Há algo de muito errado da forma que nós economistas pensamos sobre os políticos e a forma que eles políticos pensam sobre nós economistas. Eu sou economista, convivo com políticos, economistas e noto isso. Fiquei intrigado da forma que meu amigo Samuel Pessoa terminou a sua excelente coluna semanal no jornal Folha de São Paulo (clique aqui) com a seguinte frase:
“Em algum momento, mesmo que não resolvamos os problemas fiscais, e quando tivermos destruído os ganhos de eficiência que advieram de nosso sonho de uma noite de verão, a depressão terminará. Quando o pesadelo acabar, acordaremos para a mediocridade permanente, a menos que a política consiga nos surpreender.”
O que me incomodou foi a frase “a menos que a politica consiga nos surpreender”, pois pode passar a impressão para alguns que nós estamos a espera de políticos iluminados que nos salve da “nossa mediocridade permanente”. Alguns dos meus economistas têm criticado políticos por pensarem mais em si mesmos do que no país, que está imerso em uma grave crise estrutural. Só que o problema é um pouco mais complexo.
Políticos, em uma democracia, reagem a votos e demandas do eleitorado. Políticos precisam de votos para serem eleitos e, portanto, respondem ao “chamado das ruas”. Assim, a melhor forma de esperar por surpresas na política é que nós economistas e não economista tenhamos capacidade de votar e escolher melhor nossos representantes.
Há alguns anos meus amigos economistas me alertavam que a inflação não volataria porque, se isso acontecesse, o governo seria punido pelos eleitores. Não há dúvidas que o PT será punido pela sociedade pelo fato de ter mentido nas eleições e de ter sido o causador da grande depressão moderna brasileira que o partido se esforça em não reconhecer.
E quanto a nós economistas? Bom, entre nós economistas há grupos com diagnósticos não apenas diferentes, mas totalmente incompatíveis. Nós economistas sabemos muito bem mapear as diferenças entre nós. Mas imaginem um bom politico que leu um artigo de um professor de economia titular de uma das nossas respeitadas universidades que diz que o governo deveria aumentar o gasto publico para nos tirar da recessão ou que o tamanho da divida publica no Brasil não é um problema.
Uma vez, em um debate em uma das melhores universidades do país, escutei um professor de economia titular de uma universidade pública que se auto definia como um Keynesiano Jurássico, com se isso tivesse algum mérito, que quando o governo tributa mais e transfere de volta para a sociedade via gastos com previdência, por exemplo, isso não seria um problema. O que me surpreendi foi como uma pessoa que diz tamanha asneira pode ser professor titular de uma universidade federal.
Imaginem o que um bom politico pensa, quando durante semanas, teve paciência para ler a briga entre o meu colega economista, Alexandre Schwartzman, e o professor de economia Luiz Gonzaga Beluzzo sobre taxa de juros? É claro que concordo com os argumento do Alexandre Schwartzman que teve a paciência de escrever um artigo explicando a contabilidade da dinâmica da dívida publica (clique aqui). Mas diversos acadêmicos concordam e respeitam Luiz Gonzaga Beluzzo.
Como um politico, sem formação em economia, pode arbitrar quem está certo ou errado se mesmo alguns políticos com formação em economia respeitam e concordam com o economista Luiz Gonzaga Beluzzo e pensam que o Banco Central poderia baixar os juros se quisesse e não o faz talvez por “obra do demônio? Como podemos exigir dos políticos clareza quando entre nós economistas há ainda um debate não muito claro do que fazer em relação a previdência, assistência social, etc.?
Façam o seguinte. Coloquem na mesma sala Eu, Samuel Pessoa (IBRE-FGV), Marcos Mendes (Senado Federal), Marcos Lisboa (INSPER), José Roberto Afonso (IBRE-FGV), Bernard Appy, Ricardo Paes de Barros (INSPER), Alexandre Schwartzman (INSPER), Naércio Menezes (INSPER), Fábio Giambiagi (BNDES), Armínio Fraga (PUC-RJ), entre outros e perguntem o seguinte:
(1) O piso da previdência deve ser igual ao salario mínimo? (2) o benefício da assistência social deve ser igual a um salario mínimo? (3) o abono salarial é um programa bom e deve ser mantido ou ruim? (4) O salário mínimo deve ter uma correção menor do que a inflação para ajudar no equilíbrio fiscal? (5) Qual a forma de tributar os mais ricos?
Posso garantir que apesar do grupo acima ter muito mais convergência do que divergência, pelo que todos nós já escrevemos não haverá resposta consensual para as cinco perguntas acima. Como então exigir dos políticos um consenso de desvincular o piso da assistência social do salario mínimo quando entre nós que pensamos quase igual não há consenso?
Vou dar um exemplo. Pergunte a mim, Marcos Lisboa, Marcos Mendes, Fábio Giambiagi, Bernard Appy, Samuel Pessoa, Armínio Fraga sobre a regra de reajuste do salario mínimo e entre nós a sugestão seria quase consensual de mudar a regra, reconhecendo que a decisão final é do Congresso Nacional.
No entanto, Naércio Menezes, um dos economistas mais brilhantes da nossa academia, diria que: “A regra de reajuste do salário mínimo não deveria ser alterada, pois foi responsável por grande parte da redução na desigualdade, tanto no mercado de trabalho como por meio do BPC” (clique aqui). Ao falar da manutenção da regra de correção do salario mínimo bem como da manutenção do sal. mínimo como como o beneficio básico nos programas de Beneficio da Prestação Continuada (BPC), Naércio Menezes responde duas das perguntas acima e coloca uma divisão no grupo.
Por sua vez, Ricardo Paes de Barros (ex-IPEA e hoje INSPER), que tem a mesma preocupação de Naércio Menezes na avaliação ultra cuidadosa de politicas sociais, já falou de aumento “louco ou quase irresponsável do salário mínimo” (ver aqui), a mesma politica que não deveria ser modificada segundo Naércio Menezes.
Se um politico perguntasse qual a opinião do INSPER sobre o assunto- reajuste do salário mínimo- sairia sem resposta porque há mais de uma opinião sobre o mesmo assunto, apesar do INSPER ter hoje um dos melhores curso de economia do país. Sempre que vou lá tenho vontade de voltar a ser estudante. (O bom no caso do INPSER é que, depois de um debate confrontado com a evidência empírica, eventualmente se chegaria a um consenso. O mesmo não ocorre na maioria dos cursos de economia de outras universidades).
Outro exemplo. O programa abono salarial é bom ou ruim? Esse é um beneficio que equivale a um 14o salario, um salário mínimo, para aqueles trabalhadores com carteira de trabalho que ganham até dois salários mínimos mensais. Do grupo acima, a grande maioria condenaria o programa e até mesmo o atual Ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, nunca escondeu sua sugestão, quando fora do governo, de terminar com este programa até 2018. Mas muitos gostam do programa desde que o seu funcionamento seja aperfeiçoado.
Ricardo Paes de Barros, um dos mais respeitados se não o mais respeitado economista do Brasil na avaliação de programas sociais, acredita que o programa é bom e poderia até ser ampliado como uma política alternativa aos aumentos reais do salario mínimo, o valor do abono salarial poderia ser mensal para mostra para o trabalhador o beneficio da formalização e decrescente para quem ganha até dois salários mínimos (ver aqui).
Hoje, um trabalhador com carteira de trabalho que ganha 1 salário mínimo e outro que ganha 2 salários mínimos têm direito ao mesmo beneficio: um salário mínimo extra. Alguns economistas como Ricardo Paes de Barros (INSPER) e André Portela (FGV-SP) defendem o pagamento do abono mensal e inversamente proporcional a renda mensal do trabalhador até dois salários mínimos. Assim, não é consensual acabar com abono salarial.
Este longo artigo foi para defender uma tese polêmica. Nós economistas exigimos dos políticos uma solução para crise e cobramos deles uma agenda de mudanças clara. Do outro lado, os políticos exigem de economistas clareza do que fazer, uma clareza que nem sempre é consensual entre nós. Os dois lados estão errados.
Assim, termino o artigo com algo que aprendi do próprio Samuel Pessoa há muito tempo atrás. Quando falava para ele da minha angústia de não ver o país melhorando no ritmo que eu esperava, ele me falou que a piora da economia e o crescimento da inflação levariam a mudanças, pois o grupo politico no poder seria punido pelos eleitores.
Assim, quem precisa nos surpreender não são os políticos, nem os economistas. Mas sim a sociedade que precisa se organizar, demandar mudanças e punir por meio do voto os políticos e partidos que fizeram propostas irresponsáveis e que nos levaram a crise. Sei que isso demora, mas não há alternativa.
Os líderes são importantes para ajudar a sociedade a entender os problemas e os dilemas, mas a resposta para a crise precisar vir de nós e não de economistas ou políticos supostamente iluminados. E vou dizer algo para vocês: politicos morrem de medo de protestos nas ruas.
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