Existe algum futuro para o diálogo na Venezuela?
A situação da Venezuela,
iniciado o acalentado diálogo entre o governo e as oposições, com mediação do
Vaticano, aproxima-se claramente de um impasse, ainda que não se possa prever
ainda um desfecho. O governo se empenha em bloquear todas as saídas políticas a
um conflito que é o que se estabeleceu em torno da permanência ou não do
presidente Nicolás Maduro em seu cargo, esperado pelas oposições numa
derradeira saída constitucional, e sabotado pelo próprio governo, o presidente
Maduro em primeiro lugar, o PSUV logo em seguida, as FFAA em terceiro lugar,
com talvez algumas oscilações de conduta, caso a situação se aproxime de um
enfrentamento de tipo violento. Em termos claros, ninguém consegue prever, nem
mesmo os principais protagonistas, o que pode ocorrer na Venezuela nas próximas
semanas. A situação da população, por sua vez, se agrava cada vez mais, em face
do desabastecimento e da própria crise política, alimentada pelo governo
diretamente.
O Brasil, país que sob
os governos petistas anteriores, em especial o presidente Lula pessoalmente,
apoiou aberta e enfaticamente o regime chavista em todas as suas etapas,
carrega enorme responsabilidade sobre o impasse que se criou em função
precisamente desse suporte político e material fornecido ao regime durante os
quase quinze anos de convivência amigável, em grande medida secreta. Não é
improvável que o apoio recebido por Chávez de Lula tenha outros elementos a
serem considerados do que simples simpatias ideológicas, ou diretrizes emanadas
dos comunistas cubanos, diretamente ou via Foro de São Paulo. Os cubanos
dominam tão amplamente as duas pontas dessa relação, por motivos que superam o
destino individual dos protagonistas, que caberia agregar esse fator em
qualquer investigação que se faça sobre os aspectos públicos – negócios,
projetos conjuntos, visitas diplomáticas – e sobretudo sobre os aspectos
secretos dessa interação pouco documentada nos registros oficiais das duas
partes. Agora que Chávez desapareceu – mas os cubanos permanecem – e que o
ciclo petista nos quatro últimos governos brasileiros se encerrou, vários
elementos dessa relação assumiram necessariamente formas ainda menos claras, ou
abertas.
O novo governo do Brasil
não tem, obviamente, simpatias pelo regime chavista da Venezuela, mas hesita
fortemente quanto aos caminhos a serem adotados, por várias razões, nem todas
podendo ser confessadas abertamente. Uma delas, justamente, é a existência de
algum comércio residual entre os dois países, uma vez que a Venezuela já chegou
a representar um dos mais importantes três ou quatro saldos excedentários das
balanças comerciais bilaterais do Brasil. Um rompimento diplomático ou
afastamento ainda mais nítido poderia colocar em dificuldade para a liquidação
desses saldos, agora irrelevantes no plano macroeconômico, mas ainda importante
no plano microeconômico para algumas empresas do norte ou mesmo do sudeste. Existem,
por outro lado, vários financiamentos oficiais e negócios em curso, que o
governo não quer ver prejudicados se houvesse um rompimento ainda maior do que
a atual situação de retirada recíproca de embaixadores.
As hesitações mais
importantes se explicam contudo pelo temor de que, ao cabo de uma pressão
aberta e declarada do governo brasileiro, sobrevenha um rompimento explícito e
formal, o que deixaria o Brasil sem qualquer condição de conduzir contatos,
negociações, ou até tratar dos impactos decorrentes do agravamento da crise,
sobretudo em seus aspectos humanitários na fronteira e além dela. Essas
hesitações são reais, mas não explicam o pouco ativismo do Brasil nos
organismos regionais e multilaterais do hemisfério. Por um lado o governo
brasileiro não tem nenhuma simpatia pelo presidente da Unasul, não apenas em
vista da simpatia sempre demonstrada por Samper em favor dos governos
lulopetistas, como também porque essa entidade é considerada como pró-chavista
e totalmente complacente com os governos bolivarianos. A OEA, por sua vez, é
considerada muito próxima dos EUA para ser eficiente num mecanismo de pressões
políticas e de negociações mediadas diretamente por ela (inclusive porque o seu
secretário-geral já se inviabilizou como mediador ou patrocinador de um
diálogo).
O Mercosul, por sua vez,
que já cometeu inúmeras irregularidades nos processos de adesão e de
incorporação da Venezuela ao bloco, encontra-se paralisado em função de
diferenças de pontos de vista entre seus membros quanto às condições de
aplicação da cláusula democrática – Protocolo de Ushuaia – ou qualquer outra
medida mais forte. Os chanceleres dos quatro membros originais, à exclusão da
própria Venezuela, que tem insistido estar na presidência pró-tempore do bloco,
apresentaram uma espécie de ultimatum light à Venezuela, colocando a data de
1/12/2016 como o limite de tempo no qual a Venezuela deveria cumprir uma série
de requisitos técnicos para confirmar sua incorporação plena às regras
comerciais do Mercosul. Mas isso não representa nenhuma grande ameaça ao
governo chavista em si, apenas um incômodo suplementar. Nem se sabe o que
ocorrerá, efetivamente, após a data fixada pelos quatro membros do bloco.
A crise econômica se
aprofunda, a crise política só pode se agravar com as manobras e tergiversações
do governo chavista – ou de Maduro pessoalmente – e o Brasil e o Mercosul
encontram-se totalmente indecisos quanto ao que fazer para poder influir no
processo político venezuelano. De fato, uma atitude mais incisiva por parte do
governo Temer do Brasil teria um efeito muito limitado sobre os atuais dirigentes
da Venezuela, com os quais, de resto, não existe diálogo possível, em vista das
ofensas já dirigidas pelo presidente Maduro e por sua chanceler contra o
governo “golpista” que assumiu oficialmente pouco mais de dois meses atrás (mas
o distanciamento já tinha se manifestado desde maio último, com o afastamento
provisório da presidente).
Aparentemente, portanto,
a crise venezuelana continuará se desenvolvendo com sua dinâmica própria, com
um papel irrelevante, ou absolutamente marginal, dos países vizinhos e das
organizações regionais num processo que pode atingir algum clímax nas próximas
semanas, com o fracasso previsível do atual diálogo mediado pelo Vaticano.
O que fará o Brasil?
Provavelmente muito pouca coisa, além de preparar as FFAA para atuar na
fronteira de Roraima para acolher um eventual afluxo ainda maior de
venezuelanos, fugindo por motivos econômicos, ou saindo no seguimento de uma
crise ainda maior, com derramamento de sangue, divisão das forças militares e
políticas (do PSUV), e precipitação de choques violentos entre protagonistas
ainda não de todo definidos. Se a situação se agravar realmente, nenhum dos
órgãos regionais está em condições de exercer qualquer papel protagonista, e
talvez o assunto reverta ao próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Não está claro que o
Brasil esteja em condições de assumir qualquer liderança em qualquer cenário
que se desenho, e isso é preocupante para um candidato a líder regional e
alegadamente a uma cadeira permanente no CSNU. A única organização supostamente
habilitada a atuar, politicamente, seria o Conselho de Defesa da Unasul, que é
singularmente inoperante uma vez que a divisão entre bolivarianos e os demais
países se fará clara desde o primeiro momento.
Ou seja, estamos numa
situação de impasse real na Venezuela e de total indefinição da parte dos seus
vizinhos e organismos regionais. O Brasil deveria, há muito tempo, ter proposto
a criação de um “Grupo de Apoio ao povo venezuelano”: ele não o fez, não fará,
e não tem condições diplomáticas ou políticas de fazê-lo. Pobre povo
venezuelano, abandonado e sem solidariedade real na região ou fora dela.
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