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quinta-feira, 14 de julho de 2022

No Chile, a Constituição da nova esquerda (vai destruir o governo atual e os seguintes) - Demetrio Magnoli (FSP)

No Chile, a Constituição da nova esquerda 

Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo sábado, 9 de julho de 2022

Se aprovada em plebiscito, proposta destruirá o governo de Gabriel Boric


            "O Chile é um Estado social e democrático de Direito. É plurinacional, intercultural, regional e ecológico." A Constituição emanada da Constituinte chilena é um retrato em 3 por 4 da nova esquerda: a coleção completa de suas utopias, doutrinas e dogmas. Se for aprovada em plebiscito, destruirá o governo de esquerda de Gabriel Boric – e qualquer governo que o suceder.

            Nos seus infindáveis 388 artigos, não se contenta em listar os direitos dos humanos, determinando até que o Estado promova uma "educação baseada na empatia e respeito pelos animais" (art. 131). Segundo o artigo 18, a "Natureza" torna-se um sujeito de direitos, ao lado dos cidadãos e das nações indígenas –mas, claro, o texto não define quem fala por ela.

            A Constituinte nasceu da onda de protestos sociais de 2019 e 2020. Sob o impulso das ruas, formou-se uma maioria de ativistas de movimentos sociais e partidos de esquerda que não reflete a balança de forças real da sociedade chilena. Nas eleições do ano passado, Boric conseguiu apenas 26% dos votos no turno inicial, e a esquerda obteve 27% dos assentos na Câmara, contra 48% dos partidos de centro-direita e direita. O texto constitucional, porém, reflete um país imaginário, habitado exclusivamente pela esquerda pós-moderna.

            A política identitária esparrama-se por todas as esferas. A palavra "gênero" é mencionada 39 vezes. Garante-se a "paridade de gênero" em todos os órgãos da administração estatal, na direção das empresas públicas e, inclusive, nas organizações políticas não estatais (artigos 2 e 163). A "paridade de gênero" aplica-se, ainda, a todos os órgãos eleitos de representação popular, o que viola o direito dos cidadãos de escolher livremente seus representantes.

            De acordo com o artigo 312, os tribunais "devem resolver com enfoque de gênero", uma regra subjetiva que ergue o espectro da potencial inconstitucionalidade sobre qualquer decisão judicial. O mesmo indefinido "enfoque" aplica-se ao "exercício das funções públicas", o que possibilita judicializar os mais corriqueiros atos administrativos.

            O Estado de Direito, consagrado no artigo inicial, é relativizado pela proclamação da plurinacionalidade. Os povos indígenas são declarados "nações" e ganham direito à "autonomia" e ao "autogoverno", o que inclui "instituições jurisdicionais tradicionais" (art. 34). Daí decorre que a proteção geral dos direitos individuais, civis e políticos não se estende aos indígenas.

            A nova Constituição ampara-se na crença implícita de que o Chile é um espaço edênico de abundância ilimitada, de cujo céu jorra leite e mel. A seguridade social pública deve proteger integralmente as pessoas do nascimento à morte, inclusive nos casos de "redução dos meios de subsistência" (art. 45). Estabelece-se um direito universal ao trabalho "de livre escolha" e proíbe-se "todas as formas de precarização no emprego" (art. 46). O seu elenco de direitos abrange "moradia digna" em "localização apropriada", assegurada por ações estatais (art. 51).

            Nem todos os direitos são acolhidos pelo texto constitucional. Fica "proibida toda forma de lucro" nas instituições de educação básica, média ou superior (artigos 36 e 37). O artigo 51 veta a especulação imobiliária "que ocorra em detrimento do interesse público", um critério aberto às mais bizarras interpretações das maiorias políticas de turno.

            Uma nuvem de incerteza paira sobre o plebiscito da nova Constituição. Sondagem recente registrou reprovação de 51%, contra aprovação de 34%, Na hipótese de rejeição, o país ficará com a Constituição herdada da ditadura de Pinochet. Na hipótese oposta, o Chile rumará à ingovernabilidade e se inviabilizará o mandato de Boric, um presidente de esquerda que recusa tanto o autoritarismo quanto o populismo. De um modo ou do outro, a nova esquerda cumprirá sua missão reacionária.

 

Primeiro comentário de um leitor:

Anônimo disse...

            O preconceituoso colunista exagerou como nunca. Gosto de lê-lo, pois às vezes ele tem análises corretas e interessantes, mesmo contrárias à Esquerda e ideologicamente comprometidas. Algumas preocupações levantadas neste texto são até verdadeiras, mas a quantidade de bobagens que ele incluiu é surpreendente. Ele deve estar mesmo bem revoltado com os rumos da progressista constituição chilena!

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