Por enquanto só ficamos sabendo que Estado, Economia, Direito e Sociedade Civil só existem em função um dos outros, e vice versa e em todos os sentidos, o que não deixa de ser uma revelação importante para todos aqueles que estudam direito, sociologia, economia ou política. Caso alguém corra o risco de misturar todas essas coisas, não tem problema: o novo Hobbes avisa que está tudo misturado mesmo, mas o que garante a coerência de tudo é -- como não poderia deixar de ser -- o Estado. Imaginem como estaríamos sem Estado, minha gente: nem a sociedade civil existiria!
Existe uma certa "fragância", se ouso dizer, de um texto clássico, que poderia ser uma mistura de Ideologia Alemã (1845) com a Introdução à Crítica da Economia Política (1859), o que aparece de forma mais nítida até nesta linguagem meio antiquada dos "modos de produção", que a gente acreditava que não era mais usada pelos marxistas mais modernos:
"...agências do Estado, garantem a observação das relações entre trabalho e capital (lato sensu), qualquer que seja o sistema econômico de uma determinada sociedade: agrária primitiva, antiga, feudal, capitalista, socialista ou comunista."
[Acho que ele esqueceu o "modo asiático de produção", mas podemos deixar esse detalhe de lado.]
É isso aí minha gente: esperem, nos próximos números desse vibrante órgão do poder companheiro -- devidamente financiado por ele -- os capítulos sucessivos desta fabulosa novela hobbesiana-gramsciana, que vai nos revelar os segredos da ideologia companheira, na conquista e na manutenção do poder idem...
Paulo Roberto de Almeida
Carta Maior, 08/01/2015 - Copyleft
Samuel Pinheiro Guimarães
Do Estado, do Direito e da Política: reflexões
Os conceitos de Estado, de Direito e de Política se encontram tão profundamente interligados que não se pode com proveito analisá-los de forma separada.
Introdução
Os conceitos de Estado, de Direito e de Política muitas vezes, em teoria, são apresentados e discutidos de forma distinta. Em realidade, se encontram tão profundamente interligados que não se pode com proveito analisá-los de forma separada.
Não há Direito sem Estado, pois a aceitação e a observância das normas jurídicas e sua eventual sanção em caso de descumprimento dependem da existência e da força do Estado que se expressam através de suas agências, entre elas e muito em especial sua polícia. A afirmação de que não há Direito sem Estado não significa negar a existência de direitos humanos inalienáveis. Todavia, somente a luta política pela consagração desses direitos e pelo seu reconhecimento pela legislação e pelo Estado é que permite impor sua observância.
Não há Direito sem Política, pois as normas jurídicas não são elaboradas, executadas e interpretadas em gabinetes acadêmicos a partir de conceitos e de estruturas lógicas cartesianas, mas, sim, em processos conflituosos de disputa de interesses no seio da sociedade e dos organismos do Estado, ainda que cada grupo de interesses conte nestes processos com o auxílio precioso de seus juristas para melhor articular a defesa de seus pontos de vista.
Não há Estado sem Política, pois os dirigentes das distintas agências do Estado, isto é das múltiplas agencias que compõem os seus três Poderes - Legislativo, Executivo e Judiciário - são escolhidos através de processos políticos, mesmo quando esses processos são disfarçados como procedimentos de aparência tecnocrática, de reduzida transparência e nenhuma participação popular, como ocorre em regimes ditatoriais.
Há uma tendência em certas áreas de estudos acadêmicos e de certos autores a se estabelecer uma distinção e uma separação entre Sociedade Civil e Estado, entre Economia e Estado. A Sociedade Civil é apresentada com uma aura e uma natureza inerentemente boa, um lugar ideal onde os cidadãos, iguais e livres, conviveriam em harmonia se não fora pela existência do Estado, ente maléfico e autoritário que perturba e impede o desabrochar da sociedade civil. A Economia é representada como um espaço livre, dinâmico e criativo, onde empresários, capitalistas e investidores são responsáveis pelo progresso e pela prosperidade de todos enquanto que o Estado aparece como uma entidade intervencionista, ineficiente, corrupta e corruptora.
Todavia, não existe Sociedade Civil sem Estado, mesmo quando este aparece como instrumento de um regime ditatorial ou autoritário, pois sem o Estado e sem normas jurídicas, a sociedade seria tão somente um emaranhado confuso de lutas violentas de interesses. A não ser nos territórios coloniais, onde as instituições do Estado colonial aparecem como criaturas da potência estrangeira, alheia e opressora da sociedade local, se pode falar de separação entre Sociedade Civil e Estado.
Por outro lado, não há Economia sem Estado, pois são as normas jurídicas que regulam as atividades econômicas e que, através das agências do Estado, garantem a observação das relações entre trabalho e capital (lato sensu), qualquer que seja o sistema econômico de uma determinada sociedade: agrária primitiva, antiga, feudal, capitalista, socialista ou comunista.
Hoje há uma tendência a considerar que a expressão mais moderna da Sociedade Civil seriam as organizações não governamentais, que representariam melhor os interesses do povo, principalmente em Estados em que as classes hegemônicas são conservadoras e opressoras. Todavia, em muitas circunstâncias, as organizações não governamentais que atuam em um país, em especial quando é ele subdesenvolvido, representam em realidade interesses particulares e estrangeiros e estão longe de representar a sociedade civil. De toda forma, não têm essas organizações representatividade e legitimidade já que seus integrantes se auto-escolheram, e assim é de estranhar e de preocupar a tendência atual de incorporar representantes de ONGs em organismos do Estado.
Ao tratar dos temas do Estado, do Direito, da Política, da Sociedade e da Economia há sempre uma certa repetição de ideias e de argumentos, devido à sua estreita interelação, pelo que me penitencio
Os conceitos de Estado, de Direito e de Política muitas vezes, em teoria, são apresentados e discutidos de forma distinta. Em realidade, se encontram tão profundamente interligados que não se pode com proveito analisá-los de forma separada.
Não há Direito sem Estado, pois a aceitação e a observância das normas jurídicas e sua eventual sanção em caso de descumprimento dependem da existência e da força do Estado que se expressam através de suas agências, entre elas e muito em especial sua polícia. A afirmação de que não há Direito sem Estado não significa negar a existência de direitos humanos inalienáveis. Todavia, somente a luta política pela consagração desses direitos e pelo seu reconhecimento pela legislação e pelo Estado é que permite impor sua observância.
Não há Direito sem Política, pois as normas jurídicas não são elaboradas, executadas e interpretadas em gabinetes acadêmicos a partir de conceitos e de estruturas lógicas cartesianas, mas, sim, em processos conflituosos de disputa de interesses no seio da sociedade e dos organismos do Estado, ainda que cada grupo de interesses conte nestes processos com o auxílio precioso de seus juristas para melhor articular a defesa de seus pontos de vista.
Não há Estado sem Política, pois os dirigentes das distintas agências do Estado, isto é das múltiplas agencias que compõem os seus três Poderes - Legislativo, Executivo e Judiciário - são escolhidos através de processos políticos, mesmo quando esses processos são disfarçados como procedimentos de aparência tecnocrática, de reduzida transparência e nenhuma participação popular, como ocorre em regimes ditatoriais.
Há uma tendência em certas áreas de estudos acadêmicos e de certos autores a se estabelecer uma distinção e uma separação entre Sociedade Civil e Estado, entre Economia e Estado. A Sociedade Civil é apresentada com uma aura e uma natureza inerentemente boa, um lugar ideal onde os cidadãos, iguais e livres, conviveriam em harmonia se não fora pela existência do Estado, ente maléfico e autoritário que perturba e impede o desabrochar da sociedade civil. A Economia é representada como um espaço livre, dinâmico e criativo, onde empresários, capitalistas e investidores são responsáveis pelo progresso e pela prosperidade de todos enquanto que o Estado aparece como uma entidade intervencionista, ineficiente, corrupta e corruptora.
Todavia, não existe Sociedade Civil sem Estado, mesmo quando este aparece como instrumento de um regime ditatorial ou autoritário, pois sem o Estado e sem normas jurídicas, a sociedade seria tão somente um emaranhado confuso de lutas violentas de interesses. A não ser nos territórios coloniais, onde as instituições do Estado colonial aparecem como criaturas da potência estrangeira, alheia e opressora da sociedade local, se pode falar de separação entre Sociedade Civil e Estado.
Por outro lado, não há Economia sem Estado, pois são as normas jurídicas que regulam as atividades econômicas e que, através das agências do Estado, garantem a observação das relações entre trabalho e capital (lato sensu), qualquer que seja o sistema econômico de uma determinada sociedade: agrária primitiva, antiga, feudal, capitalista, socialista ou comunista.
Hoje há uma tendência a considerar que a expressão mais moderna da Sociedade Civil seriam as organizações não governamentais, que representariam melhor os interesses do povo, principalmente em Estados em que as classes hegemônicas são conservadoras e opressoras. Todavia, em muitas circunstâncias, as organizações não governamentais que atuam em um país, em especial quando é ele subdesenvolvido, representam em realidade interesses particulares e estrangeiros e estão longe de representar a sociedade civil. De toda forma, não têm essas organizações representatividade e legitimidade já que seus integrantes se auto-escolheram, e assim é de estranhar e de preocupar a tendência atual de incorporar representantes de ONGs em organismos do Estado.
Ao tratar dos temas do Estado, do Direito, da Política, da Sociedade e da Economia há sempre uma certa repetição de ideias e de argumentos, devido à sua estreita interelação, pelo que me penitencio
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