domingo, 29 de setembro de 2024

A indignação seletiva da diplomacia brasileira Lourival Sant'Anna (Estadão)

 A indignação seletiva da diplomacia brasileira

Lourival Sant'Anna
O Estado de S. Paulo | Lourival Santanna
29 de setembro de 2024

Retirada dos diplomatas brasileiros antes do discurso do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, na Assembleia-Geral da ONU, foi uma amostra de subordinação do Itamaraty à ideologia que emana do Palácio do Planalto e aos ressentimentos antiocidentais que dominam a política externa brasileira.

Os brasileiros imitaram o gesto de colegas do Irã, Turquia, Chile, Colômbia, Botsuana, Djibuti e Guiné-Bissau, entre outros. Numa flagrante indignação seletiva, eles não tiveram a mesma iniciativa perante os discursos ultrajantes e delirantes do embaixador russo, Vasili Nebenzia, que usa a tribuna da ONU desde 2022 para repetir as distorções da história da Ucrânia e as paranoias do ditador Vladimir Putin.

Netanyahu proferiu um discurso abusivo e arrogante, repleto de ameaças. Mas, diferentemente de Putin, tratado com mal disfarçada complacência pelo presidente Lula e seu assessor especial Celso Amorim, Netanyahu defende seu país da ameaça real, não imaginária, de inimigos a seu redor.

A indignação seletiva é apenas o pano de fundo da incoerência que torna ainda mais espantoso o gesto dos diplomatas. A retirada do auditório da ONU assinala a ruptura das tradições da diplomacia brasileira, baseadas na sobriedade, profissionalismo e coerência.

O Brasil é uma potência regional média. Não tem o poderio militar, econômico, político e tecnológico para impor seu desejo ao mundo. Países com esse perfil compensam essas fragilidades com o chamado poder brando, construído com a fidelidade a valores universais e, acima de tudo, às leis e tratados internacionais.

TRADIÇÃO. Não é por acaso que corpo diplomático e Forças Armadas são dois estamentos, o que significa um status distinto do restante do funcionalismo público. Essas duas categorias devem estar ainda mais blindadas de influências políticas, porque representam interesses nacionais permanentes, que não podem ser contaminados por interesses eleitoreiros e afinidades ideológicas dos governantes de turno.

A subordinação da política externa a afinidades ideológicas e pessoais de um governante acarreta prejuízos à credibilidade de um país e aos interesses nacionais. Esses danos se amplificam quando, para esconder suas incoerências, o governante distorce os fatos e fere a dignidade de outros povos, como tem feito sistematicamente o presidente Lula. Desde que ele assumiu pela primeira vez a presidência, há duas décadas, a longa tradição da diplomacia brasileira vem desmoronando. @


E COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS


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