quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Eleicoes 2016: PT derrotado pelo povo - Augusto de Franco

DAGOBAH

NL 0026 - 04/10/2016


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O PT derrotado pela sociedade brasileira

Quem derrotou o PT não foi o PSDB, não foi Alckmin, não foi Temer ou o PMDB. Quem derrotou o PT foi a sociedade brasileira. Ou se entende isso, ou não se entende nada 

Nas eleições municipais de 2016, a primeira após o impeachment de Dilma e da operação Lava Jato, a sociedade brasileira mandou dois recados: um ao velho sistema político que apodreceu e outro ao projeto neopopulista do PT. 


O PRIMEIRO RECADO 

O primeiro recado foi claro. As eleições, do modo como estão organizadas, não são mais um método confiável de verificação da vontade política coletiva. E não em razão das fraudes a que estão expostas, mas de todo tipo de manipulação da opinião pública a que elas são vulneráveis, inclusive pelos institutos de pesquisa, que são autorizados pelas leis a fazer profecias auto-realizáveis na reta final das campanhas. Se um instituto de pesquisa diz, às vésperas do pleito (e não podendo ser contraditado antes da votação), que um candidato tem chances de vencer ou passar para o segundo turno, isso alimenta artificialmente o voto útil e fornece uma espécie de anabolizante para a militância cair em campo na boca de urna. É doping

Em São Paulo, tanto o investimento overnight do Datafolha, quanto a pesquisa boca-de-urna do Ibope (que inaugurou a margem de erro de 18%), foram mal-recebidos pelas pessoas. Ao querer forçar a passagem de Haddad para o segundo turno, carreando para ele votos dos adversários do seu campo, o Datafolha obteve o efeito inverso. Os eleitores do campo oposto reagiram aumentando o voto útil em Dória, que liquidou a fatura no primeiro turno. O Ibope apenas se desmoralizou. 

Mas o recado principal mesmo não foi esse. Ele veio através do não-voto. Ainda não temos neste momento os dados oficiais do TSE, sobre o número de abstenções, nulos e brancos em todo o país. Mas a amostragem de algumas capitais e cidades importantes já é suficiente para ler o o recado. 

Examinemos os quadros do não-voto no Rio de Janeiro (capital), São Gonçalo (uma singularidade, pois ultrapassou os 40%), São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Cuiabá e Aracaju. Os números não são exatos e foram usados nos diagramas abaixo apenas para efeitos demonstrativos.

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Se compararmos a evolução do não-voto neste século (eleições municipais de 2000, 2004, 2008, 2012 e 2016) veremos uma curva preocupante. É claro que a curva é ainda mais preocupante se considerarmos que o voto é obrigatório. Enquanto esse estudo não fica pronto (pela dificuldade de reunir os dados oficiais das eleições de 2016), já podemos avançar algumas conclusões preliminares. 

Neste momento, quase um terço dos eleitores brasileiros não-votam. E esse número, ao que tudo indica, tende a crescer (se extrapolarmos matematicamente a curva). As pessoas que votam, em grande parte votam porque votar é obrigatório. Só uma pequena porcentagem se empolga com o ato de votar e isso não tem a ver, como apregoam as almas pias, com falta de educação política ou cultura cívica. A maioria não se empolga porque não acredita mais no "método", por assim dizer. As pessoas acham que os candidatos disponíveis não as representam e, mais ainda, não avaliam que o sistema político, do modo como está organizado e funciona, seja capaz de expressar seus interesses, desejos e opiniões. É claro que a descoberta, quase diária, de esquemas de corrupção urdidos por políticos, também contribuiu muito para aumentar a desconfiança da sociedade em relação ao sistema político. 

O problema é que isso - o descrédito do sistema representativo - não se conserta com as propostas de reforma política que alguma vez foram cogitadas: fidelidade partidária, cláusula de barreira (com diminuição do número de partidos), financiamento exclusivamente estatal ou exclusivamente pessoal de campanha, redução ou aumento do tempo de campanha, redução ou aumento do horário eleitoral compulsório em rádio e TV, proibição do videotape na propaganda televisiva, voto em lista fechada e predeterminada, mandato imperativo, voto distrital, parlamentarismo... Propostas como voto facultativo, recall e ostracismo (o impedimento do representante se candidatar depois de um ou dois mandatos), talvez tivessem mais impacto, mas nem isso se sabe ao certo. 

O fato é que o eleitor sabe que eleger alguém é sempre como passar um cheque-em-branco. A não ser que o recall fosse a qualquer tempo (uma proposta muito difícil de ser operacionalizada), durante o período de autonomia do eleito em relação ao eleitor (hoje de 4 anos), ele fará o que quiser e bem-entender e ficará tudo por isso mesmo. Ele - o eleitor - sente que apenas vai fazer um favor a alguém (que quer se dar bem na vida, muitas vezes roubando), sem reciprocidade. 

Resultado: em 2016 tivemos, em muitos casos, o não-voto vencendo o voto. Constata-se - a conferir melhor - que a soma de votos brancos, nulos e abstenções "venceria" no 1º turno em nove capitais. O que isso significa? 

O problema de fundo é que as eleições são mecanismos pobremente adesivos (delegativos) em um mundo que já é, em grande parte, altamente interativo. Com a emergência de uma sociedade-em-rede nos últimos anos, o mecanismo eleitoral soa como algo ultrapassado, ineficaz e terrivelmente aborrecido. É mais ou menos como o fax em uma época que as pessoas enviam anexos pelo WhatsApp Messenger ou pelo Messenger do Facebook. O velho sistema político não apodreceu porque é corrupto, como creem os moralistas. Apodreceu porque deixou de mudar de acordo com a mudança das circunstâncias. 

Esse problema não será resolvido se não forem instituídos processos e mecanismos interativos por meio dos quais os cidadãos possam influir no processo político nos seus próprios termos, quando quiserem e onde estiverem, lançando mão de tecnologias já disponíveis e acessíveis à toda população (telefone fixo ou mobile, osmartphone, o tablet, o laptop e o desktop, usando programas já suficientemente dominados como a telefonia digital robotizada, o SMS, o WhatsApp ou o Telegram e demais aplicativos responsivos de troca de mensagens, consultas, pesquisas e levantamento e tratamento de dados acumulados - Big Data). Mas - atenção! - a tecnologia não é o fundamental. Processos e mecanismos interativos por meio dos quais os cidadãos possam influir no processo político devem ser baseados numa visão da democracia em uma sociedade em rede. Para tanto, deveríamos considerar as seguintes características de uma democracia já possível nas sociedades realmente existentes na contemporaneidade: distributividade, interatividade, procedimentos diretos, revocabilidade, lógica da abundância, dinâmicas de multidões e comunidades, cooperação e coexistência de múltiplas realidades glocais. Não cabe explicar cada um desses atributos neste artigo, mas fica o registro para ulterior desenvolvimento. 

É claro que uma proposta como esta será empurrada, pelos habitantes do velho sistema político, para o reino dos futuríveis. Mas quanto mais empurrarmos para frente o necessário aggiornamento do sistema político, mais a situação se agravará e mais crescerá o descrédito com a política. Quando mais de 50% dos eleitores praticarem o não-voto, alguém talvez acorde. Mas vamos esperar deitados. 


O SEGUNDO RECADO 

O segundo recado das urnas foi para o PT. Em algumas horas de um único dia os eleitores rebaixaram o PT para a segunda divisão. 

Vamos aos dados. Atualmente, o Brasil possui 5.570 municípios que somados elegem a cada quatro anos cerca de 57.000 vereadores. O PT elegeu 2.795. Dos 5.570 prefeitos, elegeu 256. Se houvesse uma cláusula de barreira de 5% municipal o PT seria barrado, pois só elegeu 4,9% dos vereadores e 4,6% dos prefeitos. E o pior é que o partido perdeu cerca de 50% dos vereadores e 60% dos prefeitos que já tinha (sendo que o volume de receitas administradas pelos petistas será agora 84% menor). Com tal resultado o PT voltou a 1985, quando Maria Luíza Fontenele foi eleita prefeita de Fortaleza. A única fortaleza que restou em 2016 foi Rio Branco (pois é muito provável que o PT perca também o único segundo turno que alcançou: Recife). 

Além de perder o governo (com o impeachment de Dilma), o PT também perdeu a hegemonia (pelo menos numérica) na oposição. O PDT - na oposição a Temer - ultrapassou o PT, tanto em número de prefeitos eleitos (334 a 256) quanto em número de vereadores (3.756 a 2.795).

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O pior é que o PT foi batido em quase todo lugar que considerava estratégico, sobretudo no berço do partido, na região do ABC. Até Marcos Cláudio Lula da Silva, filho de Lula, só conseguiu 1.504 votos em São Bernardo do Campo e não foi reeleito. E em praticamente todo lugar em que Lula foi fazer campanha, seu candidato foi derrotado, com destaque para o solerte Marcio Pochmann, em Campinas. 

O fato é que, com estas eleições, o PT vai virando uma espécie de PCdoB. Ou um partido baiano... (perdão pelo duplo sentido) sem Salvador (onde venceu ACM Neto no primeiro turno, com um horror de votos). 

E contra fatos, não há argumentos. As eleições mostraram que a sociedade brasileira rejeitou a falsa narrativa do golpe e o Fora Temer. A tal Carina Vitral, presidente da UNE e uma das campeãs do Fora Temer, foi um desastre eleitoral em Santos: teve apenas 6% dos votos para prefeita. Aliás, a soma dos resultados de todos os partidos que dizem que o impeachment foi golpe não ultrapassa 20%. 

É incontestável, portanto, quem saiu derrotado nas eleições: o PT. Mas o vitorioso não foi nenhum articulador genial e sim a sociedade brasileira. A imensa maioria, dos que foram votar e deram votos válidos, votou em vários candidatos de diversos partidos: só não votou no PT. Podemos dizer que os candidatos do PT foram cuidadosamente escolhidos pelo eleitor para não serem eleitos e que esse foi um sentimento difuso e generalizado, não o resultado de uma orientação centralizada, nem o efeito de um movimento organizado. Sim, foi a sociedade que deu o troco depois de 10 anos de pilantragem do governo, banditismo de Estado e péssimos resultados econômicos com inflação e desemprego. E quando a sociedade faz isso, só pode mesmo fazê-lo de modo distribuído, sem combinação prévia, sem orquestração. Todo mundo estava de saco cheio do PT: muitos nem foram votar, outros foram, mas protestaram anulando o voto ou votaram em branco; os que deram votos válidos, entretanto, em sua imensa maioria, escolheram qualquer um, ou - de preferência - qualquer um que barrasse o acesso do PT ao Estado (e só assim se explica, por exemplo, a extraordinária votação de João Dória e não pelas artes mágicas de Geraldo Alckmin). 

Quem derrotou o PT não foi o PSDB, não foi Alckmin, não foi Temer ou o PMDB. Quem derrotou o PT foi a sociedade brasileira. Ou se entende isso, ou não se entende nada.

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