Um “imenso Portugal”? A hipótese de um império luso-brasileiro no contexto internacional do início do século XIX
Paulo Roberto de Almeida
Colaboração ao volume: “Oliveira Lima e a (Longa) História da Independência”;
In: RÊGO, André Heráclio do; NEVES, Lucia Maria Bastos P.; GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal (orgs.). Oliveira Lima e a longa história da Independência. São Paulo: Editora Alameda, 2021, ISBN: 978-65-5966-030-8; p. 283-331.
1. Poderia o Brasil ter sido o centro de um grande império luso-brasileiro?
Essa hipótese apresentou-se em diversos momentos da conjuntura política e diplomática vivida por Portugal entre o final do século XVIII e as três primeiras décadas do século XIX. A possibilidade da junção da metrópole com a sua mais importante colônia foi colocada ainda antes da independência, no momento da transferência da Coroa para o Brasil, retomada por ocasião da união dos reinos, oficializada em 1815, e logo depois, no decurso do processo autonomista e, finalmente, nos anos seguintes à declaração da autonomia política, quando se negociava o reconhecimento da independência e o estatuto que assumiriam os dois soberanos, pai e filho. Recorde-se que, no tratado de reconhecimento, o rei D. João VI foi distinguido com o título de Imperador do Brasil; seu filho, por outro lado, era o herdeiro do trono português. Mas, nele também havia a proibição de que o Brasil buscasse a sua própria junção com as colônias portuguesas da África, ou seja, uma interdição formal de aliança política e de criação de um novo reino entre os mais importantes parceiros num dos maiores e mais lucrativos negócios internacionais da época: o tráfico escravo.
Qual seria, em todo caso, a natureza do projeto? Ele consistiria na formação de uma unidade política de alcance multicontinental, com o Brasil no centro de um vasto império, estendendo-se das Américas até o Timor (na Indonésia holandesa), passando por algumas ilhas atlânticas, por colônias nas duas costas da África, assim como pela Ásia do sul, notadamente em Goa, na Índia, e, embora não de direito, por Macau, na China. Esse era o vasto império ultramarino português, tão bem estudado por Charles Boxer, cuja amplitude ainda tinha sido confirmada por ocasião da aclamação do príncipe regente, depois da morte de sua mãe: D. João, até então príncipe regente, tornou-se o sexto do nome, “rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, d’Aquém e d’Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”.
Em apoio à centralização da administração desse império a partir do Rio de Janeiro havia o fato de que o Brasil já era, desde o século XVII, com as minas de ouro e de diamante, o mais importante provedor de recursos do Tesouro real, como tal ambicionado por outros impérios e companhias de comércio. A Companhia das Índias Ocidentais neerlandesas não empreendeu a conquista do Nordeste por acaso, naquele século, nem a sua contraparte para as Índias Orientais da Inglaterra se atacou ao Império Mogul, na Índia, no século seguinte, apenas para criar uma nova fonte de lucros para os seus acionistas. A construção de poderosos impérios coloniais constituía, provavelmente, o passatempo favorito dos soberanos das grandes potências europeias da época.
Portugal constituía uma unidade à parte no conjunto das nações colonialistas que, desde o final da Idade Média, e sobretudo a partir das grandes navegações, precocemente dotadas de aristocratas ousados e burguesias conquistadoras, amealharam, para suas respectivas monarquias unificadas, territórios e povos dispersos nos vários continentes alcançados pelas suas caravelas, galeões e outras embarcações colocadas a serviço das coroas e companhias lançadas na aventura colonial: estas eram as da Espanha, da França, da Inglaterra, da Holanda e outras menores. Portugal, uma das primeiras monarquias unificadas da Europa, lançou-se primeiro que todas as outras à formação de um formidável império ultramarino.
Mas, suas “armas e barões assinalados” não dispunham de condições adequadas e suficientes para consolidar esse vasto império num bloco econômico e comercial suscetível de constituir um tão vasto império colonial quanto aqueles que sustentaram o grande poderio da Espanha, ou os da França e da Grã-Bretanha, que lhes serviram tão bem nos grandes conflitos globais nos quais essas duas grandes potências estiveram envolvidas na primeira metade do século XX. Tanto é assim que duas potências tardiamente unificadas, Alemanha e Itália, tiveram de correr atrás de pequenas porções restantes na África, na Ásia e no Pacífico, para tentar emular o prestígio conquistado pelos concorrentes e adversários na Europa ocidental, sem esquecer os demais pequenos candidatos à glória colonial, como a Bélgica, a Dinamarca, ou a própria Holanda. Outro exemplo de colonialismo tardio, o Japão, conseguiu até humilhar impérios mais antigos, como o russo e o chinês, entre o final do século XIX e o início do seguinte, mas não logrou consolidar suas conquistas, em face de conflitos criados com imperialismos rivais, o inglês, o francês, o holandês e até o novo imperialismo do livre-comércio, o dos Estados Unidos.
O presente ensaio examina as condições estruturais e institucionais sob as quais essa hipótese de um império luso-brasileiro poderia ter sido testado na prática, mas a resposta, já preliminarmente negativa, pode ser afirmada desde o início, a despeito de especulações a esse respeito formulada por estadistas ou estudiosos em diversos momentos da trajetória histórica luso-brasileira do início do século XIX. Por que, então, colocar uma “tese” já descartada ab initio no contexto de um estudo sobre a conjuntura histórica de grandes transformações geopolíticas da era napoleônica e de enormes mudanças estruturais na economia mundial a partir da primeira revolução industrial?
A hipótese de um grande império econômico luso-brasileiro oferece a oportunidade – meramente teórica, é verdade – de se examinar a questão do papel relativo do Brasil no quadro da economia e da política internacional, o que permite exercícios retrospectivos de análise histórica e também de reflexão sobre as atuais condições do Brasil no seio da economia global. Não se pode, por exemplo, descartar o pensamento e a ação de estadistas engajados naquela conjuntura histórica de transformação, tal como Hipólito José da Costa e José Bonifácio de Andrada e Silva, que, mesmo devotados inteiramente ao “movimento da independência” – segundo o título de um dos livros de Oliveira Lima –, também acalentavam o sonho de uma grande unidade político-econômica, de escala mundial, a partir de um grande império luso-brasileiro com sede no Rio de Janeiro.
É duvidoso que tal “potência” tivesse condições de se impor no concerto mundial, como o fizeram os Estados Unidos no decurso do século XIX, sem o concurso do “modo inventivo de produção” que sempre foi o da colônia americana desde antes da sua emancipação e constituição como República. Uma discussão em torno do “estado da nação” na conjuntura histórica da independência, e nas fases seguintes da vida independente, talvez possa ajudar a responder tais questões hipotéticas sobre a eventual “projeção” ulterior do Brasil, que de toda forma não ocorreu. O processo histórico é sempre único e original, daí a possibilidade, mesmo no plano teórico, de explorar vias alternativas ao caminho efetivamente seguido pela nacionalidade, como forma de debater suas possibilidades no futuro.
2. A importância da colônia brasileira para a atividade econômica da metrópole
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3. As condições estruturais de Portugal e Brasil no período anterior à independência
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4. A hipótese de uma união imperial no período joanino e na independência
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5. As tentativas de Hipólito José da Costa na manutenção da unidade luso-brasileira
(...)
6. Um império luso-brasileiro seria possível a partir de uma unidade americana?
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7. Tinha o Brasil condições de assumir a direção de um império multinacional?
(...)
Bibliografia:
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[Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de setembro, 15 de novembro de 2019; 30 de setembro de 2020]
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
O48
Oliveira Lima e a longa História da Independência / organização André Heráclio do Rêgo, Lucia Maria Bastos P. Neves, Lucia Maria Paschoal Guimarães. - 1. ed. - São Paulo : Alameda, 2021.
320 p. ; 21 cm.
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-65-5966-030-8
1. Lima, Manuel de Oliveira, 1867-1928 -- Narrativas pessoais. 2. Brasil - História - Independência, 1822. I. Rêgo, André Heráclio do. II. Neves, Lucia Maria Bastos P. III. Guimarães, Lucia Maria Paschoal.
Sumário
Prefácio 7
Introdução 9
André Heráclio do Rêgo
Alexandre de Gusmão e a Independência do Brasil 23
Synesio Sampaio Goes Filho
O Brasil de 1808 visto por Oliveira Lima 37
em 1908: imagem e retrato
Guilherme Pereira das Neves
A consagração de uma realidade: a mudança da 59
Corte de D. João VI para o Brasil e a fundação
de um Império no Novo Mundo
Teresa Malatian
Oliveira Lima e a Escrita da História: 81
a Revolução Pernambucana de 1817 em questão
Maria de Lourdes Viana Lyra
Oliveira Lima e a Revolução de 1817 105
André Heráclio do Rêgo
O “contraditório harmonioso”: as notas de 145
Oliveira Lima à História da Revolução
de Pernambuco em 1817
George F. Cabral de Souza
Oliveira Lima e o Império do Brasil: 165
uma nova narrativa
Lucia Maria Bastos P. Neves
Oliveira Lima e a História do Reconhecimento 189
do Império do Brasil: imbricações entre Política,
Memória e Escrita da História
Guilherme de Paula Costa Santos
Manuel de Oliveira Lima: o epílogo da história 215
comum de Brasil e Portugal
Lucia Maria Paschoal Guimarães
Oliveira Lima e o debate sobre 235
a construção da nacionalidade
Cecilia Helena de Salles Oliveira
Dom Pedro e Dom Miguel: perspectivas 267
comparadas entre Oliveira Lima e
Oliveira Martins
Guilherme Souza Carvalho da Rocha Freitas
Um “imenso Portugal”? A hipótese de um 283
império luso-brasileiro no contexto internacional
do início do século XIX
Paulo Roberto de Almeida
O Império Brazileiro de Manuel de Oliveira Lima 333
Júlio César de Oliveira Vellozo
Oliveira Lima interpreta o Brasil 359
(a propósito de um legado intelectual)
Arno Wehling
Caderno de imagens 377
Sobre os autores 383
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