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terça-feira, 15 de novembro de 2016

Magistrados do STF: exibicionistas sem pudor - Rubens Ricupero

Ricupero, como sempre sensato, na maior parte das vezes. Mas não concordo com essa visão proibitiva, fiscalizadora, quase policialesca, do controle das doações eleitorais. Como liberal, creio que tudo deve ser absolutamente livre, até o poder econômico, desde que transparente. Como acredito, também, que partidos são "partes" da sociedade, não deveria haver, em qualquer hipótese, financiamento público de partidos ou de campanhas: tudo absolutamente privado, inclusive porque partidos são entidades de direito privado.
Total liberdade a todos, a sociedade se encontra mais nas liberdades do que nas proibições.
Paulo Roberto de Almeida

EGOS EM EXPOSIÇÃO
"Maioria do Supremo é de pessoas que se pavoneiam com uma vaidade absurda"
Por Brenno Grillo
Revista Consultor Jurídico, 13 de novembro de 2016

A exposição excessiva do Judiciário é prejudicial, pois se antes a sociedade não sabia praticamente nada sobre a capacidade dos seus integrantes, agora ela tem certeza de seus defeitos. A opinião é do professor, diplomata, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente do governo Itamar Franco (1992-1994), Rubens Ricupero. "É como a nudez. À nudez, pouca gente resiste", sentencia.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Ricupero criticou duramente o Supremo Tribunal Federal. Os membros da corte, diz ele, se expõem demais, o que acaba diminuindo-os frente à população. “A imensa maioria é formada de pessoas que se pavoneiam com uma vaidade absurda e não são capazes de manter um comportamento como um magistrado deveria ter, de discrição.”

E os juristas do país, segundo o professor, pararam no tempo, tornado-se  “figuras intelectualmente anacrônicas”, que prejudicaram o Direito brasileiro, tornando-o obsoleto. “Enquanto o Direito anglo-saxônico olha o resultado, a efetividade, o nosso é muito formalista, envelhecido, sem ideias.”

E a influência do Direito anglo-saxônico fica visível na operação "lava jato", que investiga corrupção envolvendo a Petrobras e partidos políticos. Para Ricupero, a investigação "só se viabilizou porque os homens que a conduzem conhecem o Direito americano. E muitos estudaram lá. Por exemplo, a delação premiada que, finalmente, foi incorporada ao direito brasileiro, é uma instituição que existe há décadas nos Estados Unidos”.

Mesmo elogiando a inovação trazida pelos envolvidos na "lava jato", Rubens Ricupero não se furta de apontar problemas no caso que deu fama ao juiz Sergio Moro. O uso seguido de prisões preventivas, apontadas por advogados como uma forma de forçar delações premiadas, diz ele, contamina a operação.

Leia a entrevista:

ConJur — Desde a Ação Penal 470, o processo do mensalão, e agora com a operação "lava jato", o Judiciário tem ocupado lugar de destaque no noticiário e nas rodas de conversa. Essa exposição é boa ou ruim?
Rubens Ricupero — Acho que é muito negativa, porque a exposição excessiva revela muito. É como a nudez. À nudez, pouca gente resiste. Porque, no fundo, a roupa foi uma invenção que, além de todos os outros benefícios, tem um benefício estético muito grande. Só pessoas que têm um corpo perfeito aguentam serem expostas a nu. A mesma reflexão se aplica ao caráter, à personalidade das pessoas. Pessoas que se expõem, como esses ministros — falando, gesticulando, mostrando egos superdimensionados—, na verdade, se diminuem aos olhos da população. O Supremo Tribunal Federal pode ser que não tenha sido melhor no passado, mas as pessoas não sabiam. Hoje em dia elas sabem.

O que tem por aí, em geral, é triste. A imensa maioria é formada de pessoas que se pavoneiam com uma vaidade absurda e não são capazes de manter um comportamento como um magistrado deveria ter, de discrição. O contraste com a Suprema Corte americana é chocante. Não garanto que os juízes da Suprema Corte americana sejam melhores do que os nossos, mas ninguém sabe. Porque eles se portam publicamente com muita discrição. É raríssimo alguém dar uma opinião. Recentemente, uma juíza da suprema corte fez uma declaração sobre o Trump, que era correta, mas ela logo depois pediu desculpas, dizendo que não era apropriado, que ela não deveria ter falado aquilo. Aqui eles falam sobre tudo, inclusive, questões que estão sendo julgadas. O Judiciário brasileiro, hoje, — incluindo aí os procuradores e promotores públicos — tem uma imagem melhor, sobretudo a nova geração. É o caso do juiz Moro, dos procuradores em Curitiba. Não só por causa da “lava jato”. São pessoas mais atualizadas.

O problema dos juristas brasileiros é que eles são, quase todos, figuras intelectualmente anacrônicas. O Direito brasileiro é um Direito muito envelhecido. E eu sou bacharel em Direito, e por isso posso falar disso. E meus dois irmãos eram magistrados, se aposentaram como desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo. O Direito brasileiro sempre foi de segunda mão. Sempre inspirado pela Itália, pela Alemanha, pela França. No passado ainda havia, aqui, juristas que se equiparavam, de certa forma, aos grandes juristas mundiais. Hoje, não há mais. O que impera é uma certa mediania.

E é um Direito que não acompanhou a evolução do tempo. Por isso é que, no caso do Direito Empresarial, nós temos coisas absurdas. Mesmo a reforma da Lei de Falência e os esforços que se fizeram são muito insuficientes. O número de recursos... Os casos não terminam. Nos Estados Unidos, quando houve a mega falência da Enron, aquela grande companhia de energia, em um ano, a falência estava liquidada. Era uma falência gigantesca.

ConJur — Algumas levam décadas, não?
Rubens Ricupero — Levam. Enquanto que o Direito anglo-saxônico olha o resultado, a efetividade; o nosso é muito formalista, envelhecido, sem ideias. Tanto assim que a operação “lava jato” só se viabilizou porque os homens que a conduzem conhecem o Direito americano. E muitos estudaram lá. Por exemplo, a delação premiada que, finalmente, foi incorporada ao direito brasileiro, é uma instituição que existe há décadas nos Estados Unidos.

É a chamada plea bargaining, a negociação da sentença. Nos Estados Unidos, em Direito Penal, a maioria dos casos nunca vai a julgamento. Eles são negociados. Porque eles estão mais interessados na rapidez e na efetividade, do que na suposta perfeição da Justiça. O que está funcionando é por causa dessa gente que está em contato com os procuradores americanos e da Suíça. O resto, o que depende desse pessoal mais velho, se arrasta.

ConJur — A “lava jato” é muito criticada pela dobradinha “prisão preventiva-delação premiada”. Os advogados de defesa, e outros tantos juristas, dizem que as prisões decretadas pelo juiz Moro são um incentivador para as delações. O senhor concorda com isso?
Rubens Ricupero — A meu ver há um elemento de verdade nessa acusação. Eu não me sinto satisfeito nem com o excesso de prisões preventivas que se prolongam por meses e meses; nem, justamente, por essa prisão psicológica que se faz para a delação. Eu tenho a impressão de que essas coisas, de fato, contaminam a “lava jato”.

ConJur — Assim como o senhor falou do Supremo, os procuradores da “lava jato” também têm aparecido muito, por exemplo, encampando as 10 medidas do MPF. Essa exposição excessiva do Ministério Público também não é prejudicial?
Rubens Ricupero — Em tese, eu distingo as duas coisas. Eu acho que mesmo em um regime com instituições muito melhores do que as brasileiras, a Suprema Corte e os juízes, de uma maneira geral, têm que ser discretos. Não sou favorável à transmissão ao vivo de julgamento — salvo exceções muito excepcionais. Eu creio que é um princípio basilar da magistratura que o juiz se mantenha com uma certa circunspecção. Então, não comparo uma coisa com a outra.

No segundo caso, eu diria a você que, se nós tivéssemos instituições melhores, seria estranho que houvesse campanha pública de procuradores. Infelizmente, nas circunstâncias brasileiras, é inevitável. Porque é óbvio que a mudança das leis penais e leis processuais penais não virá do Congresso. Porque há tanta gente no Congresso que está ameaçada, inclusive, no caso da operação [“lava jato”]... O que nós temos visto no Brasil é uma tendência sempre a aguar a legislação penal.

O Brasil é um país que tem uma legislação penal e de cumprimento de pena extremamente indulgente. É um país que tem uma violência enorme. Níveis de violência fantásticos. E vai ter uma legislação penal, de processo penal como se fosse a Dinamarca. É completamente contraditório. Então, a meu ver, eu penso que eles têm razão de fazer essa campanha porque é uma maneira, talvez, de esclarecer a opinião pública e criar uma pressão para uma reforma das leis penais. Não que eu pense que apenas a dureza das leis penais resolva. Não. Eu acho que as leis penais e de processo penal têm que ser justas. Elas têm que ser, sem dúvida nenhuma, sentidas. Mas, têm que ser cumpridas. Eu acho um absurdo, por exemplo, essas saídas periódicas que todo mundo já viu e uma boa porcentagem não volta.

É óbvio que não se deve ir nem a um extremo nem a outro. Eu não sou favorável, por exemplo, à legislação penal de alguns estados americanos, que são absurdas, nas quais a pessoa que comete uma terceira violação, mesmo que seja apenas a posse de um cigarro de maconha, pode ser condenada à prisão perpétua. E lá é perpétua mesmo, a pessoa morre na prisão. Acho isso um absurdo. É um atentado.

Tem que se encontrar um ponto de equilíbrio. Mas, o ponto de equilíbrio, às vezes, tem que ser duro. Eu vou lhe dar o exemplo da Itália. A Itália é um país que tem um direito penal brilhante. A maior parte dos penalistas brasileiros até se formaram estudando os livros de penalistas italianos. No entanto, a Itália tem uma espécie de pena que é prisão perpétua de verdade. Os líderes da Cosa Nostra não saem nunca. Morrem na prisão. Por quê? Porque eles compreendem que em alguns casos não há recuperação possível. Para um grande líder da Cosa Nostra que vive daquele poder, daquela riqueza, a prisão tem que ser definitiva.

Porque ele solto causa ainda muito mais danos. O Brasil não tem essa possibilidade, fica jogando com teorias que já não são aplicadas nem onde elas nasceram. Porque foi na Itália que começou o movimento de humanização do Direito Penal, com o marquês de Beccaria. Mas o Brasil é o país que fica preso a conceitos de cem anos atrás.

ConJur — O senhor é a favor da prisão depois de condenação em segunda instância?
Rubens Ricupero — Em muitos casos, sim. Não em todos os casos porque o Brasil tem uma qualidade de Justiça muito diferente conforme os estados. E há estados por aí em que não se pode colocar a mão no fogo pela qualidade da segunda instância. Então, haveria esse risco. Mas creio que os tribunais têm competência para julgar caso por caso, como aquele episódio que houve aqui, da construção do fórum [Trabalhista de São Paulo]. Um dos empresários desse caso da construção do Fórum, que foi condenado a mais de 30 anos, já tinha acionado 33 recursos para não cumprir a pena. Isso, obviamente, é demais, em qualquer lugar. E aí cai mesmo naquela questão: o sujeito que tem dinheiro, que tem bons advogados, não vai preso nunca.

ConJur — O Supremo tem invadido competência do Legislativo?
Rubens Ricupero — O Supremo tem ido muito longe. Nós deveríamos ter, a meu ver, quando houvesse uma grande reforma, um sistema diferente, uma corte apenas constitucional. Como há na Itália, na França e em outros lugares. E uma Suprema Corte para a maioria dos outros processos. E a corte constitucional deveria ter diretrizes que limitassem essa capacidade de legislar em lugar do legislador. Isso tem acontecido no Brasil porque cria-se um vácuo. Aquela famosa regra: o poder odeia o vácuo. Quando há um vácuo, alguém ocupa. No caso, tem sido a corte, porque os legisladores não são capazes de votar, às vezes, em coisas relativas a eles.

ConJur — O Supremo acertou ao proibir as doações para empresas para candidatos?
Rubens Ricupero — Sou favorável à proibição das doações das empresas. Mas acho que não basta, porque é preciso impor limites grandes ao quanto se pode gastar. É preciso adotar normas impedindo que as eleições se transformem em programas, como se fossem filmes, e sejam mais de debates de ideias. Eu creio que mesmo as doações individuais deveriam ser policiadas e observadas de perto. Porque pode acontecer, por exemplo, que uma empresa seja proibida de doar, mas que os políticos façam pressão sobre os diretores das empresas para fazerem doações a título de individual. E aí isso burlaria a lei. É preciso verificar isso com muito cuidado, porque a violação das leis de financiamento de campanha existe em todos os países. Até na Inglaterra, que tem leis muito mais aperfeiçoadas e onde se gasta muito menos do que aqui. É preciso ter um cuidado muito grande para que essas coisas não escapem ao controle.

ConJur — Qual é o modelo de voto que mais lhe agrada?
Rubens Ricupero — Distrital misto. Creio que deve haver um caráter de distrito, com algumas correções. Como é que você vai se candidatar em um estado inteiro como São Paulo, com mais de quinhentos municípios. O dinheiro que isso exige.

ConJur — O senhor é a favor de adiantar as eleições para presidente?
Rubens Ricupero — Não. Eu sou a favor do parlamentarismo. Sempre fui. Eu fui um dos votos minoritários em janeiro de 1963. Sempre fui favorável ao regime parlamentar. Sou contra o regime presidencial. Acho que se nós tivéssemos um regime parlamentar — é claro, não com 35 partidos, mas com um número menor —, episódios como o do impeachment não existiriam.  Porque o governo cairia. O gabinete cai e forma um novo gabinete. Como a Angela Merkel disse quando veio o Brasil, né. No regime parlamentar, a mudança do governo não é uma crise, mas uma solução da crise.

ConJur — E por que no presidencialismo essa mudança é tão traumática, enquanto no parlamentarismo é mais aceita?
Rubens Ricupero — É que o presidencialismo é muito rígido. É um sistema em que, praticamente, durante o mandato que se conferiu à pessoa eleita, não há como interferir se ele não se provar à altura da confiança depositada. A racionalidade deveria aconselhar a que se mudasse o governo quando este se mostra incapaz de encaminhar soluções dos problemas.

No presidencialismo se espera uma data. No caso brasileiro, daí o impasse, o dilema em que nós estávamos. Ela não deveria ter sido reeleita. Já a reeleição foi um engano, foi um engano obtido graças ao uso maciço de recursos econômicos e ao poder do governo. A atitude do partido, no poder, de não aceitar a transição, de não aceitar a alternância no poder. A verdade é que o PT tem uma tendência que não é democrática. A tendência do PT é muito avessa à alternância do poder. O PT tentou se manter no poder a qualquer custo. Não sou eu que estou dizendo. Eles disseram. Ela [Dilma Rousseff] mesmo declarou que iria fazer o diabo. O Lula disse: “agora vocês vão ver do que nós somos capazes”.  Eles são capazes de tudo e foi o que se viu.

Conseguiram a reeleição, embora por pouca diferença. Esse é que foi o erro. O erro de onde nasce essa crise é a reeleição de uma pessoa que era manifestamente inepta. Que tinha provado isso há quatro anos. Por exemplo, os argentinos, que nós costumamos criticar, não cometeram esse erro. É verdade que lá não poderia mais reeleger. Mas não reelegeram a pessoa que representaria a continuação do governo da Cristina Kirchner. Aqui se elegeu a continuação de um sistema que já estava mergulhado numa profunda crise a partir de 2013. Outra instituição contra a qual eu me pronuncio é a reeleição. Foi um grande erro do Fernando Henrique ter patrocinado essa emenda da reeleição.

Brenno Grillo é repórter da revista Consultor Jurídico.

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