Reproduzo da melhor forma possível, como recebi:
O Brasil vai sair destes quatro anos de horrores em todos os setores como uma terra arrasada...
Paulo Roberto de Almeida
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
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Paulo Roberto de Almeida
As quatro grandes tragédias do Brasil atual
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com)
[Objetivo: refletir sobre o declínio; finalidade: alertar para os impasses atuais]
Mini reflexão depois das manifestações de sábado 1/05/2021, em apoio ao Bolsovirus e à disseminação ainda maior da pandemia da Covid-19, que é a isso a que estão convidando os manifestantes das ruidosas marchas em apoio ao degenerado. Uma indesejada subida aos extremos, a infeliz descida à polarização, a despedida do conhecimento, a renúncia à racionalidade.
De fato, o grau de apoio a Bolsonaro assusta demais, algo parecido ao fenômeno trumpista. Como é que dois mentecaptos perversos conseguem capturar tanta gente, nos EUA e no Brasil? Será uma doença mental, imbecilidade congênita, idiotice consumado. É assustador, sim!
Isso significa que, mesmo que o degenerado seja derrotado em 2022, no primeiro (o que seria o ideal) ou no segundo turno, a sociedade brasileira já está irremediavelmente dividida entre, aproximadamente, um terço de bolsonaristas (que é um fenômeno, não um movimento), um terço de lulopetistas (que formam um movimento) e um terço de indecisos, que podem decidir o nosso destino no primeiro ou no segundo turno (pois que não sabem o que fazer no primeiro turno).
Isso também significa que a classe média, que é quem determina o resultado das eleições no Brasil - 70% dos eleitores são das classes C e D, ou seja, classe média, excluindo a classe média alta, B, e os pobres, classe E, não determinantes – pode levar ao mesmo impasse que ocorreu em 2018, quando a polarização nos deixou com duas opções igualmente desastrosas (mas a que levou Bolsonaro ao trono foi infinitamente pior).
Isso significa, também, que um candidato centrista terá imensas dificuldades para se qualificar no primeiro turno, o que levará o Brasil mais uma vez à divisão do país e à fragmentação política.
Merecemos isto?
Aparentemente sim, uma vez que fomos incapazes de gerar um ESTADISTA capaz de apresentar um programa credível para gregos e goianos, ou seja, para as classes A até E, contemplando as diversas reformas e propostas de políticas públicas para tentar salvar o Brasil de uma decadência estilo argentina.
É muita frustração para todos aqueles que recusam tanto o bolsonarismo, quanto o petismo, mas sabendo que o primeiro é INFINITAMENTE PIOR para o país, para a cultura, para a inteligência. Eu até acredito que Lula vai conseguir o apoio do Grande Capital (uma minoria reduzidíssima na classe A) e ganhar as eleições de 2022, o que também significa uma grande derrota para a luta contra a corrupção.
Mas não acredito que o PT roubará tanto quanto o fez entre 2003 (já vinha de antes) e 2016; as instituições estão mais preparadas, a despeito da imensa ajuda que a (in)Justiça vem dando aos corruptos.
O Brasil tinha duas grandes tragédias: a má educação e a corrupção política. Passou a ter três, agregando a insegurança jurídica com a ajuda dos aristocratas da magistratura. Agora tem quatro: a divisão do país que nos pode levar a uma decadência a perder de vista.
Difícil imaginar o que se passa na cabeça de certas pessoas — até de classe média bem informada — que são objetivamente a favor da infecção e contra a democracia, e que se manifestam voluntariamente na direção exatamente oposta ao que seria o desejável para si próprias. O que pode impulsionar tais efeitos macabros e tal postura pró-ditadura? Não tenho explicações racionais para tal.
Do lado do petismo, também vejo pouca racionalidade, e sobretudo nenhuma disposição para lutar contra a corrupção e contra os reais fatores das desigualdades sociais, não contra seus efeitos superficiais apenas: populismo e demagogia acabam preservando não só as desigualdades como as iniquidades, sobretudo no plano da justiça (já dominada pelos novos aristocratas de um Ancien Régime demodé e anacrônico).
O sectarismo e a intolerância, o fundamentalismo de tipo político ou religioso, a incapacidade de pensar com sua própria cabeça, a “necessidade” de se ter alguém que aponte o caminho e lhe diga o que fazer, o que pensar, levam a isso.
Quando vejo universitários pós-graduados se rebaixarem a discutir seriamente um execrável programa de TV feito para voyaeuristas compulsivos, constato que poucos estão ao abrigo da irracionalidade.
O abandono do conhecimento me dá calafrios quanto ao futuro da nação.
Somos tão poucos assim, dispersos e sozinhos, na nau dos insensatos?
A chegada a bons portos deve demorar bem mais do que deveria, e isso não depende apenas do capitão do navio: o do Titanic era, ao que parece, experiente.
Os que pretendem nos conduzir estão há décadas na pantomima política...
Compreendo, agora, "a atroz angústia de ser [um] argentino" culto, talvez acadêmico, quando não se é nem peronista, nem conservador e se contempla a decadência constante, impulsionada por governos civis e militares, liberais ou estatizantes, de esquerda ou direita, e o país afunda continuamente, inexoravelmente. Nem a psicanálise ajuda a entender a complexa trama de fatores que arrastam o país para a mediocridade e a pobreza.
No caso deles, ainda mais exasperante do que no nosso caso, pois que já foram mais ricos, pelo menos para certa franja da população, excluindo os gauchos guaudérios. A nossa pobreza sempre foi propriamente estrutural, vinda das oligarquias tradicionais, do escravismo das elites (todas elas), do nacionalismo canhestro, do patriotismo rastaquera, que sempre arrastaram as massas para a não educação, a economia do país para a introversão, a cultura dos letrados para a cópia superficial, a política para o patrimonialismo renitente, com a corrupção sempre pujante e renovada.
Rui Barbosa já tinha visto isso, mas também achava que a Argentina estava "condenada" a um futuro brilhante, que nada podia dar errado. Mas isso foi em 1916; depois que ele morreu, o país só andou para trás, antes mesmo do desastre peronista, um cadáver que sequestrou até hoje um país inteiro e não está perto de desaparecer. Eu nunca entendi como se pode ser universitário e peronista ao mesmo tempo: certas coisas superam nossa capacidade de entendimento.
O Brasil tem outras, talvez ainda mais terríveis...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3904, 2 de maio de 2021
Esta é a maior tragédia brasileira...
Luís Eduardo Assis, O Estado de S.Paulo 29 de março de 2021 |05h00
Já dizia o escritor inglês H. G. Wells: a história da civilização é uma disputa entre a educação e a barbárie. A ideia de que é preciso desvendar mistérios através de métodos científicos é relativamente recente na história da humanidade, mas sem ela não teríamos conseguido os extraordinários avanços dos últimos séculos. Demoramos milhares de anos para aprender que o avanço do conhecimento nos torna melhores. O método científico – que ainda hoje alguns apalermados refutam – é indissociável da ideia de progresso, algo também recente do ponto de vista histórico. Há enorme correlação entre o índice de desenvolvimento humano e o nível de educação dos países. Soa como uma platitude, mas aqui em terras tabajaras a necessidade de fazer avançar o nível educacional só encontra consenso na sua manifestação genérica e superficial.
Ninguém se diz a favor da ignorância, mas as políticas públicas para combatê-la acabam esbarrando na falta de recursos, na incúria da elite e na cristalização de interesses corporativos. Gastamos pouco, gastamos mal e os resultados beiram a calamidade. O exame Pisa, realizado a cada três anos, teve sua última edição em 2018 e avaliou o desempenho acadêmico de jovens de 15 anos em 79 países. O Brasil ficou em 59.º em leitura, 67.º lugar em ciências e 73.º em matemática.
Tudo sugere que a pandemia teve um impacto devastador sobre um esforço que já rendia poucos frutos. Estudo da Unicef divulgado em janeiro mostra que aumentou a evasão escolar durante a pandemia. Em 2019, o IBGE identificou uma taxa de abandono de 2,2% entre crianças e jovens de 6 a 17 anos. Já em outubro de 2020, o porcentual registrado pela Unicef foi de 3,8%, ou seja, 1,38 milhão de pessoas não frequentavam a escola. A este contingente devem ser acrescentados outros 4,1 milhões que afirmaram estarem matriculados, mas não participaram de nenhuma atividade nas escolas. O abandono escolar atinge mais os alunos pobres, cujo atendimento já era insatisfatório e que não tiveram acesso ao ensino remoto. Uma tragédia dentro de um drama.
Em estudo divulgado em julho de 2020 (Consequências da Violação do Direito à Educação), o Insper estimou que, em 2018, 557 mil jovens com 16 anos não concluíram a educação básica. Isto vai provocar uma perda de renda ao longo de toda a vida laboral de cada um destes jovens de R$ 395 mil, o que significa que o custo total do abandono escolar para esta faixa etária alcança a cifra astronômica de R$ 220 bilhões. Para efeito de comparação, o orçamento do MEC para a Educação Básica em 2020 foi de R$ 42,8 bilhões (aliás, 34% menor que o de 2012).
O problema das consequências é que elas chegam depois, já dizia Marco Maciel. O que o governo tem a dizer sobre o abandono escolar provocado pela pandemia? Se o sistema educacional brasileiro já vinha mal antes como evitar que fique ainda pior? O Ministério da Educação não tem planos – nem sequer diagnóstico. No meio da tragédia da covid-19, gastou tempo e esforços na busca da regulamentação do ensino domiciliar, uma abjeta excrescência ideológica. Para um governo que recusa o passado e não reconhece o presente, pensar a longo prazo é um luxo inacessível. A propósito, qual é mesmo o nome do atual ministro da Educação? Quando a pandemia arrefecer, malgrado o descaso do presidente, voltaremos a frequentar pizzarias, mas os jovens que nos entregam as pizzas hoje não voltarão para as escolas.
Haverá uma geração a quem será privado o conhecimento e, desta forma, o exercício pleno da cidadania. Não se trata apenas de fomentar a ignorância; é a barbárie que está à espreita. Há um despacho na esquina do futuro, já dizia Marcelo Yuka.
* ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DE ECONOMIA DA PUC-SP E FGV-SP. E-MAIL : LUISEDUARDOASSIS@GMAIL.COM
Essa é a fórmula, mas para se chegar a ela seria preciso primeiro vencer estruturas de concentração de poder político e de ganhos econômicos em mãos de poucos privilegiados. O Brasil já nasceu num contexto escravocrata, com Estado centralizado e concentrador de riquezas em favor dos donos de poder e recursos materiais; a preservação dessas condições indica também a preservação da ignorância geral da população. Vai ser difícil reformar. Existem basicamente duas fórmulas: por crises e conflitos — o que tem sido a nossa via — ou por consenso democrático a partir de mudanças graduais. Ficamos no meio do caminho...
Paulo Roberto de Almeida
Os finlandeses só conheceram o asfalto na década de 1920. Até o começo do século 20, conheciam sobretudo a pobreza. Quando, em 1909, a avenida Paulista se tornou a primeira via asfaltada da cidade de São Paulo, a hoje rica Finlândia era uma economia substancialmente agrária, e seus primeiros 14 km de rodovia seriam inaugurados somente em 1963.
Mas, nos anos seguintes, o país foi transformado por um conjunto de políticas educacionais e sociais - que criaram um dos mais celebrados modelos de excelência em educação pública do mundo. No Brasil, enquanto isso, reduzir a imensa desigualdade de oportunidades educacionais que existe entre as crianças que nascem em famílias pobres e as mais ricas segue sendo um dos principais desafios do país.
É o conhecido milagre finlandês, iniciado na década de 70 e turbinado nos anos 90 por uma série de reformas inovadoras. Em um espaço de 30 anos, a Finlândia transformou um sistema educacional medíocre e ineficaz, que amargava resultados escolares comparáveis aos de países como o Peru e a Malásia, em uma incubadora de talentos que a alçou ao topo dos rankings mundiais de desempenho estudantil e alavancou o nascimento de uma economia sofisticada e altamente industrializada.
Trata-se, à primeira vista, de um enigma: os finlandeses estão fazendo exatamente o contrário do que o resto do mundo faz na eterna busca por melhores resultados escolares - e está dando certo. O receituário finlandês inclui reduzir o número de horas de aula e limitar ao mínimo os deveres de casa e as provas escolares.
Delegações de educadores internacionais vasculham o paradoxal modelo finlandês em busca da fórmula do milagre. E ouvem, dos finlandeses, a seguinte resposta: a educação pública de alta qualidade não é resultado apenas de políticas educacionais, eles dizem, mas também de políticas sociais.
"O Estado de bem-estar social finlandês desempenha um papel crucial para o sucesso do modelo, ao garantir a todas as crianças oportunidades e condições iguais para um aprendizado gratuito e de qualidade", diz o educador Pasi Sahlberg, um dos idealizadores da reforma das políticas educativas da Finlândia nos anos 90, no livro Finnish Lessons (Lições Finlandesas, em tradução livre).
inal dpost,A preocupação em garantir que todos os finlandeses tenham oportunidades iguais de desenvolvimento é visível nas instalações da escola Viikki, um dos centros educacionais de ensino médio e fundamental da capital finlandesa, Helsinque. Como em todas as escolas finlandesas, ali o filho do empresário e o filho do operário estudam lado a lado.
No amplo refeitório, refeições fartas e saudáveis são servidas diariamente aos estudantes.
Serviços de atendimento médico e odontológico cuidam, gratuitamente, da saúde dos 940 alunos. Todo o material escolar é também gratuito. Equipes de pedagogos e psicólogos acompanham cuidadosamente o desenvolvimento de cada criança, identificando na primeira hora problemas como a dislexia de um aluno e fornecendo apoio imediato. Mensalidades escolares não existem.
Pasi Sahlberg destaca ainda o impacto fundamental exercido no ensino pelo modelo de igualdade e justiça social criado gradualmente pelos finlandeses a partir do pós-guerra: saúde, educação e moradia para todos, generosas licenças-paternidade para cuidar das crianças e creches altamente subsidiadas ou até gratuitas, além de uma vasta e solidária rede universal de proteção aos cidadãos.
"A desigualdade social, a pobreza infantil e ausência de serviços básicos têm um forte impacto negativo no desempenho do sistema educacional de um país", pontua Sahlberg.
Até o fim dos anos 1960, apenas 10% dos finlandeses completavam o ensino secundário. As oportunidades eram limitadas, e o acesso, desigual: muitas famílias não tinham condições de pagar por instituições privadas de ensino, e as escolas públicas eram insuficientes.
Um diploma universitário era considerado, na época, um troféu excepcional - apenas 7% da população tinha educação superior. Em todas as faixas de aprendizado, a Finlândia era um símbolo de atraso.
Mas a História do país sempre foi marcada pela resiliência do seu povo, que só conquistou a independência em 1917 - depois de seis séculos sob o domínio do reino da Suécia e mais de cem anos como grão-ducado do Império Russo e seus cinco czares.
Na década de 70, a nação foi convocada a mudar. Uma educação pública estelar passou a ser percebida como a base fundamental para a criação de um futuro menos medíocre: desenvolver o capital humano do país tornou-se a missão primordial do Estado finlandês.
O princípio da igualdade e da inclusão social marcou o desenvolvimento nos anos 70 da nova peruskoulu, a educação obrigatória finlandesa, que abrange o ensino fundamental e médio. Em uma decisão histórica do Parlamento finlandês, todas as crianças, independentemente de background socioeconômico ou região de domicílio, passaram a ter acesso igualitário e gratuito a escolas de qualidade para cumprir os nove anos da educação básica.
O vital passo seguinte foi uma valorização sem precedentes do professor. A Finlândia lançou programas de formação de excelência para o magistério nas universidades do país, criou notáveis condições de trabalho e ampla autonomia decisória nas escolas, pagando razoavelmente bem seus professores. E a carreira de professor tornou-se uma das preferidas entre os jovens finlandeses - à frente de profissões da Medicina, do Direito e da Arquitetura.
Nos anos 90, o país anunciou uma nova revolução do ensino. Associações de professores, políticos, pais, membros da academia e diferentes setores da sociedade foram chamados a participar da criação dos novos e revolucionários paradigmas da educação no país, que rejeitavam a fórmula convencional aplicada na maior parte do mundo como receita para melhorar o desempenho escolar.
"Particularmente significativo foi o papel desempenhado por variadas organizações da sociedade civil", destaca Pasi Sahlberg, que foi um dos conselheiros do Ministério da Educação finlandês nos anos 90.
A transformação do sistema foi profunda - e rápida. Como resultado, já no fim da década de 90 a peruskoulu finlandesa tornou-se líder mundial em matemática, ciências e interpretação.
Os primeiros resultados do PISA publicados em 2001 surpreenderam os próprios finlandeses: em todos os domínios acadêmicos, a Finlândia despontou no topo do ranking mundial. E permanece, até hoje, entre os mais destacados membros do clube.
A Finlândia diz ter aprendido uma lição: políticas de educação efetivas devem estar interligadas às demais políticas sociais. "As pessoas na Finlândia têm um profundo senso de responsabilidade compartilhada e importam-se não apenas com as próprias vidas, mas também com o bem-estar dos outros", observa Sahlberg no livro Finnish Lessons.
"Os cuidados com o bem-estar da criança começam antes mesmo de ela nascer e se estendem até a idade adulta. As creches públicas são um direito garantido para todas as crianças, que também têm acesso igualitário a todo tipo de serviço básico. A educação em nosso país é considerada um bem público. É, portanto, protegida, na Constituição do país, como um direito humano básico", acrescenta.
O investimento finlandês na educação também é considerado um dos motores centrais do desenvolvimento econômico e do fim da pobreza no país: cidadãos altamente capacitados alavancaram o crescimento da produção e a transformação da Finlândia em um dos principais pólos de inovação e tecnologia do mundo, com o nascimento de empresas como a gigante das telecomunicações Nokia.
As políticas educacionais cresceram ao lado das políticas sociais: a vasta rede de benefícios sociais na Finlândia é resultado da construção, a partir dos anos 70, de um generoso Estado de Bem-Estar social, financiado por uma das mais altas cargas tributárias do mundo. A taxa de imposto de renda individual no país é hoje de 51,6%, o que não impediu a Finlândia de aparecer, este ano, no topo do ranking dos países mais felizes do mundo elaborado pela ONU (World Happiness Report).
Desde o fim dos anos 30, a Finlândia oferece a todas as gestantes um kit-maternidade com cerca de 50 itens básicos para o bebê - um presente destinado a proporcionar a todos um começo de vida igual, independentemente da classe social.
Quando uma criança nasce na Finlândia, a mãe tem direito a 105 dias úteis de licença-maternidade. O pai recebe outros 54 dias úteis de licença. Além disso, os casais podem dividir entre si um período adicional de mais de cinco meses de licença parental.
Isso significa que a maioria das crianças finlandesas pode ter a atenção dos pais, em casa, durante seu primeiro ano de vida.
Após o período de licença-paternidade, um dos pais tem o direito de permanecer em casa com a criança, se assim preferir, e receber um subsídio de cerca de 450 euros por mês. Nesse caso, o pai ou a mãe poderão retornar ao mesmo emprego que tinham antes até a criança completar três anos de idade.
Os pais têm ainda a opção de retornar ao trabalho, mas com carga horária reduzida, e obter um subsídio parcial do Estado.
A maior parte dos pais e mães volta eventualmente ao trabalho - e quando decidem fazer isso, o Estado oferece uma rede de creches especializadas e altamente subsidiadas para cuidar das crianças.
Pela lei finlandesa, todas as crianças de 0 a seis anos têm direito a um lugar na creche, seja em horário parcial ou integral. As taxas variam de acordo com a renda dos pais e da municipalidade onde a família reside. O valor máximo da mensalidade é atualmente de 290 euros (cerca de R$ 1.340).
Para famílias de menor renda, as creches são gratuitas.
Quando completam 6 anos de idade, todas as crianças finlandesas têm direito à educação pré-escolar – que é inteiramente gratuita. O objetivo dos centros pré-escolares é proporcionar a cada criança o aprendizado de habilidades e conhecimentos básicos, a fim de prepará-las para a vida escolar.
Com o acesso gratuito às universidades e instituições de ensino técnico e profissionalizante, a educação de nível superior também passou a ser uma oportunidade igual para todos: a educação na Finlândia é livre de mensalidades para todos, do pré-escolar ao PhD.
As estatísticas apontam o êxito da fórmula de aliar políticas educacionais a políticas sociais, diz Pasi Sahberg:
"As sociedades igualitárias têm cidadãos com grau de instrução mais elevado, raros casos de evasão escolar, menores taxas de obesidade, melhores indicadores de saúde mental e índices mais reduzidos de ocorrência de gravidez entre adolescentes, em relação aos países nos quais a distância entre ricos e pobres é maior", enfatiza o educador finlandês.
Inovar - sempre - é preciso, ensinam os finlandeses. Já nos anos 90, a reforma educacional conduzida pela Finlândia surpreendeu o mundo acadêmico com uma teoria paradoxal, que provaria ser visionária.
A experiência finlandesa desafia a lógica convencional, que prescreve mais horas de aula e maior quantidade de lições de casa como fórmula para turbinar o desempenho estudantil.
Os dias são mais curtos nas escolas da Finlândia: são menos horas de aula do que em todas as demais nações industrializadas, segundo estatísticas da OCDE, organização que reúne os países mais ricos do mundo.
"É importante que crianças tenham tempo de ser crianças", disse a professora Erja Schunk, na escola Viikki, situada em um campus da Universidade de Helsinque. "O mais importante é a qualidade do tempo em sala de aula, e não a quantidade".
Nos Estados Unidos, um professor gasta aproximadamente o dobro do tempo ensinando na sala de aula por semana, em comparação com um professor finlandês.
"Dar seis horas de aula por dia é uma tarefa árdua, que deixa os professores cansados demais para se dedicar a outras tarefas importantes no trabalho de um educador, como planejar, reciclar-se e dar assistência cuidadosa ao aluno", diz Sahlberg. Em uma típica escola finlandesa, os professores dão cerca de quatro aulas por dia.
"A preocupação central da escola finlandesa não é atingir recordes de desempenho escolar, e sim ajudar a desenvolver as aptidões de uma criança a fim de formar indivíduos capazes de viver vidas felizes, dentro e fora do trabalho", acrescenta Sahlberg.
Professores finlandeses também não acreditam que aumentar a carga de trabalho de casa dos estudantes leva necessariamente a um melhor aprendizado - especialmente se as lições forem entediantes exercícios que não desafiam a capacidade criativa do aluno.
Pelas estatísticas da OCDE, os estudantes finlandeses gastam menos tempo fazendo trabalho de casa do que os colegas de todos os outros países: cerca de meia hora por dia.
"Os alunos aprendem o que necessitam saber na sala de aula, e muitos fazem o dever de casa aqui mesmo, na própria escola. Assim, eles têm tempo para conviver com os amigos e se dedicar às coisas que gostam de fazer fora da escola, o que também é importante", disse o professor Martti Mery na escola Viikki.
Na fase pré-escolar, a prioridade é desenvolver a autoconfiança das crianças: os dias na escola são preenchidos com tarefas como aprender a se orientar desacompanhadas em uma floresta, ou amarrar sozinhas seus patins de gelo.
Estudantes finlandeses não precisam se preocupar com provas: seu sistema educacional não acredita na eficácia de uma alta frequência de provas e testes, que por isso são aplicados com pouca regularidade. Apesar disso, a Finlândia brilha nos rankings globais de educação, ao lado dos países com melhor desempenho escolar do mundo.
Milagre? A filosofia finlandesa é de que o foco principal dos professores deve ser ajudar os alunos a aprender sem ansiedade, a criar e a desenvolver a curiosidade natural, e não simplesmente a passar em provas.
"A pressão do modelo tradicional de ensino traz consequências dramáticas para os alunos, como o medo, o tédio e o receio de correr riscos", afirma o educador Pasi Sahlberg.
Relatórios do PISA indicam que apenas 7% dos alunos finlandeses sentem-se ansiosos ao estudar matemática. Já no rígido sistema de ensino do Japão, que ostenta altos níveis de desempenho escolar enquanto registra recordes de suicídio entre estudantes, esse índice chega a 52%.
Nas salas de aula da escola Viikki, o ambiente é tranquilo e descontraído. Não há uniformes escolares, e os alunos estudam descalços – refletindo o clima das casas escandinavas, onde ninguém usa sapatos.
A escola primária é praticamente uma época livre de testes. A fim de evitar que as crianças sejam categorizadas de acordo com sua performance, o sistema finlandês virtualmente aboliu a avaliação por notas escolares nos cinco primeiros anos da peruskoulu.
Nos anos seguintes, a avaliação é feita com base em testes elaborados pelo professor e no desempenho do aluno em sala de aula, além de uma ampla avaliação de cada estudante realizada coletivamente pelos professores ao fim de cada semestre.
Os que precisam de maior assistência no ensino recebem atenção particular: a filosofia finlandesa preza a crença de que todas as crianças têm o potencial de aprender, se tiverem apoio e oportunidades adequadas.
O magistério na Finlândia tornou-se uma carreira de prestígio.
A cada primavera, milhares de jovens se candidatam a uma vaga para estudar nos departamentos de formação de professores das universidades da Finlândia.
Mas apenas os melhores e mais preparados estudantes podem se tornar professores: no exigente sistema finlandês, apenas cerca de 10% dos candidatos são em geral aprovados para cursar o obrigatório mestrado na universidade.
Obter um mestrado tornou-se a qualificação básica e obrigatória de um professor para poder ensinar nas escolas finlandesas - mesmo na educação pré-escolar.
As inovações continuam: o currículo escolar adotado em 2016 criou, por exemplo, o ensino baseado em fenômenos ou projetos, que atualiza a tradicional divisão por matérias e dá mais espaço para que determinados temas - como, por exemplo, a Segunda Guerra Mundial - sejam trabalhados conjuntamente por professores de diferentes disciplinas.
Todos os aspectos por trás do sucesso finlandês parecem ser, assim, o oposto do que se faz na maior parte do mundo, onde a competição, a alta carga de provas e aulas, a uniformização do ensino e a privatização são via de regra os princípios dominantes.
"Exercer controles rígidos sobre as escolas e os alunos, pagar os professores com base no desempenho dos estudantes, entregar a liderança das escolas a especialistas em gerenciamento ou converter escolas públicas em privadas são ideias que não têm lugar no repertório finlandês de desenvolvimento da educação", diz o educador Pasi Sahlberg.
Sahlberg resume assim o pensamento finlandês sobre a educação pública de qualidade:
"É uma obrigação moral, pois o bem-estar e em última análise a felicidade de um indivíduo depende do conhecimento, das aptidões e das visões de mundo que são proporcionadas por uma educação de qualidade. É também um imperativo econômico, uma vez que a riqueza das nações depende cada vez mais de know-how e conhecimento".