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domingo, 1 de abril de 2018

Desafios da pesquisa agropecuária no novo contexto internacional - Zander Navarro

A pesquisa agrícola pública – o que fazer?
ZANDER NAVARRO*
O Estado de S. Paulo, 31 de março de 2018 (página 2)

O Brasil não pode mais ser analisado como fizemos no passado, eis o nó górdio
O ruidoso debate deste ano sobre a situação atual e o futuro das organizações estatais dedicadas à pesquisa agropecuária provocou muitas cobranças. Pedem-se uma receita e iniciativas capazes de restituir virtude social a esse campo de atividades, reorientando a ação estatal. É um tema nacional, mas São Paulo se destaca, com suas centenárias instituições. O que fazer? Ante o cul-de-sac institucional em que se encontram, essas organizações poderão novamente se tornar proativas e eficientes?
Talvez arrolar alguns passos a serem seguidos nem seja desafiador. Dificílimo, sim, será implementar as mudanças. O alicerce fundador é simples de enunciar: é preciso reconhecer sem medo a crise que essas organizações ora experimentam, decorrente das escassas razões que justificariam a sua existência. Refugiar-se no autoelogio, quase sempre enfatizando fatos remotos, desmoraliza tais instituições em tempos de exigências como o atual. Aquele é o primeiro passo, potencializando a humildade que é o pressuposto lógico para iluminar a recuperação. Seria também o contexto construtivo para dialogar com as críticas, pois um fantasioso imaginário panglossiano que essas organizações parecem acalentar não fertiliza o debate.

Sem citar, por falta de espaço, a radical reestruturação interna que precisa ser promovida, aqui se apontam apenas dois aspectos externos. Deveriam estar estimulando febris análises entre os dirigentes dessas organizações.
Um deles é reconhecer que situações de sucesso, como a espetacular transformação recente da agropecuária, não são perenes nem imbatíveis em face da concorrência internacional. Acomodar-se num estado imobilizador de ufanismo apenas amplia os riscos. Esses contextos de êxito não são pétreos, pois os mercados produzem surpresas. Basta examinar a lista das principais empresas com sede nos Estados Unidos e as mudanças operadas no último meio século. Por que a agropecuária brasileira deverá ser um caso de sucesso eterno?
É preciso acompanhar minuciosamente as situações concretas das diferentes cadeias produtivas, em todas as regiões, revelar o seu funcionamento e seus desafios e atuar colado ao mundo da produção. Mas quais organizações de pesquisa agropecuária pública, no Brasil, assim procedem?
Ato contínuo, desvendado esse novo mundo das realidades rurais, se perceberá que existe em curso uma fantástica revolução econômico-financeira e tecnológica no setor, a qual está transformando radicalmente o ambiente social e produtivo no campo. Antes, o foco quase exclusivo foi modernizar o interior dos estabelecimentos rurais. Agora, a tarefa urgente é promover diferentes tipos de infraestruturas para a inovação, bastando citar que também o setor agropecuário vai mover-se, cada vez mais, pelas novas tecnologias da informação e será preciso uma rede de comunicações que seja barata e eficaz. Os agricultores, como sujeitos econômicos, assim como as firmas do seu entorno, precisarão de nuvens para gerir os negócios. O que estamos fazendo para prover o campo dessas emergentes tecnologias?
O que esse comentário anterior implica é que o Brasil rural não pode ser mais analisado como fizemos no passado. Antes bastava pesquisar e analisar as partes, desconsiderando o todo. Como as mudanças recentes uniram as regiões rurais em praticamente todos os processos, tendências e relações possíveis, interpretar o todo se tornou uma exigência analítica e prática – é o segundo aspecto. Um exemplo: o Código Florestal acaba de ter pacificada a sua implantação pelo STF, que aprovou a sua constitucionalidade, exatamente porque eram inúmeras as dimensões ambientais afetando partes do território rural. Assim, uma ação normativa nacional (o todo) surgiu como urgente, estimulando a discussão sobre um novo código. Outro exemplo: o mercado de trabalho rural, antes confinado às regiões, de acordo com as dinâmicas do emprego e a disponibilidade da força de trabalho, em nossos dias é praticamente unificado em todo o País, já que a mobilidade dos trabalhadores se tornou extremamente ampliada, com a multiplicação de estradas, meios de transporte e, especialmente, a informação. Mesmo para os iletrados em busca de ocupação, movimentar-se dentro do Brasil rural tornou-se uma ação atualmente muito facilitada.
A grande unificação do espaço produtivo rural, no entanto, vem se dando pela força do capital. Os investidores e as empresas se movem pela busca frenética da lucratividade máxima e não têm mais fronteiras, nem mesmo as nacionais, já que a atividade se tornou globalizada. É mudança sem volta, pois se tornou estrutural e movida por premissa incontornável: há um planeta faminto à procura de alimentos e o País é uma das principais fontes de oferta. Que força poderá contrapor-se a essa necessidade humana? O mundo rural brasileiro é hoje a mais evidente selva capitalista de nossa economia, imperando um impiedoso darwinismo, pois existe lugar apenas para os vencedores. Para os demais, a alternativa é a fuga para as grandes cidades.
A pesquisa agropecuária pública está ignorando essa inédita e densa teia de processos e tendências, preferindo refugiar-se em argumentos remotos, temas minúsculos ou no rosário de temas que no passado foram mais populares. Ou, pior, enfatizando platitudes apresentadas como futuristas. Prefere o autoengano ao enfrentamento, com realismo empírico e rigor científico, dos problemas imensos e reais que ora vão sendo constituídos.
Eis o nó górdio a ser desatado. Por isso a metáfora já utilizada acerca do adormecimento das organizações públicas de pesquisa. Perderam conexão com os fatos da vida, num mundo dominado por processos econômicos que se aceleram velozmente. Ante esse abismo entre a pesquisa e a realidade, é fácil prever o desenlace iminente.

*Sociólogo e pesquisador em Ciências Sociais.

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Meus comentários (PRA) a este artigo: 

Excelente o seu artigo, mas me permito observar que ele é mais dirigido ao público interno. Os capitalistas agropecuários já detectaram, ou estão se preparando para essas mudanças estruturais nos mercados internacionais. Aqueles que vão sofrer as mudanças, dentre os pequenos, ainda não tomaram consciência do que virá pela frente, e terão duras realidades em face de si mesmos dentro de poucos anos, com a diminuição de sua “necessidade histórica”. Alguns saberão se inserir nas novas cadeias produtivas, mas muitos vão se mudar para as cidades.
A burocracia, não, ela segue impérvia às mudanças, e se reproduz num processo endogâmico típico das burocracias públicas, mas isso atinge quase todas as burocracias públicas, inclusive a minha, e não apenas aquela herdeira de gloriosas transformações de outrora no cenário agropecuário brasileiro. Imagino que o setor privado, nacional ou estrangeiro, possa suprir algumas das carências não atendidas pela burocracia pública, mas algumas, como pesquisa fundamental, talvez caminhem para a esclerose, dada a penúria atual das universidades públicas, um processo que considero quase terminal.
Mas, o autor está de parabéns por relançar o debate. Meu temor é que, no atual quadro caótico da política brasileira – e isso não deve mudar muito, QUALQUER QUE SEJA o candidato eleito – o apelo para a renovação permaneça o que é hoje, apenas um apelo, sem que na ponta decisória maior possamos contar com “mentes” senão brilhantes, pelo menos atiladas para essas novas realidades.
Não creio que o Brasil esteja pronto, em 2019, para as mudanças fundamentais que se impõem. Como vejo hoje, continuaremos a patinar penosamente em direção ao futuro, com taxas medíocres d crescimento e de produtividade, em meio ainda à gigantesca herança maldita do lulopetismo e patrimonialismo gangsterista que se instalou em todos os poros do sistema estatal. 
Talvez em 2022 o Brasil caminhe para uma renovação, mas isso depende justamente do que formos capazes de fazer, em termos de reeducação dos quadros governamentais brasileiros, e este artigo se insere exatamente nessa tendência.
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Paulo Roberto de Almeida

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