Minha visão das famosas reformas de base:
“O governo Goulart e o mito das reformas de base”, Brasilia, 13 março 2024, 14 p. Revisão, aos 60 anos, do famoso comício da Central do Brasil, em 13/03/2024; divulgado no blog Diplomatizzando (13/03/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/03/o-governo-goulart-e-o-mito-das-reformas.html).
Paulo Roberto de Almeida
Um comício que marcou a história do Brasil
Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense,
Era mais útil respeitar as decisões do Congresso e convencer a sociedade de que as reformas eram necessárias, em vez de tentar impô-las, fiando-se no “dispositivo militar”
A memória do ex-presidente João Belchior Marques Goulart (PTB) será lembrada nesta quarta-feira num evento convocado pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), sob a presidência do jornalista Octávio Costa, a propósito dos 60 anos do Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. Estarão presentes a viúva do ex-presidente João Goulart, dona Maria Thereza; Clodsmidt Riani Filho, organizador do comício; e o jornalista, professor de literatura e ex-capitão do Exército Ivan Proença, ex-presidente do Conselho Deliberativo da ABI, que pertencera ao chamado “dispositivo militar” de Jango, como oficial de sua confiança nos Dragões da Independência.
Em 1º de abril, após impedir a invasão do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (Caco) da Faculdade Nacional de Direito por um grupo paramilitar de extrema-direita, ao voltar para o Ministério do Exército, Proença foi preso pelos colegas. Jango havia se deslocado para Brasília, o golpe de Estado estava consolidado. Deu errado o famoso “dispositivo” do chefe do Gabinete Militar da Presidência, Argemiro de Assis Brasil, que consistia em promoções e nomeações a comandos importantes de militares supostamente leais ao presidente da República.
A situação havia se radicalizado desde o plebiscito que restabeleceu o presidencialismo, em 6 de janeiro de 1963. A oposição ao presidente João Goulart, que havia assumido o Palácio do Planalto após a surpreendente renúncia de Jânio Quadros, no contexto de um regime parlamentarista negociado com a oposição, acusava Jango de preparar um golpe de Estado aliado aos comunistas.
Em 12 setembro daquele ano, em Brasília, uma rebelião de sargentos da Aeronáutica e da Marinha, que não aceitaram a decisão do Supremo Tribunal Federal de não reconhecer a elegibilidade dos sargentos para o Legislativo com base na Constituição, alimentou as suspeitas. Em protesto, os sargentos tomaram de assalto a Base Aérea e o Ministério da Marinha, fecharam rodovias e o aeroporto, invadiram o Congresso Nacional e ocuparam o prédio do STF.
Os comandantes militares liquidaram a rebelião dos sargentos, mas ficaram ressentidos com Jango, por sua “neutralidade” diante da insubordinação e da quebra de hierarquia militar, que sempre foram vistas como ameaça aos fundamentos organizacionais e operacionais das Forças Armadas. Além disso, desde outubro, quando fora entrevistado pelo jornal Los Angeles Times, o governador carioca Carlos Lacerda (UDN) atacava o presidente da República e os chefes militares que o apoiavam.
Irritado com Lacerda, Jango solicitou ao Congresso a decretação de estado de sítio para intervir na Guanabara, mas houve forte reação dos grandes partidos da época, PTB, UDN e PSD, e até dos comunistas, que rejeitaram a proposta. O desgaste de Jango foi grande. A oposição passou a acusá-lo de inimigo da democracia e da legalidade, ao mesmo tempo em que ela própria conspirava para destituir o presidente da República.
Apelo às massas
A situação econômica do país era delicada, com uma inflação de 79,9%, a economia estava estagnada, com uma taxa de crescimento de 1,5%, o que levou o empresariado e a classe média à oposição. Além disso, num ambiente de guerra fria, a aproximação de Jango com os países socialistas, principalmente União Soviética, China e Cuba, apesar de ter sido iniciada por Jânio Quadros, levou ao bloqueio financeiro pelos credores externos. E os Estados Unidos, presidido por Lyndon Johnson após o assassinato de John Kennedy, se negaram a renegociar a dívida externa brasileira.
Foi quando o assessor de imprensa de Jango, o jornalista Raul Riff, ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), procurou Antônio Ribeiro Granja, integrante do secretariado do Comitê Central da legenda, para marcar um encontro de Jango com o líder comunista Luís Carlos Prestes. Os dois se reuniram num apartamento em Copacabana. À saída do encontro, Prestes comentou com Granja que Jango estava se sentindo acuado e temia o colapso financeiro do governo. Por isso, havia sugerido ao presidente da República que “apelasse às massas” para realizar as reformas de base. Dessa conversa resultou o comício da Central do Brasil, para o qual os sindicatos controlados por PTB e PCB promoveram intensa mobilização.
No foyer do nono andar da ABI, será inaugurada a exposição Rio 64 — a capital do golpe, que permanecerá em cartaz até 13 de abril. A exposição traz uma representação iconográfica dos principais acontecimentos que culminaram no golpe de 31 de março, consumado na madrugada de 1º de abril, data desprezada por ser o dia da mentira. Não foi, os militares permaneceram no poder por 20 anos. Há diferentes leituras sobre o golpe de 1964, todas têm em comum a conclusão de que Jango havia se isolado, os Estados Unidos patrocinaram o golpe de Estado e as esquerdas não tinham a força que imaginavam na Central do Brasil. Em vez de apostar num “dispositivo militar”, era mais importante respeitar as decisões do Congresso e convencer a sociedade de que as reformas eram necessárias. E não as impor.
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Comentário Maurício David:
Meninos, eu vi ! Jovem de 17 anos, presidente do grêmio estudantil do então colégio-padrão do Brasil (o Pedro II), fui um dos 100 mil participantes do comício da Central do Brasil, no qual Jango discursou (ao lado de Brizola, Arraes, Darcy Ribeiro, líderes sindicais) defendendo uma radicalização do seu governo e do que chamávamos então de “A Revolução Brasileira”... 13 de março... Poucos dias depois a insurreição dos marinheiros (lembram do filme “Encouraçado Pontenkin”, do grande cineasta russo Serguei Eisenstein, considerado, ao lado do “Citizen Kane”, do Orson Welles, os dois maiores clássicos de todos os tempos do cinema moderno ?...), que tomaram o Sindicato dos Metalúrgicos, situado na rua Ana Neri, no bairro do Rocha, logo depois a passeata dos marinheiros anistiados pelo ministro da Marinha por ordem do presidente Goulart que, dias depois, selou a sua deposição quando nos dias finais do mês de março radicalizou ainda mais o seu discurso no comício do Automóvel Público, ali na rua do Passeio, para uma plateia de sargentos e líderes da esquerda. Foi o sinal para a milicada ensandecida por-se definitivamente de acordo para a derrubada de Jango. Horas depois, Jango, absolutamente isolado, viu-se obrigado a abandonar o Rio de Janeiro e embarcar no avião presidencial para Brasília para reunir a sua família e seguir para Porto Alegre e daí seguir para o exílio de 12 anos no Uruguai, até a sua morte em 76... Ruíra-se completamente o “dispositivo militar” organizado pelo general Assis Brasil, chefe da Casa Militar do governo Jango que até então parecia inexpugnável na garantia do governo de João Goulart. Quem se interessar por este período da nossa História recomendo muitíssimo o filme “Jango”, do meu queridíssimo amigo Silvio Tendler. E a visita à exposição Rio 64- a capital do golpe, na ABI (rua Araújo Porto Alegre, no centro do Rio) que estará aberta à visitação pública até o dia 13 de abril.
MD
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