Roberto Campos, 100 anos: sempre atual
Paulo Roberto de Almeida
O Estado de S. Paulo, 15 de abril de 2017
Em 17 de abril, Roberto Campos estaria completando cem
anos. Sua vida pública estende-se do início de 1939, quando toma posse como
diplomata, na primeira turma em concurso organizado pelo DASP – Departamento
Administrativo do Serviço Público – até o final do século, quando ele se
despede da Câmara dos Deputados, ao final de dois mandatos como representante
de Mato Grosso e do Rio de Janeiro, e de um mandato inicial como senador pelo
Mato Grosso, a partir de 1983. Campos foi um tecnocrata esclarecido, o mais
iluminista de nossos intelectuais, um estadista exemplar, embora frustrado em
suas inúmeras tentativas de reformar o Brasil, de retirá-lo de uma pobreza
evitável para colocá-lo numa situação de prosperidade possível, como argumentou
diversas vezes ao longo de meio século.
Minha interação com o grande brasileiro ocorreu apenas
duas vezes, de forma direta, e intensamente, de forma indireta, ao longo de
quase 50 anos, quando passei de um suposto opositor ideológico do então
“serviçal da ditadura militar” – enquanto ministro do Planejamento do governo
Castello Branco, ao defender ele o Programa de Ação Econômica do Governo, em
uma faculdade de São Paulo – a um admirador de sua lógica impecável, na defesa
de políticas econômicas racionais, quando o visitei na Câmara dos Deputados, em
meados dos anos 1990, cinco anos antes de sua morte, em 2001. Nessa época, eu
já tinha lido a maior parte de sua produção jornalística, os artigos semanais
que ele publicou ao longo de mais de 50 anos nos grandes jornais do Rio e de
São Paulo. Nos últimos meses, dediquei-me a ler seus ensaios mais eruditos,
artigos de corte acadêmico e de análise econômica empiricamente embasada, a
começar por sua tese de mestrado de 1947 – praticamente uma tese de doutorado,
na opinião do grande economista austríaco Joseph Schumpeter – sobre flutuações
e ciclos econômicos, defendida na George Washington University, quando ele
servia na embaixada em Washington, em sua primeira remoção ao exterior pelo
Itamaraty.
Como resultado dessa revisão completa de toda a sua
obra escrita – e de diversas entrevistas gravadas nos meios de comunicação –
pude compor metade de um livro organizado por mim, O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos
(Curitiba: Appris), que reúne ainda contribuições de dez outros colaboradores
que se dedicaram a discorrer sobre as diversas facetas de um intelectual
completo, provavelmente o maior do Brasil na segunda metade do século XX. Nele,
o professor de história da UnB e assessor legislativo Antonio José Barbosa
dedica-se por exemplo a examinar seu perfil parlamentar, a última etapa de uma
vida inteiramente dedicada a tentar fazer do Brasil um país menos injusto, uma
economia mais desenvolvida, uma nação mais integrada na grande interdependência
global. O jovem historiador Rogério de Souza Farias examina a participação de
Roberto Campos na comissão de reforma institucional do Itamaraty, na primeira
metade dos anos 1950, quando ele tenta aplicar alguns dos procedimentos
seguidos pelo diplomata americano George Kennan, então responsável pela área de
planejamento político no Departamento de Estado. Ricardo Vélez-Rodríguez, outro
colaborador, focaliza o patrimonialismo na visão de Roberto Campos, um dos
cinco “ismos” negativos, junto com o protecionismo, o nacionalismo, o corporatismo
e o estatismo, a comprometer o desenvolvimento sustentado do Brasil.
Em todas as demais contribuições a essa obra – de
Antonio Paim, de Ives Gandra Martins, de Reginaldo Teixeira Perez, de Carlos
Henrique Cardim, de Roberto Castello Branco, Rubem Freitas Novaes e Paulo
Kramer, que traça um paralelo entre Campos e Raymond Aron – transparece a
profunda adequação dos diagnósticos e das prescrições do economista e diplomata
à atualidade dos problemas brasileiros, de uma maneira até angustiante, ao
constatarmos que tudo o que ele dizia, desde meados dos anos 1950 até seus
últimos anos, aplica-se quase que de maneira perfeita aos desafios que enfrentam
os dirigentes do governo Temer, depois da Grande Destruição produzida pelas
irresponsáveis administrações lulopetistas. Campos, que teve sobre Raymond Aron
a sorte de ver suas previsões sobre a inviabilidade do socialismo enquanto
regime econômico e político confirmadas pelo veredito da história, teve a
duvidosa “felicidade” de não assistir ao desmantelamento da frágil estabilidade
criada pelo Plano Real sob os golpes combinados da inépcia e da corrupção dos
governos lulopetistas.
No dia do centenário de Roberto Campos, um outro
livro, Lanterna na Proa, organizado
por Paulo Rabello de Castro e Ives Gandra Martins (Editora Resistência
Cultural), também será lançado, trazendo as contribuições de mais de sessenta
autores sobre igual número de aspectos da vida e da obra do diplomata que
assistiu à criação da ordem econômica contemporânea, em Bretton Woods, em 1944
(objeto de um dos meus textos), que participou do exercício pioneiro de
planejamento econômico no âmbito da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, que
dirigiu e presidiu ao BNDE (outro dos meus capítulos no mesmo livro) e que
exerceu, com Octávio Gouvêa de Bulhões, a liderança do maior esforço de reforma
e de modernização da economia brasileira, em meados dos anos 1960. Os dois
livros, diferentes em estilo mas animados do mesmo espírito de recuperação dos
argumentos pertinentes de Campos em prol da superação das diversas crises
econômicas a que assistiu desde a Segunda Guerra, trazem detalhes de como ele
formulou suas recomendações de políticas públicas sem qualquer vezo ideológico,
ou obsessão com a austeridade, apenas animado por sua postura eclética e
abertura aos dados da realidade.
Aos cem anos, Roberto Campos ainda vive. Vale
relê-lo...
[Brasília, 9 de abril de 2017]
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