Sobre impérios, estados nacionais e as liberdades democráticas
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
Nota sobre a grande divisão do mundo atual, entre o mundo liberal (Ocidente) e os impérios autocráticos, promovendo uma ordem mundial alternativa.
Depois de uma história milenar de impérios sucessivos e formação de Estados nacionais, no fragor das batalhas, propostas pacificadoras de intelectuais iluministas e muitos embates que continuam, chegamos ao estado atual de 200 Estados formalmente ou concretamente independentes — sendo 193 membros da ONU —, com 20 economias dominantes e mais ou menos três impérios e meio: o Império americano, com pouco mais de cem anos, o Império chinês, com uma milenar história atrás de si (atualmente comandado por um partido leninista assessorado por uma eficiente burocracia mandarinesca baseada no mérito), um Império russo, ou neoczarista, com sua psicologia paranoica das ameaças externas, e um meio império europeu, com sua tecnocracia dominada por grandes Estados que se combateram no passado, mas que cansaram de se massacrar mutuamente e decidiram viver em paz numa ordem legal e parlamentar ainda em construção.
O que sobra além disso? Grandes economias, com trajetórias diversificadas: Japão, Índia, Canadá, Brasil, Indonésia e vários outros menores no G20. O resto é o resto, com alguns Estados importantes, mas que não pesam muito na balança.
Os três impérios e meio, mais as potências médias significativas, são responsáveis pela maior parte do PIB mundial, pelo poderio militar e pela produção científica e tecnológica que movimenta o planeta.
Mas o que se tem, em termos de evolução civilizatória e cultural, é uma grande divisão atual entre, de um lado, um império e um meio império que se pautam pelo Estado de Direito e pelo império da lei, com alternância democrática de governantes e o predomínio de liberdades e direitos humanos baseados no indivíduo e não prioritariamente no Estado — que são o Império americano e o meio império europeu —, e, de outro lado, o Império chinês e o império neoczarista, baseados no poder indiscutível do Estado sobre súditos ou cidadãos, que não estão baseados no império da Lei e na alternância democrática de governos obedecendo a partidos ou movimentos democraticamente organizados por cidadãos livres. O conceito de “despotismo oriental” pode até ser inadequado para expressar a complexidade desses dois impérios autocráticos, mas essa é a diferença básica existente atualmente entre o chamado “Ocidente” e os outros dois impérios que buscam uma ordem mundial alternativa a esta, que vem de 5 séculos de dominação europeia sobre o mundo — inclusive humilhando e tentando dominar os impérios chinês e russo — e mais um século de ordem americana por vezes arrogante e brutal.
As Américas são o resultado da colonização e dos imperialismos europeus, mas com uma divisão básica, e dramática, entre o Império da Lei — construído ao longo de uma violenta história que passou pelo feudalismo, pelo absolutismo, pela Magna Carta, por uma cruel guerra civil que teve de decapitar um rei para estabelecer a supremacia do Parlamento, com um Bill of Rights que complementou o “ninguém está acima da lei, nem mesmo o rei”, por um “o rei reina, mas não governa” — e o Império do Estado, que somos nós, latinos, os descendentes do absolutismo ibérico, temperado pelo liberalismo constitucional com dominância oligárquica.
Nem nós, nem os russos e chineses, assim como a maior parte dos atuais 200 Estados nacionais, formalmente independentes, ainda NÃO CHEGAMOS ainda ao Império da Lei.
Isso vai chegar um dia, mas vai demorar um bocado, para nós e para a maioria dos povos do planeta.
Desculpem, mas não se trata de “choque de civilizações” e sim de evoluções culturais diferenciadas, que são ainda mais lentas a se manifestarem do que a própria emergência, consolidação e eventual desaparecimento dos impérios (que costumam ser mais longevos do que os Estados nacionais).
Grato pela leitura.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4190: 3 julho 2022, 2 p.
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