Sobre a quase inutilidade das próximas eleições
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
Que Lula ganhe ou não, no 1ro ou no 2do turno das eleições de outubro, isso não tem a menor importância para a governança ou para reformas no país, que nem se sabe se serão ou não feitas, algumas sim, outras não, ao sabor das coalizões sempre cambiantes e oportunistas no Parlamento.
Quem continuará mandando, de fato, serão os políticos predadores e predatórios do largo estamento de hienas do orçamento, pois essa é a última instância de poder.
O Centrão nem precisa existir: o que existe é uma ameba sequiosa de verbas públicas em favor do seu enriquecimento pessoal.
O velho patrimonialismo continua e continuará forte, feliz e seguro de si no Brasil do Bicentenário; senão vejamos.
Menos de três semanas depois das “festividades” pelos 200 anos de independência e de construção tentativa de uma nação controlada e extorquida pelo Estado, o eleitorado brasileiro, independentemente de quem tenha sido o mais votado para a presidência, elegerá, de forma quase inconsequente e inconsciente, os mesmos sanguessugas — velhos ou novos, não importa— que continuarão a se locupletar com e a partir da riqueza duramente criada pelo povo trabalhador.
Difícil acreditar, a essa altura das miseráveis negociações pouco republicanas que ocorrem à margem das candidaturas presidenciais, que algo de fundamentalmente diferente ocorra a partir dessas eleições, que tenhamos homens probos no Congresso, engajados por um momento, não em suas prebendas orçamentárias, mas em reformas estruturais no tocante à educação, infraestrutura, segurança, luta contra a corrupção e a insegurança jurídica.
O eleitorado continuará fixado no próximo salvador da pátria e, ao lado disso, os verdadeiros donos do poder — que nem é só o estamento burocrático de que falava Raymundo Faoro — continuarão suas soturnas maquinações em busca da preservação, da manutenção ou da conquista de mandatos parlamentares, que são os que determinam, em última instância, o destino das verbas públicas.
Tenham certeza de que o estupro orçamentário continuará, com todos os tipos de emendas que a imaginação fertil dos sanguessugas congressuais conceberem, que isenções, subsídios e outros favores (sempre setoriais), que perdão de dívidas por impostos não pagos, que concursos públicos para lotar a máquina do Estado de centenas de funcionários muito bem remunerados, que milhares de cargos em comissão continuarão a existir, que carros, imóveis e penduricalhos diversos a título de “auxílios” não tributáveis continuarão a existir e que novos serão criados, enfim que o Brasil continuará sendo muito parecido com o Brasil que já conhecemos.
Estou sendo pessimista?
Absolutamente não: apenas sou um observador do declínio de outras nações, da decadência democrática e da semiestagnação econômica, processos muito mais frequentes do que progressos fulgurantes em direção à prosperidade.
O Brasil não é muito melhor do que a Argentina aqui ao lado, que já nos provou que a pobreza pode, sim, voltar e se espalhar, pelas mãos e pés dos mesmos políticos que infelicitam a nação há décadas. O Brasil não é muito melhor, em sua democracia de baixa qualidade, do que os EUA, um exemplo lamentável de retrocessos inacreditáveis num processo de reforço de particularismos anacrônicos trazidos por carolice religiosa, ignorância cidadã e introversão nacionalisteira.
As eleições, finalmente, não são a grande festa da democracia, como nos quer fazer crer a propaganda ingênua do TSE. Elas são apenas a continuidade de um ritual compulsório, a que nos conduziram as hordas de políticos hábeis na manipulação de cidadãos — na verdade súditos de um Estado expropriador — com o único objetivo de se constituírem em governantes — federais, estaduais ou municipais — legitimamente mandatados para continuar o processo de extorsão.
O eleitorado se arrastará sem qualquer entusiasmo para as urnas de outubro, sem qualquer esperança de que 2023 será muito diferente do que já vimos nos anos precedentes.
Não escrevo tudo isto para acentuar o pessimismo quanto às possibilidades de o Brasil dar um grande salto para a frente na correção das suas piores iniquidades, a desigualdade social em primeiro lugar.
Apenas tento me resguardar daquele otimismo reincidente a cada nova eleição: desta vez será diferente…
Será? Acredito que não.
Mas continuarei exercendo meu olhar crítico sobre nossas mazelas, provocadas não apenas pelos políticos, mas por capitalistas predatórios e acadêmicos inconscientes também.
Desculpem a nova ducha fria…
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4084: 17 fevereiro 2022, 3 p.
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