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Originário da classe C, evangélico, do Centro-Oeste agro, forjado na linguagem das redes sociais, de “direita”, vendedor de livros de autoajuda, Pablo Marçal se tornou expressão de um Brasil que tanta gente gosta de desprezar, mas que cada vez mais dá as cartas. Além de um fenômeno inesperado, o candidato do PRTB hoje é um arquétipo de um contingente de brasileiros que não vê com bons olhos nem a tradicional elite cultural-administrativa, com seus intelectuais, artistas, jornalistas, professores de universidades públicas de “humanas”, e políticos, mas também não se entusiasma com as políticas de Estado para a população mais miserável do País – porque se considera esquecido.
O Brasil é tão pobre que hoje um trabalhador com carteira assinada com dois salários mínimos já está na metade superior da pirâmide social brasileira. Essa pessoa, porém, vê a vida como um desafio diário. Estudou em escolas públicas com péssima qualidade, vive em lugares com alto índice de violência e pode ficar horas diárias em um transporte público sucateado – ou arrisca a vida com sua moto de baixa cilindrada em um trânsito feroz. Se faz faculdade, é cara, e se endivida para pagar seus estudos.
Ou então pode ser um motorista de Uber, um entregador de Ifood, uma atendente de farmácia, uma recepcionista de hotel, uma caixa de supermercado. Que sempre que possível confere seu celular para checar as últimas atualizações do Instagram ou ouvir e responder algum áudio do WhatsApp. Que se sente mais cidadã na igreja evangélica, quando finalmente não está vestindo uniforme, conforme insight do antropólogo Juliano Spyer. Ah, é preciso lembrar-se sempre que o atual presidente Lula só venceu nas faixas de renda de quem ganha até dois salários mínimos. Bolsonaro dominou as demais faixas, para terror de tanta gente bem-pensante.
Este articulista já esteve como observador de uma pesquisa qualitativa para avaliar um programa social destinado à classe D e E de um Estado do Nordeste. Uma espécie de complementação ao Bolsa Família. A proposta de política social foi aprovada nas classes mais altas e, obviamente, pelo público beneficiado. Mas houve razoável resistência entre os avaliados da classe C, que se consideraram mais uma vez esquecidos pelas políticas de Estado. Isso ajuda explicar o sucesso do candidato à prefeitura da maior cidade do continente.
Filho de faxineira, ex-atendente de telemarketing, frequentador de igreja evangélica desde a infância, Pablo Marçal é um integrante desse grupo e se tornou imensamente rico, em tese, mantendo esses valores e modo de ser das classes intermediárias – o que gera identificação. É fruto de certa teologia da prosperidade já bem exemplificada com Max Weber, em “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, em que a riqueza é consequência de uma bênção divina. Porém, Pablo tenta transformar essa ideologia numa linguagem pop e cheia de termos “neuroliguísticos” e de autoajuda, além de certa postura de humorista de stand up, a dar lições em auditório.
É, exemplar, que o autodenominado ex-coach tenha colocado em suas páginas na rede os apoios ao candidato Boulos, do PSOL, de uma série de cantores como Caetano Veloso, Chico César, além de uma série de artistas globais – em que ele próprio é bastante criticado. Sabe muito bem que esses artistas não são admirados pelas pessoas que procura conquistar, muito pelo contrário – estão entre os adversários a derrotar. E podem saber que os cantores sertanejos, muitas vezes originários do Centro-Oeste, com seus milhões de ouvintes nas plataformas de streaming, com orgulho de suas origens ligadas ao agronegócio, estarão do lado do candidato do nanico PRTB nesta e em eventuais campanhas futuras.
Para os jornalistas e debatedores, Marçal é meio um pesadelo, gera um ambiente até mesmo “distópico” conforme definição da apresentadora do Roda Viva, Vera Magalhães. Ao invés de responder perguntas de quem o questiona, simplesmente transforma a falsa interação em cortes nas redes que recebem dezenas de milhares de curtidas. Nesse sentido, utiliza seus oponentes como escada. Até mesmo as graves acusações que recebe, de desviar eletronicamente dinheiro de correntistas, se transformam em vitimização cibernética em seus famigerados cortes, feitos também, em grande medida, por apoiadores anônimos.
Pablo Marçal está seguro na agressividade com que parte contra jornalistas, artistas ou políticos tradicionais. Enquanto arquétipo da mentalidade de uma classe, sabe que não está sozinho nessa batalha contra o “sistema”. É um representante da cultura do ressentimento potencializada pelas redes sociais. E também transforma esse rancor em piada, em vídeos rápidos para o Tik Tok, em material de campanha.
Se Pablo irá vencer as eleições ainda é um chute - bem ou mal embasado. Temos, de qualquer maneira, um fenômeno novo que ainda não sabemos como pode ser neutralizado do ponto de vista político ou da comunicação. A versão atualizada de Jair Bolsonaro, entretanto, pode ser apenas uma evolução natural da espécie. Se não for o Pablo haverá outro, porque tem base popular e representa valores e comportamento comuns a uma gigantesca parcela da população brasileira.
Opinião por Fabiano Lana
Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.
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