Aproveito para transcrever um artigo meu, in fine.
Paulo Roberto de Almeida
A biografia de Lula será escrita nos tribunais
Por Diogo Mainardi
O Antagonista, 22 de Junho de 2016
Parei de escrever para a Veja quando a Folha de S. Paulo contratou seu centésimo colunista.
Concluí que havia opiniões em excesso na imprensa. Cansei de minhas próprias opiniões.
Quando nasceu O Antagonista, a primeira regra que estabelecemos para os posts foi: a opinião deve ter, no máximo, uma linha, incluindo os adjetivos e os advérbios.
Ontem, porém, relendo no Google o que escrevi sobre a Oi, encontrei uma coluna de 2010 que, na minha opinião – sim, na minha opinião - merece ser reproduzida:
A biografia de Lula será escrita nos tribunais. O julgamento histórico de seus oito anos no poder estará estampado numa série de inquéritos penais. Ele permanecerá na memória nacional através do testemunho daqueles que rapinaram em seu nome. Júlio César foi retratado por Plutarco. Lorenzo de Medici foi retratado por Maquiavel. Frederico II foi retratado por Thomas Carlyle. Lula? Lula será eternamente recordado pelos depoimentos de Roberto Jefferson, Hélio Malheiro e Lúcio Bolonha Funaro (…)
No futuro, quando alguém quiser relatar os fatos deste período, terá de recorrer necessariamente aos processos judiciais, que detalharam o modo lulista de se organizar, de se acumpliciar, de se infiltrar e de fazer negócios. Está tudo lá: dos adesivos da campanha eleitoral de 2002, pagos com o dinheiro dos mutuários da Bancoop, às propinas dos parlamentares mensaleiros, pagas com o dinheiro do Banco Rural. As tramas, os nomes dos personagens e as mentiras repetem-se continuamente.
Alguns dos processos contra os lulistas podem desandar. Alguns dos réus podem ser inocentados. Mas um depoimento como o de Lúcio Bolonha Funaro assombrará para sempre a memória de Lula, como o fantasma do pai de Hamlet, que vem do purgatório para delatar seu assassino, o rei Cláudio.
A coluna era intitulada “A história em inquéritos”. Curiosamente, até os nomes são os mesmos. Lula será preso pelo triplex roubado dos mutuários da Bancoop. E Sergio Moro será recordado como o nosso Plutarco.
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Obituário de um farsante
Paulo Roberto de Almeida
Não existe muita glória,
apenas temeridade, em publicar um necrológio antes da morte física do personagem
em vista, embora esse pecado já tenha sido cometido mais de uma vez na história
da imprensa mundial. Desde Mark Twain se sabe que rumores sobre certas mortes
são grandemente exagerados. Em todo caso, quero falar da morte política de um
dos mais nefastos personagens da política brasileira, esse mesmo que muitos
esperam ver preso numa das próximas fases da Operação Lava Jato, a qual
proponho desde já que se intitule “Rapa Tudo”.
Pois bem: morreu, em
algum momento entre 2015 e 2016, de causas ainda não identificadas, o maior
farsante da história política brasileira. Antes se acreditava que esse título
pertencesse a uma outra grande fraude política, àquele que tinha prometido
acabar com a inflação no Brasil de um golpe de caratê, mas que começou tungando
a população brasileira de seus ativos, e que acabou abatido pelos movimentos de
rua e pelo Congresso, no primeiro processo de impeachment bem sucedido de nossa
história. Tinha havido uma tentativa em 1954, contra o ex-ditador Vargas, mas
ela não conseguiu ultrapassar a barreira da aprovação na Câmara, embora o
acusado tenha deixado o poder para entrar na história, como alguém escreveu
numa carta pré-fabricada, feita para confundir seus adversários políticos, que
ficaram abatidos pela reação popular. Em nossos dias, porém, um valor mais alto
apareceu nos porões da pátria.
Haverá reação popular
quando o farsante tiver de abandonar definitivamente as réstias de poder de que
ainda goza para entrar, enfim, na lata de lixo da história? Difícil dizer, uma
vez que “popular”, no Brasil, há muito deixou de significar manifestações espontâneas
da cidadania, para transformar-se em “agit-prop” de grupos manipulados pelo
partido neobolchevique. É sabido, desde muito tempo, que os tais “movimentos
sociais” – e vários sindicatos que também possuem alguma presença nas ruas
(aliás ilegalmente) – constituem meras “correias de transmissão” do mesmo
partido totalitário que empolgou, no pior sentido da palavra, largas frações de
eleitorado urbano no seu caminho para a conquista do poder, partindo ele então
para a consolidação de um formidável curral eleitoral, em larga medida rural, e
muito parecido com os redutos amestrados dos antigos coronéis do interior.
Para contrapor-se à mais
formidável fraude política assim criada, mas financiada por todos nós – por
meio dos cofres públicos –, emergiram, a partir de 2013 e sobretudo em 2014 e
2015, movimentos legítimos da cidadania consciente e ativa, que lograram
sucesso ao mobilizar largas frações da classe média – nós, os “coxinhas” – nas
maiores manifestações políticas jamais vistas na história do Brasil. Eles são
os verdadeiros movimentos de rua, em contraposição aos mercenários do partido
totalitário, os tais “mortadelas” de patéticas mobilizações “de massa”, apoiados
pelo maior exército de blogueiros “sujos” de que se tem notícia nas comunicações
mundiais, todos ilegalmente pagos com o meu, com o seu, com o nosso dinheiro. Tal
distinção, entre velhos e novos “movimentos de rua”, deve ser feita, porque são
os novos que estão na origem do atual processo de impeachment, e são eles que
explicam o vigor com que a Operação Lava Jato tem trabalhado para desmantelar os
tentáculos da cleptocracia de estado criada e expandida enormemente sob os neobolcheviques
caboclos.
Que a corrupção não
tenha sido criada por eles, isso é óbvio. Mas, para usar uma linguagem
marxista, ela sempre existiu naquele estágio do modo de produção artesanal, sob
o qual políticos roubavam individualmente, em pequena escala, de acordo com as
condições e oportunidades: uma emenda orçamentária aqui, uma ONG familiar
acolá, um projeto de quadra esportiva em Cabrobró da Serra, uma compra
governamental em Tiririca do Monte, e superfaturamentos ocasionais nas estatais
penetradas. A partir dos companheiros, a corrupção passou a uma etapa superior,
como diria Lênin, ao modo de produção industrial da roubalheira, à sua fase
sistêmica, disseminada, indiscriminada. Os órgãos estatais foram devidamente
aparelhados, ajustados para o assalto organizado, e até desorganizado, como
testemunham os depoimentos de alguns varões do empresariado nacional (os tais
que foram chamados por um apparatchik
a pagar o percentual de 1% mesmo retroativamente, ou seja, desde que se iniciou
a era do Nunca Antes). Desfaçatez igual nunca se viu nos bandidos políticos
tradicionais.
Na origem de tudo isso,
uma mudança importante, do antigo patrimonialismo político para sua modalidade
peculiar sob o reino dos neobolcheviques, como estudado em inúmeros artigos e
até num livro inteiro – A Grande Mentira
– por Ricardo Vélez-Rodríguez: essa modalidade, da mesma forma como certas
vertentes do peronismo, pode ser chamada da patrimonialismo gangsterista, que é
quando uma quadrilha de meliantes se apossa de várias vertentes da máquina
pública – como ocorreu em certas regiões da Itália em determinados momentos de
sua história política – para dela fazer o mesmo uso que fazem chefes de máfias em
atividades ligadas ao submundo do crime.
Foi assim que o Brasil
chegou à era da Grande Destruição, ao afundamento de sua economia e ao
desmantelamento de certo número de instituições públicas. Algumas, felizmente, não
foram aparelhadas, e o espírito da cidadania crítica conseguiu emergir, na chamada
República de Curitiba, para começar a golpear, dentro das regras do jogo, as
trapaças mais sórdidas da quadrilha mafiosa que parecia ter se apossado totalmente
do Brasil. É esse renascimento da consciência cívica em largos extratos da
população que me habilita a, preventivamente, declarar a morte de um farsante. Como
escrevi num artigo anterior, já não era sem tempo...
[Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de maio de 2016]
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