Huawei espera 'racionalidade' do Brasil e decisão sobre 5G baseada em fatos, diz diretor da empresa
O brasileiro Marcelo Motta, responsável global pela cibersegurança da chinesa, diz que a companhia está à disposição do País para esclarecer "rumores" sobre sua atuação
Estadão | Anne Warth | 25/11/2020
BRASÍLIA - Principal alvo da pressão norte-americana no 5G e acusada de ser um braço de espionagem do governo chinês, a Huawei diz esperar “racionalidade” do governo na decisão que norteará o futuro da tecnologia no País. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o diretor global de cibersegurança da Huawei, Marcelo Motta, afirma que a empresa está à disposição para esclarecer quaisquer “rumores” a respeito de sua atuação e frisa não haver “prova alguma” que desabone a companhia. “O que posso dizer é que contamos com a confiança de nossos clientes em 170 países”, disse.
Nove dias após o subsecretário para Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente do Departamento de Estado dos EUA, Keith Krach, pregar o banimento da Huawei no Brasil, a direção mundial da empresa reagiu. Na terça-feira, 24, a Embaixada da China em Brasília reagiu à acusação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, de que praticaria espionagem por meio de sua rede de tecnologia 5G.
Pequim acionou o Itamaraty para reclamar de uma publicação de Eduardo nas redes sociais, posteriormente apagada por ele. Na mensagem, Eduardo Bolsonaro fez menção à adesão simbólica do Brasil à Clean Network (Rede Limpa), iniciativa diplomática do governo Donald Trump para tentar frear o avanço de empresas chinesas no mercado global de 5G. O filho 03 de Bolsonaro, como é chamado pelo pai, celebrou o fato como um sinal de que o Brasil “se afasta da tecnologia da China”.
Na sexta-feira, 20, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se reuniu, por meio de videoconferência, com o vice-presidente global de Public Affairs e Relações Governamentais da Huawei, Mark Xueman, com o vice-presidente de Public Affairs e Relações Governamentais na Huawei Brasil, Guo Yi, e com o diretor-sênior de Relações Governamentais na Huawei Brasil, Atilio Rulli. Não foram recebidos, no entanto, pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Ministério das Comunicações e pelo vice-presidente Hamilton Mourão.
Brasileiro, Motta está na Huawei desde 2002 e vive na China há oito anos, quando assumiu a chefia global da área de cibersegurança da empresa. Ele relata que as acusações sobre a empresa não são novas, mas subiram de tom quando a Huawei começou a se expandir. Mundialmente, a empresa faturou US$ 123 bilhões em 2019, aumento de 19% sobre 2018. Até o terceiro trimestre de 2020, ela registrava receitas de US$ 100 bilhões, alta de 9,9% na comparação com o mesmo período do ano anterior.
No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) estima que a Huawei esteja presente em algo entre 35% a 40% das redes atuais. As operadoras dizem que a fatia é ainda maior, variando de 45% a até 100%, dependendo da empresa. Banir a empresa é uma decisão que depende de decreto presidencial - até agora, não há um posicionamento claro sobre o tema. Confira os principais trechos da entrevista.
Qual a expectativa da Huawei em relação à decisão do governo brasileiro no 5G?
Esperamos que a racionalidade impere e que qualquer decisão não seja tomada com base em rumores. Fazemos todo o esforço para mostrar nossa transparência e expressar isso para além das operadoras, mas também para o governo. Estamos ativamente em contato com governo e Congresso. Colocamos nossos equipamentos à disposição para testes com seu próprio time de técnicos, para que o governo se blinde de comentários externos e tome suas decisões de forma soberana. É nesse sentido que temos atuado e estamos confiantes de que a racionalidade vai prevalecer. Nossa exclusão faria com que muitos processos envolvendo o 5G atrasassem no País. Seria uma pena de isso de fato ocorresse.
O que a Huawei tem feito para rebater as acusações de espionagem por parte de outros países?
Segurança cibernética e proteção de dados são prioridades máximas para a empresa e isso é de longa data. Sabemos que estaremos acabados se tivermos qualquer problema nessa área. Por isso, aprimoramos o processo de governança em segurança cibernética. Laboratórios independentes testam cada solução antes que ela seja lançada no mercado. Somos a única empresa a ter centros globais de segurança cibernética, em Dongguan (China) e Bruxelas (Bélgica). Nesses centros, clientes, operadoras e governos podem ter acesso ao código-fonte de nossas soluções e fazer auditorias usando seu próprio pessoal e ferramentas, para que tirem suas próprias conclusões, sem a influência de acusações infundadas e sem provas. Se houver fatos, clamamos que sejam mostrados. Até hoje, nada apareceu.
Como a Huawei vê a pressão dos EUA pela adesão do Brasil à Clean Network e pelo banimento da companhia?
A iniciativa Clean Network não cobre única e exclusivamente telecom, mas aplicativos, smartphones e cabos intercontinentais submarinos. O nome “Rede Limpa” é bonito, e quem não conhece pode até cair e se deixar seduzir, mas a definição está na página da Clean Network na internet. O objetivo é muito claro: tirar qualquer fornecedor chinês do espaço cibernético. É uma coisa muito séria, que exclui, de forma unilateral e sem qualquer critério técnico e racional, e transforma tudo num assunto única e exclusivamente geopolítico. Operadoras citadas como membros da iniciativa no site já manifestaram discordâncias com esse conceito de rede limpa que os EUA anunciaram. É algo completamente discriminatório, feito com o objetivo de dominar o espaço cibernético. O problema não é específico contra a Huawei. Estamos sendo usados para uma disputa entre duas grandes superpotências mundiais.
O que está por trás da intenção dos EUA?
O futuro da economia é digital. Temos uma liderança reconhecida no mercado dentro do 5G. Atendemos grandes e pequenas operadoras com banda larga fixa e móvel e temos uma participação relevante no mercado de redes e de infraestrutura. Mas a maioria das empresas Over The Top (OTTs) - plataformas e aplicativos de distribuição de conteúdo - são americanas. O TikTok talvez seja o único aplicativo chinês de sucesso mundial. Nessa camada, os EUA são líderes isolados, e é difícil competir com empresas como Google e YouTube, que possuem grande escala e alcance global. A margem de lucro dessas empresas é gigantesca, de 25% sobre a receita. Mas quantos empregos elas geram localmente? O que recolhem em impostos nos países em que atuam? Nenhuma operadora ou fabricante de redes consegue esse resultado. A margem é muito pequena, de 2% a 3%. A Huawei passou anos com resultados negativos e nossa margem nunca superou 8%.
Quais riscos a adesão à Clean Network traz para o desenvolvimento da internet?
Essa iniciativa Clean Network sai do escopo de rede e avança para apps e smartphones, o que é muito ruim para o desenvolvimento da internet. Talvez isso não esteja claro para o governo. A própria Internet Society já se pronunciou contra essa iniciativa, que vai contra o princípio de conectar pessoas. Outra camada em que os EUA são líderes é na computação em nuvem: 92% dos dados do mundo ocidental estão em nuvens de empresas americanas como a Amazon Webcharge (AWS), a Microsoft Azure e o Google Cloud. Os dados acabam ficando nessas nuvens e é sobre elas que são construídos os aplicativos. Existe muita competição na camada de redes de telecomunicações, na camada de smartphones, mas nas camadas de nuvens e aplicações há pouquíssimos competidores de porte dos grandes players norte-americanos.
Quais benefícios o 5G pode trazer para a economia mundial?
Quando o 5G estiver instalado e desenvolvido, os benefícios irão muito além de velocidade alta e tempo de resposta baixo. Em vez de um único fornecedor global de aplicativos, muitos aplicativos serão locais, desenvolvidos primordialmente por empresas locais. No agronegócio e na manufatura inteligente, o processamento de dados de aplicações será local. O 5G trará investimento para as economias com ganhos de eficiência e desenvolvimento. Quando se colocam restrições para o avanço do 5G, simplesmente se trava o desenvolvimento da economia local.
De que maneira um atraso no 5G pode atrapalhar o desenvolvimento do País?
Quando se impõem restrições, a competição é menor e o preço é maior. Haverá lentidão para trazer os sistemas, desenvolver as indústrias locais e, consequentemente, a economia brasileira. Fizemos uma pesquisa com a Deloitte, que estimou que o 5G trará ao Brasil um incremento de R$ 2,93 trilhões no PIB em 15 anos, comparativamente aos R$ 7,25 trilhões do PIB de hoje. Isso representa uma taxa média anual de crescimento do PIB de 2,5%. Imagine o impacto que isso terá.
Países, como Reino Unido, Japão e Austrália, baniram a Huawei de suas redes 5G. O Brasil pode ficar isolado se não o fizer também?
É uma pena que a chegada da tecnologia 5G tenha sido politizada. Vários dos países que baniram a Huawei são aliados de longa data dos EUA e sucumbiram a uma pressão geopolítica. O caso do Reino Unido é emblemático: em janeiro, autorizaram a entrada do 5G da Huawei e em julho mudaram de ideia, apesar de todos os testes realizados. Isso, nas palavras do próprio governo, vai atrasar a chegada do 5G por lá em dois a três anos, e haverá um forte impacto nos custos das operadoras. Por outro lado, as maiores redes 5G estão hoje na Coreia do Sul e na China, com tecnologia Huawei, assim como em todo o Oriente Médio. Na Europa, Suíça, Alemanha e Espanha se posicionaram positivamente em relação à Huawei. Existe uma gama de países que não sucumbiram a esse tipo de pressão. Muitos países podem reavaliar seu posicionamento em razão da mudança no governo dos Estados Unidos, com a vitória do democrata Joe Biden, enquanto outros adiaram sua decisão em razão disso.
Quais os diferenciais da Huawei em relação a seus competidores no 5G?
Para se ter uma ideia, o Brasil tem hoje 100 mil antenas de 2G, 3G e 4G. Na China, há 800 mil antenas apenas para o 5G. A Coreia tem a maior rede 5G em termos de densidade de antenas. Estamos presentes nos países que precisam da melhor solução técnica e de escala. A saída da Huawei do mercado brasileiro comprometeria a expansão das redes para operadoras e consumidores de forma muito ruim. Onde a Huawei foi banida, o preço da infraestrutura de telecomunicações subiu de duas a cinco vezes em áreas rurais. Com esse aumento de custo, os competidores deixam de atender a várias áreas e isso chega a inviabilizar negócios. Um pacote pré-pago nos EUA é oito vezes mais caro que no Brasil e na China.
Como a Huawei encara as insinuações de que cederia a pedidos do governo chinês por informações confidenciais em atendimento à lei de inteligência nacional?
Não existe lei na China que exija que a Huawei implemente backdoors (ou "porta dos fundos", em inglês, é o método usado para ter acesso às informações dos usuários contornando medidas de segurança) em suas soluções. Além disso, as leis chinesas não têm validade extraterritorial: valem apenas no território chinês e se aplicam apenas às empresas que lá estão. Mesmo que existisse uma lei exigindo backdoor, ela valeria apenas na China, diferentemente de outros países que se valem de suas leis para avançar sobre outras nações. A Huawei apenas fornece equipamentos para operadoras, mas não os opera. As redes das operadoras são fechadas e a Huawei não tem acesso a elas, muito menos aos dados. Somos a empresa mais transparente do mundo em segurança cibernética. Somos a única que abre o código-fonte. Nosso segredo industrial está aberto para ser auditado. Qual privilégio os EUA têm para desconfiar da Huawei e para que ninguém desconfie deles ou de quaisquer outras empresas, independentemente da nacionalidade?
A direção mundial da Huawei teve audiência com o ministro da Economia, Paulo Guedes, na semana passada. A empresa está preocupada com um possível banimento?
O Brasil é extremamente importante para nossa empresa. O time vem ao Brasil de forma rotineira. Não houve nada de extraordinário nesse período, são coisas normais. É óbvio que esse assunto do 5G chama nossa atenção. Estamos com abertura completa para fazer qualquer tipo de esclarecimento ao governo. Estamos comprometidos a esclarecer quaisquer pontos e dúvidas que existam. Estamos no País há 22 anos. Temos cinco escritórios no Brasil, um centro de distribuição e um centro de treinamento. São 1,2 mil funcionários diretos, 15 mil indiretos. Pagamos R$ 1,4 bilhão em impostos locais no Brasil no ano passado. Foram R$ 627 milhões em compras locais e R$ 150 milhões em investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Como a Huawei avalia as dúvidas no mercado sobre o grau de transparência em relação a informações financeiras e societárias?
Não somos uma empresa pública, somos uma empresa privada. Não temos ações em Bolsa, mas isso não significa que não sejamos transparentes. Há informações sobre a quantidade de funcionários, quem tem participação na empresa, como o board (conselho de administração) é selecionado. O fundador da Huawei tem menos de 1% das ações, e a maior parte dos papéis está nas mãos dos funcionários. Isso é algo que atrai funcionários, que se sentem também donos da companhia. Nossos resultados anuais são auditados pela KPMG e são divulgados a cada trimestre, embora não sejamos obrigados a fazê-lo. Temos centros de pesquisa e desenvolvimento espalhados no mundo inteiro: nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Índia, Suécia e também no Brasil. Somos hoje uma empresa mais global do que única e exclusivamente chinesa. A Huawei é uma empresa líder em solicitação de patentes. Desde 2016, temos 20% das patentes do 5G, resultados de investimentos de US$ 4 bilhões realizados entre 2009 a 2019.
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