitou-se a dizer que seguiu a lei e que está prestando todas as informações ao TCU.
"É brincadeira o BNDES vender esse lote por 51 milhões de reais. Quem comprou por esse preço ganhou cinco ou seis vezes na Mega-Sena", diz Antonio Bartasson, diretor da Câmara de Valores Imobiliários de Brasília, entidade acostumada a fazer avaliação de terrenos na capital. Para o presidente do Sindicato dos Corretores de Imóveis do Distrito Federal, Geraldo Nascimento, a transação evidencia um fenômeno que vem ocorrendo em Brasília: por um lado, órgãos do governo se desfazem de imóveis próprios a preços abaixo dos de mercado, em operações muitas vezes obscuras, e por outro o próprio governo gasta milhões comprando ou alugando outros imóveis para abrigar repartições públicas. "O governo vende alguns imóveis a preço de banana e compra e aluga outros a preço de ouro", diz. No terreno vendido pelo BNDES, há espaço suficiente para a construção de quatro prédios de até 21 andares. O lucro de um empreendimento dessa magnitude pode ultrapassar facilmente a casa do bilhão. Quem está por trás da estranha operação ainda é um mistério, mas uma coisa é certa: fomentar bons negócios é mesmo uma especialidade do BNDES — depende, é claro, do ponto de vista do observador.
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