Não preciso comentar nada, tudo está dito nestas matérias. Ou talvez sim: esse “bispo” enrolado na Justiça nunca conseguiria ser um embaixador do Brasil, na África do Sul ou em qualquer outro lugar; no máximo seria o “embaixador” dos negócios da IURD. Penso no potencial de desastres diplomáticos que ele seria capaz de perpetrar ao cuidar desses negócios, agora visados pelos capatazes locais da indústria “religiosa” interessados nas doações dos fiéis devotos…
Paulo Roberto de Almeida
Embaixador na África do Sul? Crivella associou religiões africanas com sacrifícios de criança e ‘comportamento imoral’
Por João Paulo Saconi
Blog de Lauro Jardim, 08/06/2021 • 13:35
Após convite de Jair Bolsonaro, o nome de Marcelo Crivella foi submetido às autoridades da África do Sul para se tornar o novo embaixador do Brasil em Pretória. Se tiverem acesso ao livro “Evangelizando a África”, que o bispo da Igreja Universal escreveu em 1999, o governo sul-africano pode acabar pensando duas vezes antes de aceitar a indicação.
Na obra, Crivella relata uma década de trabalho como missionário evangélico em países do continente. Sem comprovações, afirma que as religiões que encontrou por lá praticam o sacrifício de crianças e ainda sugere que “as tradições africanas permitem toda sorte de comportamento imoral, até mesmo com crianças de colo”.
Também há a afirmação de que os cultos que envolvem o sacrifício de animais em ofertas a entidades são um “ritual satânico que deve ser evitado”. Ao mencionar os praticantes dessa fé, os editores do livro, na introdução, os classificam como “feiticeiros e bruxos, conhecidos no Brasil como pais, mães e filhos-de-santo”.
Quando essas e outras palavras vieram a público, na campanha de Crivella à Prefeitura do Rio, em 2016, o então candidato se desculpou, com foco sobretudo nas ofensas que também fez ao catolicismo. Na mensagem, reforçou o preconceito diante dos espíritas ao dizer que, na época em que escreveu o livro, vivia num “ambiente de guerras, superstição e feitiçaria”.
Crivella poderá ter uma nova oportunidade de se retratar. Caso o governo decida prosseguir com a indicação, ele será sabatinado pelo Senado, onde trabalhou por dois mandatos.
A propósito, será que a Funag, a fundação de estudos do Itamaraty, que publica diversos livros, se animará em editar a obra máxima do pensamento de Crivella?
Convite a Crivella mostra que Bolsonaro mudou ministro, mas não a visão sobre Itamaraty
Por Janaína Figueiredo
O Globo, 08/06/2021 • 14:27
Quando Carlos França foi nomeado ministro das Relações Exteriores, no final de março, muitos se perguntaram como faria um embaixador moderado, apegado às tradições do Itamaraty, para conviver com o governo Jair Bolsonaro. Para uma resposta, era preciso esperar que as primeiras cascas de banana aparecessem em seu caminho.
Nos últimos dois meses, houve mudanças de tom, suavização do discurso, melhora do relacionamento do chanceler com a casa. Mas o Brasil continua considerado, em palavras de um diplomata ativo na Europa, "um país tóxico".
França tem dialogado com governos e conseguiu melhorar o ambiente deixado pelo antecessor Ernesto Araújo. Mas, por trás dessa aparente recomposição, o governo Bolsonaro continua o que sempre foi. Prova disso é a designação do ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella como embaixador na África do Sul. Lá chegou, há apenas cinco meses, Sergio Danese, depois de vários anos chefiando a embaixada da Argentina.
Danese é respeitado como um embaixador disciplinado, que no fim de 2019, quando a eleição de Alberto Fernández era uma certeza, cumpriu as ordens do governo de evitar contatos com a equipe do então presidente eleito. Algo que vai contra as tradições do Itamaraty.
Essa disciplina o fará abandonar a África do Sul para que Bolsonaro possa enviar Crivella e satisfazer a base evangélica. Seria um autoexílio do ex-prefeito, que ajudaria Bolsonaro a recompor o vínculo com o bispo Edir Macedo. Recentemente, Macedo deu sinais de que poderia romper com Bolsonaro, sob a alegação de que o Itamaraty não teria dado apoio à instituição em um conflito com o governo de Angola e religiosos locais.
A jogada do presidente foi muito mal recebida no Ministério das Relações Exteriores. Mas os diplomatas, como os militares, cumprem ordens. Talvez um ministro com maior peso teria reagido. Não é o caso de França, que chegou ao posto de embaixador apenas um ano antes de se tornar chanceler. Foi escolhido por sua proximidade com o Planalto.
O ministro enfrenta, ainda, uma crise delicada no Mercosul. Uma disputa com a Argentina sobre a reforma da Tarifa Externa Comum (TEC) colocou o bloco num impasse que poderia, no cenário mais dramático, levar a uma ruptura. França concorda com a visão do ministro Paulo Guedes sobre a necessidade de modernizar o Mercosul, mas tem uma posição mais conciliadora. De fato, o governo argentino só fala com o Itamaraty. Até agora, apesar de saber das dificuldades do momento, não tentou uma conversa direta com a equipe econômica. O que fez, sim, foi buscar apoios em ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
A estratégia argentina irritou a equipe econômica. No meio, está o Itamaraty tentando, mais uma vez, impor a moderação. Está ficando claro para o chanceler que ser ministro de Bolsonaro implica fazer o que se pode, e nem sempre o que se gostaria.
Indicação de Crivella a embaixador visa salvar a própria pele e a da Universal na África
Aceno de Bolsonaro à igreja de Edir Macedo também mira apoio evangélico na eleição de 2022
Guilherme Casarões
Cientista político e professor da FGV-EAESP.
Folha de S. Paulo, 9/06/2021
Se depender da vontade do governo Bolsonaro, o ex-prefeito do Rio, ex-senador e bispo licenciado Marcelo Crivella será o próximo embaixador do Brasil na África do Sul. A indicação gerou dois tipos de reações: os que se indignaram com uma suposta “evangelização” da diplomacia brasileira e os que acham que o sobrinho de Edir Macedo não é qualificado o suficiente para a função.
O primeiro ponto exige uma reflexão à parte, mas parece equivocado falar em aparelhamento religioso da diplomacia profissional, que sobreviveu até mesmo a Ernesto Araújo. Quanto ao segundo ponto, Crivella é político experiente, fala inglês e passou dez anos como missionário na África. É até mais tarimbado que vários outros nomes que, por conveniência, já assumiram ou foram cotados para postos diplomáticos.
Apesar de o Itamaraty buscar resguardar embaixadas para diplomatas de carreira, essa exigência não é formal. No limite, a indicação é política. Os problemas do bispo são de outra ordem. Crivella chegou a ser preso em dezembro e é réu no processo do QG da Propina. Como embaixador, ele teria direito a foro especial e seria julgado pelo Supremo Tribunal Federal, fazendo de seu cantinho em Pretória um reino dos céus particular. Isso, em si, já seria chocante para um governo que se diz impoluto.
Só que o cálculo político de Bolsonaro é mais complexo: não se trata de ajudar um aliado —a quem o presidente deu as costas nas eleições municipais—, mas de recuperar o relacionamento com a Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, de quem Crivella é porta-voz na política mundana. Às vésperas da corrida presidencial, essa máquina político-espiritual é incontornável.
Além de milhões de fiéis espalhados por todo o país, a Universal possui a segunda maior rede de comunicação do país, a Record, e está ligada a um partido político, o Republicanos, com 33 deputados e um senador. O pragmatismo desse grupo religioso, que já apoiou Lula e Dilma, difere do sectarismo de outras lideranças evangélicas, mais preocupadas com pautas conservadoras no Congresso.
Com a Universal, o jogo é outro. Empreendimento monumental que é, demanda que governos assegurem seu bom funcionamento, inclusive fora do país. Foi-se o tempo em que bastava distribuir passaportes diplomáticos para impulsionar o trabalho missionário além-fronteiras.
Hoje, espera-se que o Itamaraty interceda pelos pastores brasileiros —e às vezes pela própria Universal— em disputas políticas ou até criminais. Foi o caso da crise em São Tomé e Príncipe, que levou à depredação de templos e à trágica morte de um adolescente. A embaixada teve que ser acionada para evitar a expulsão da igreja e de seus pastores.
Em Angola, não tiveram a mesma sorte. Após brigas com pastores angolanos, a cúpula brasileira no país foi removida do comando —no que chamaram de “golpe religioso”— em meio a acusações de crimes como evasão de divisas e racismo. Bolsonaro chegou a enviar uma carta ao presidente angolano pedindo proteção aos brasileiros, mas não conseguiu reverter a recente deportação de 34 membros da igreja. Foi a senha para que o grupo de Macedo ameaçasse publicamente romper com o governo.
A indicação de Crivella veio a público no mesmo momento em que autoridades angolanas afirmaram ter provas contundentes de que a chefes da Universal e da Record em Angola cometeram crimes como lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, o que reforça a tese de que a ida do bispo para a África do Sul, posto mais estratégico do continente, é uma jornada para salvar sua própria alma e expiar os pecados da igreja, cujas ramificações africanas estão enfraquecidas.
Os cínicos perguntarão se os governos anteriores não fizeram coisa pior. Afinal, não faltaram celeumas envolvendo mineradoras e empreiteiras em países africanos. No caso, é como se Dilma Rousseff tivesse resolvido nomear, digamos, Marcelo Odebrecht como embaixador para salvar o legado de sua empresa, em meio às investigações da Lava Jato e a um ano de sua campanha para reeleição.
E com a possível bênção dos senadores da base aliada.
Um comentário:
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