segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Venezuela: o que vai se passar depois do fracasso do dialogo mediado pelo Vaticano? Ninguem sabe...

Existe algum futuro para o diálogo na Venezuela?


A situação da Venezuela, iniciado o acalentado diálogo entre o governo e as oposições, com mediação do Vaticano, aproxima-se claramente de um impasse, ainda que não se possa prever ainda um desfecho. O governo se empenha em bloquear todas as saídas políticas a um conflito que é o que se estabeleceu em torno da permanência ou não do presidente Nicolás Maduro em seu cargo, esperado pelas oposições numa derradeira saída constitucional, e sabotado pelo próprio governo, o presidente Maduro em primeiro lugar, o PSUV logo em seguida, as FFAA em terceiro lugar, com talvez algumas oscilações de conduta, caso a situação se aproxime de um enfrentamento de tipo violento. Em termos claros, ninguém consegue prever, nem mesmo os principais protagonistas, o que pode ocorrer na Venezuela nas próximas semanas. A situação da população, por sua vez, se agrava cada vez mais, em face do desabastecimento e da própria crise política, alimentada pelo governo diretamente.
O Brasil, país que sob os governos petistas anteriores, em especial o presidente Lula pessoalmente, apoiou aberta e enfaticamente o regime chavista em todas as suas etapas, carrega enorme responsabilidade sobre o impasse que se criou em função precisamente desse suporte político e material fornecido ao regime durante os quase quinze anos de convivência amigável, em grande medida secreta. Não é improvável que o apoio recebido por Chávez de Lula tenha outros elementos a serem considerados do que simples simpatias ideológicas, ou diretrizes emanadas dos comunistas cubanos, diretamente ou via Foro de São Paulo. Os cubanos dominam tão amplamente as duas pontas dessa relação, por motivos que superam o destino individual dos protagonistas, que caberia agregar esse fator em qualquer investigação que se faça sobre os aspectos públicos – negócios, projetos conjuntos, visitas diplomáticas – e sobretudo sobre os aspectos secretos dessa interação pouco documentada nos registros oficiais das duas partes. Agora que Chávez desapareceu – mas os cubanos permanecem – e que o ciclo petista nos quatro últimos governos brasileiros se encerrou, vários elementos dessa relação assumiram necessariamente formas ainda menos claras, ou abertas.
O novo governo do Brasil não tem, obviamente, simpatias pelo regime chavista da Venezuela, mas hesita fortemente quanto aos caminhos a serem adotados, por várias razões, nem todas podendo ser confessadas abertamente. Uma delas, justamente, é a existência de algum comércio residual entre os dois países, uma vez que a Venezuela já chegou a representar um dos mais importantes três ou quatro saldos excedentários das balanças comerciais bilaterais do Brasil. Um rompimento diplomático ou afastamento ainda mais nítido poderia colocar em dificuldade para a liquidação desses saldos, agora irrelevantes no plano macroeconômico, mas ainda importante no plano microeconômico para algumas empresas do norte ou mesmo do sudeste. Existem, por outro lado, vários financiamentos oficiais e negócios em curso, que o governo não quer ver prejudicados se houvesse um rompimento ainda maior do que a atual situação de retirada recíproca de embaixadores.
As hesitações mais importantes se explicam contudo pelo temor de que, ao cabo de uma pressão aberta e declarada do governo brasileiro, sobrevenha um rompimento explícito e formal, o que deixaria o Brasil sem qualquer condição de conduzir contatos, negociações, ou até tratar dos impactos decorrentes do agravamento da crise, sobretudo em seus aspectos humanitários na fronteira e além dela. Essas hesitações são reais, mas não explicam o pouco ativismo do Brasil nos organismos regionais e multilaterais do hemisfério. Por um lado o governo brasileiro não tem nenhuma simpatia pelo presidente da Unasul, não apenas em vista da simpatia sempre demonstrada por Samper em favor dos governos lulopetistas, como também porque essa entidade é considerada como pró-chavista e totalmente complacente com os governos bolivarianos. A OEA, por sua vez, é considerada muito próxima dos EUA para ser eficiente num mecanismo de pressões políticas e de negociações mediadas diretamente por ela (inclusive porque o seu secretário-geral já se inviabilizou como mediador ou patrocinador de um diálogo).
O Mercosul, por sua vez, que já cometeu inúmeras irregularidades nos processos de adesão e de incorporação da Venezuela ao bloco, encontra-se paralisado em função de diferenças de pontos de vista entre seus membros quanto às condições de aplicação da cláusula democrática – Protocolo de Ushuaia – ou qualquer outra medida mais forte. Os chanceleres dos quatro membros originais, à exclusão da própria Venezuela, que tem insistido estar na presidência pró-tempore do bloco, apresentaram uma espécie de ultimatum light à Venezuela, colocando a data de 1/12/2016 como o limite de tempo no qual a Venezuela deveria cumprir uma série de requisitos técnicos para confirmar sua incorporação plena às regras comerciais do Mercosul. Mas isso não representa nenhuma grande ameaça ao governo chavista em si, apenas um incômodo suplementar. Nem se sabe o que ocorrerá, efetivamente, após a data fixada pelos quatro membros do bloco.
A crise econômica se aprofunda, a crise política só pode se agravar com as manobras e tergiversações do governo chavista – ou de Maduro pessoalmente – e o Brasil e o Mercosul encontram-se totalmente indecisos quanto ao que fazer para poder influir no processo político venezuelano. De fato, uma atitude mais incisiva por parte do governo Temer do Brasil teria um efeito muito limitado sobre os atuais dirigentes da Venezuela, com os quais, de resto, não existe diálogo possível, em vista das ofensas já dirigidas pelo presidente Maduro e por sua chanceler contra o governo “golpista” que assumiu oficialmente pouco mais de dois meses atrás (mas o distanciamento já tinha se manifestado desde maio último, com o afastamento provisório da presidente).
Aparentemente, portanto, a crise venezuelana continuará se desenvolvendo com sua dinâmica própria, com um papel irrelevante, ou absolutamente marginal, dos países vizinhos e das organizações regionais num processo que pode atingir algum clímax nas próximas semanas, com o fracasso previsível do atual diálogo mediado pelo Vaticano.
O que fará o Brasil? Provavelmente muito pouca coisa, além de preparar as FFAA para atuar na fronteira de Roraima para acolher um eventual afluxo ainda maior de venezuelanos, fugindo por motivos econômicos, ou saindo no seguimento de uma crise ainda maior, com derramamento de sangue, divisão das forças militares e políticas (do PSUV), e precipitação de choques violentos entre protagonistas ainda não de todo definidos. Se a situação se agravar realmente, nenhum dos órgãos regionais está em condições de exercer qualquer papel protagonista, e talvez o assunto reverta ao próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Não está claro que o Brasil esteja em condições de assumir qualquer liderança em qualquer cenário que se desenho, e isso é preocupante para um candidato a líder regional e alegadamente a uma cadeira permanente no CSNU. A única organização supostamente habilitada a atuar, politicamente, seria o Conselho de Defesa da Unasul, que é singularmente inoperante uma vez que a divisão entre bolivarianos e os demais países se fará clara desde o primeiro momento.
Ou seja, estamos numa situação de impasse real na Venezuela e de total indefinição da parte dos seus vizinhos e organismos regionais. O Brasil deveria, há muito tempo, ter proposto a criação de um “Grupo de Apoio ao povo venezuelano”: ele não o fez, não fará, e não tem condições diplomáticas ou políticas de fazê-lo. Pobre povo venezuelano, abandonado e sem solidariedade real na região ou fora dela.

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