Suseranos e vassalos
Pedro
Lagomarcino, Advogado.
Uma
das relações de poder e política mais deploráveis que a história registrou foi
a relação de suserania e vassalagem. Produto do feudalismo, para alguns
historiadores esta seria uma evolução pedestre da relação escravista
greco-romana; ao passo que para outros a relação significava apenas o fato do
suserano “oferecer” suas terras para quem aceitasse produzir, cuidá-las,
auxiliar em guerras e a pagar impostos. Nestes casos, quem aceitasse tal
condição passava a ser considerado vassalo.
Em
tempos de República e em plena vigência do Estado Democrático de Direito,
constitucionalistas e historiadores são unânimes ao dizer que a relação de
suserania e vassalagem não guarda mais espaço no tempo atual. Entretanto, em se
tratando de política e poder, a relação que é modificada ou substituída deixa
traços inconfundíveis na relação modificante ou substituinte. É como se
substituíssemos apenas o rótulo e houvessem pequenas alterações no “sabor” e
“aroma” no seu produto, a ponto do “paladar” e o “olfato”, habitualmente, reportarem-se
ao que era o produto original, embora agora ambos estejam um tanto diferentes.
Ao
passarmos a visualizar que o Suserano de ontem é a autoridade Estatal de hoje e
o vassalo do passado é o cidadão atual, nos parece que o pensar unânime dos
constitucionalistas e historiadores foi colocado em xeque. É que por um lado o
suserano não oferece mais as terras ao vassalo, mas diz lhe “conceder” a
liberdade e “reconhecer” sua cidadania. Por outro lado o vassalo segue tendo de
pagar tributos, para habitar em uma terra que não lhe pertence, nem irá lhe
pertencer, dado que a República é de todos. Tributos estes que não sabemos mais
em troca de que, dada a ineficiência e o pouco caso que lhe faz o Suserano. Mesmo
em tempos de República seguem no sistema atual dois traços característicos do
sistema anterior: o pagamento de impostos (cada vez maiores, em níveis nunca
antes vistos) e a obrigação de “lutar” em guerras. De lutar em guerras? Sim,
porque não há guerra maior para o vassalo (ou cidadão, se preferirem) da que ter
de trabalhar comprovados 4 meses do ano, para sobreviver e para custear a carga
dos tributos que lhe impõe o Suserano (ou Estado, como queiram).
Como
vimos, trocam-se os rótulos, modifica-se um pouco a roupagem, mas tudo segue
lembrando o que era o produto original. Em se tratando de Brasil, o “gosto”
historicamente é sempre ácido e o não se pode falar em “aroma”, e sim em “odor”.
Uma Lei praticamente irrevogável. Uma sina. Um paradoxo: tudo muda, mas ao
mesmo tempo nada muda. Os suseranos de ontem senão ou foram os Presidentes dos
últimos 12 anos, ou foram e são Ministros do Executivo de hoje durante o mesmo
tempo. E os vassalos de outrora, seguem sendo os cidadãos de hoje.
Mas
será que nos últimos 12 anos de história, o Brasil não produziu nada de novo?
Sim,
produziu: o vassalo-mor.
Diferentemente
do vassalo comum, o vassalo-mor aceita um jugo que ao lhe ser imposto, chega ao
ponto de revelar um determinismo natural: o de trabalhar por terras inférteis e
combater em guerras ímpias. É o que podemos observar de muitos Ministros do
Poder Executivo, nos últimos 12 anos. Embora o pronome de tratamento nos exija trata-los
por Excelências, muitos não fazer por merecer tratamento algum, esta é a
verdade. Dentre os predicados de muitos não estão conhecimentos e sim o fato de
possuírem as qualificações, diga-se de passagem, as piores, como investigados
ou denunciados, em inquéritos da Polícia Federal ou em denúncias que lhes
promovem o Ministério Público. Há outros Ministros que têm mais predicados
desabonadores, qual sejam, os de condenados, por usurparem o poder,
desviarem-se completamente de suas funções, praticarem improbidade (leia-se: o
oposto da probidade), crimes dos mais diversos como verdadeiros representantes
de seus mentores. Uma espécie de via do ilícito, engendrada de modo que os
“negócios” que passassem por ela, fossem tratados ares de normalidade, mesmo
que em tais casos todos saibam que a ilicitude é manifesta.
O
poder sempre foi um atributo da autoridade e possui o traço de ungir e revelar
grandes homens e ou estadistas, ou pequenos homens e vermes. Exatamente, porque
o poder corrompe e o homem é corrompível. Que o digam ou aqueles que frequentam
com habitualidade o balcão de negócios, através do “toma lá, dá cá”. Hoje,
articuladores políticos com pseudo-prestígio. Amanhã, investigados,
denunciados, réus implorando pela delação, condenados e ímprobos. Algo que
passa ao largo das noções mais elementares da República e da Democracia. Pelo
contrário, são os exemplos vivos da violação de ambas e da inobservância
estreita dos Princípios Constitucionais da Administração Pública (da
legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência).
Aliás, não precisa ser jurista, para saber que os atos atentatórios a estes Princípios,
todos, sem exceção, produzem ao fim e ao cabo o Brasil que temos: um case de má gestão de políticas públicas
e, em que pese este país tenha uma das mais altas cargas tributárias do mundo
(atualmente a 8ª), é um dos que proporciona o pior retorno dos valores
arrecadados em prol da sociedade. Para se ter uma ideia o Brasil arrecada mais
tributos que os EUA, que a Suíça e que o Reino Unido. É ou não é de se questionar
como eles são tão desenvolvidos e prósperos e nós tão atávicos? A resposta é
curta e simples: pela má gestão pública e pelos vassalos-mores que temos. Mais
ainda, se somos indiferentes ou omissos, pois em tais casos criamos o habitat
necessário para que se reproduzam e deixem seus aprendizes.
É
exatamente no momento em que cada autoridade ou agente público acha que pode
fazer das atribuições que está investido um balcão de negócios, através do
“toma lá, dá cá”, que passa a existir, dentro do próprio Brasil, milhares de
sucursais de “outros escritórios”, nos quais os “donos” são exatamente as
próprias autoridades. Consequentemente, interesses manifestamente privados,
passam a ser travestidos de interesses públicos. Eis os porquês de norte a sul
existem muitos “brasis”, dentro do próprio Brasil. Eis os porquês a Polícia e o
Ministério Público tenham de se esforçar, para achar nomes impactantes que
possam dar a devida conotação do escárnio praticado contra a nação, a exemplo
da Operação Cosa Nostra, da Operação Castelo de Areia, da Operação Anaconda,
Operação Lava-Jato, da Operação Rodin. E o produto dos crimes comprovados
nestas operações e praticados pelos Vassalos-mores é que faz o Brasil não sair
do estado de letargia nunca. O Brasil fica sempre para amanhã, fica sempre por
acontecer. O estado e a atual situação da falta de gestão, destacamos,
eficiente, no ensino público, nas escolas públicas, na segurança pública, no
sistema de saúde, na ciência e tecnologia faz do nosso país um ente
imediatista, autóctone, sem planejamento, nem alinhamento estratégico,
ingovernável e talidomídico.
O
grupo de suseranos que dita as ordens é o mesmo há 12 anos e o avião que
ensaiava manter a estabilidade, em tempos de plano real, está em queda livre.
Não há alternância deste sistema completamente esgotado, marcado pelo
locupletamento ilícito, a malversação de verbas públicas e pela corrupção. Não
bastasse tudo isso a casta dos vassalos-mores cada vez a aumentar mais.
Ao
que tudo indica o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, parece estar em
vias de pleitear seu ingresso nesta nova casta. Chega a ser contraditório, pois
recentemente, referido Procurador-Geral nos dava provas de que não iria
declinar de exercer suas atribuições, em prol da República, enfatizo, República,
do latim, res publica, coisa de
todos. Era o que todo brasileiro pensava ao ver a manifestação de Janot diante dos
questionamentos e dos olhos de fogo do Senador Collor, perante a Comissão de
Constituição e Justiça do Senado. Resultado? Janot se posicionou de forma
exemplar e a votação lhe rendeu 26 votos favoráveis e apenas 1 desfavorável, de
modo a não deixar dúvidas, tanto do êxito de seus posicionamentos e,
provavelmente, que o único voto contrário, seja do Senador que teve sua Lamborghini
apreendida pela Polícia Federal em uma investigação atualmente em curso. Mas,
infelizmente, não demorou muito para que algo emergisse dentro de Rodrigo Janot.
Simplesmente do dia para a noite, o Procurador-Geral “decidiu”, ou melhor,
achou que tinha poderes, para se sobrepor a mais alta Corte, em matéria de
legislação eleitoral do Brasil, o TSE – Tribunal Superior Eleitoral.
Simplesmente com um “canetaço” Janot arquivou a investigação da campanha que
reelegeu a Presidenta Dilma Rousseff. Janot parece mesmo estar de fraldas,
quando o assunto é exercer as atribuições de Procurador-Geral da República e
não a de advogado de campanha de Dilma, a ponto do Ministro Gilmar Mendes dizer
que a fundamentação para o arquivamento, “vai de infantil a pueril” (nestas
palavras).
Desde
há muito se sabe que no tempo do feudalismo, os senhores feudais não costumavam
sujar as mãos e determinavam aos seus vassalos o cumprimento de suas ordens.
Será que Janot está se habilitando a vassalo-mor, ao confundir as atribuições
de Procurador-Geral da República, com as de advogado particular de Dilma
Rousseff? Fato é que com tal “canetaço” Janot é um cristal quebrado e já inicia
seu novo mandato por negar-se a cumprir não uma simples decisão, mas um acórdão
do TSE.
Embora
eu seja um tanto avesso a Karl Marx, foi o referido pensador que nos disse “todo
produto guarda em si os traços vestígios do sistema que o engendrou”. Sou mais
próximo das ideias de Milton Friedman e Ludwig Von Mises, mas não posso deixar
de dizer que, neste caso, a lição de Karl Marx veste como uma luva.
Dr. Pedro
Lagomarcino
OAB/RS 63.784
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