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quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

O silêncio do Brasil sobre a derrocada da democracia na Guiné-Bissau - Vanicleia Silva Santos, Marcos Leitão de Almeida, Abdulai Silá (FSP)

 O silêncio do Brasil sobre a derrocada da democracia na Guiné-Bissau País que busca liderança no Sul Global está omisso diante de virtual ditadura 

 Vanicleia Silva Santos, Professora na Universidade da Pensilvânia (EUA); Marcos Leitão de Almeida, Professor na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) Abdulai Silá, Escritor guineense 
Folha de S. Paulo, 

A Guiné-Bissau é lembrada pelos brasileiros por sua conexão ancestral com as populações afrodescendentes, especialmente na região amazônica. Após uma longa história de escravidão, colonialismo português e independência conquistada em 1973, o país africano enfrentou desafios políticos e sociais. A guerra civil de 1998-99 deixou marcas duradouras. Desde então, a democracia tem sido instável, com frequentes mudanças de governo. Em 2020, o general Umaro Sissoco Embaló, conhecido como o "Bolsonaro da África", ganhou as eleições com um discurso religioso e étnico, voltado para as populações muçulmanas do país. Seu governo é marcado por tensões com a Assembleia Nacional Popular e o Judiciário, além de uma crise econômica persistente.

 Em fevereiro de 2022, ocorreu uma suposta tentativa de golpe de Estado, seguida por tensões políticas. Em junho de 2023, a oposição obteve maioria absoluta nas eleições parlamentares, mas o presidente se recusou a indicar o líder do partido vencedor como primeiro-ministro. Com a finalidade de buscar a conciliação, a coligação vencedora indicou outro nome, que foi aceito e, então, formou-se o novo governo. No entanto, em dezembro de 2023, alegando outra "tentativa" de golpe, Sissoco dissolveu o Parlamento, sem respeitar a constituição. Para piorar, ele escolheu e nomeou um novo governo, sem consulta, e não estabeleceu data para novas eleições para o Congresso, indicando que poderão ser realizadas somente no final deste ano.

 Diante das intenções ditatoriais do presidente, a oposição convocou uma manifestação pela democracia em 8 de janeiro último, mas a polícia dispersou os manifestantes antes mesmo de o ato começar. Portanto, está caracterizado o caráter ditatorial do golpe institucional e a violação da Constituição da Guiné-Bissau. Durante os dois primeiros governos Lula, o Brasil passou a ter uma presença na Guiné-Bissau com alguns programas de cooperação na área de segurança e da massiva vinda de estudantes guineenses para estudar nas universidades brasileiras.

 Isso gerou um saldo muito positivo, como a formação de milhares de quadros qualificados para a Guiné-Bissau, que possui precária estrutura de ensino superior. O impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016 e os governos seguintes mudaram as prioridades diplomáticas brasileiras para a África. O governo Lula 3 representa uma esperança na retomada das relações Brasil-África. Porém, o país está omisso diante desta ditadura virtualmente instaurada na Guiné. 

O Itamaraty emitiu apenas uma nota curta na qual declara que "acompanha com preocupação a corrente situação na Guiné-Bissau, no âmbito da qual foi recentemente dissolvida a Assembleia Nacional Popular, eleita em julho passado. O Brasil insta ao diálogo entre as partes e conclama as autoridades ao respeito dos direitos fundamentais". Esta fraquíssima nota pública contrasta com o enorme esforço diplomático do governo para dialogar nos conflitos na Ucrânia, Venezuela e em Gaza, por exemplo. Apesar de haver muitos países envolvidos nos casos citados, o Brasil buscou se apresentar como mediador. 

No entanto, no caso da Guiné-Bissau, onde há uma enorme conexão com o Brasil, o governo segue se omitindo, deixando os diálogos com Portugal e até mesmo com os EUA. Esse episódio nos lembra que, em 1974, Samora Machel questionou a ausência do Brasil durante a luta contra o colonialismo e recusou a presença brasileira na celebração da independência de Moçambique e a abertura de uma embaixada em Maputo. Portanto, o Brasil não pode negligenciar essa grave ameaça à democracia em um momento em que busca a liderança do Sul Global. 

O país deve dialogar ativamente entre as diferentes partes para defender a democracia e os direitos humanos também na Guiné-Bissau. A valorização dos laços com a África deve ir além da celebração das ancestralidades africanas em nossa sociedade e se efetivar em uma verdadeira cooperação.  

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Lula deu bronca em equipe após reunião com Paraguai sobre Itaipu - Catia Seabra, Ricardo Della Coletta (FSP)

 Lula deu bronca em equipe após reunião com Paraguai sobre Itaipu


Presidente se irritou com ministros por falta de coordenação e ter sido obrigado a discutir tarifa com Santiago Peña

Catia Seabra
Ricardo Della Coletta
Folha de S. Paulo, 22/01/2024

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se irritou com o desempenho de sua equipe durante a reunião que teve com o líder do Paraguai, Santiago Peña, na segunda-feira (15) em Brasília.

De acordo com diferentes auxiliares ouvidos pela Folha, Lula manifestou sua contrariedade durante encontro com ministros na manhã de quarta-feira (17).

Na ocasião, ele queixou-se aos ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Fernando Haddad (Fazenda) do que avaliou como falta de iniciativa e sintonia dos seus subordinados para defender a posição do Brasil nas negociações sobre a usina hidrelétrica de Itaipu.

A principal reclamação de Lula foi com a pauta da audiência. Os paraguaios desembarcaram em Brasília dispostos a pressionar Lula pelo aumento do preço da energia elétrica cobrado pela binacional.

Eles querem que os recursos oriundos do reajuste sirvam para financiar projetos de desenvolvimento e infraestrutura no país vizinho, um dos mais pobres da região.

Brasil e Paraguai estão no meio da renegociação das bases financeiras do tratado que concretizou a usina, que é gerida pelos dois países.

O governo Peña quer elevar a tarifa para os valores cobrados antes da quitação da dívida bilionária contraída há cerca de 50 anos para a construção da hidrelétrica, enquanto o Brasil se opõe com medo dos impactos desse reajuste na conta dos consumidores.

Lula já entrou contrariado na reunião com Peña e sua equipe, por considerar que não cabia aos presidentes discutirem questões técnicas como tarifa de energia.

O presidente avalia que esse debate caberia ao corpo diplomático e aos representantes do Brasil no conselho de Itaipu. Penã insistiu para conversar diretamente com Lula, sem que as autoridades brasileiras conseguissem convencer os paraguaios que a pauta deveria antes ser resolvida em nível técnico.

Ainda segundo interlocutores, Lula se queixou de não ter sido devidamente preparado por seus auxiliares sobre os argumentos que poderiam ser apresentados pelos paraguaios.

Nesse sentido, a equipe de Lula não ajudou a mudar o quadro adverso para o presidente. Por sua vez, Peña, ex-ministro da Fazenda do Paraguai, entrou na sala munido de dados técnicos para argumentar em prol do aumento da tarifa.

No Paraguai, as condições do tratado de Itaipu são consideradas um tema existencial para o governo, com potencial de gerar crises e até ameaçar presidentes. Assuntos da usina são centrais na pasta da Fazenda paraguaia.

Peña chegou a apresentar um documento assinado por Lula e o então presidente do Paraguai, Fernando Lugo, em 2009, no qual os dois países se comprometeram a trabalhar contra a desigualdade regional no continente.

Embora não cite diretamente a tarifa agora em negociação, o texto foi exibido como prova de um compromisso passado de Lula pela manutenção dos preços praticados por Itaipu durante o pagamento da dívida da empresa.

De acordo com pessoas que testemunharam a audiência, Haddad e o diretor-geral de Itaipu, Enio Verri, intervieram para contestar alguns dos argumentos levantados pelos paraguaios.

As autoridades brasileiras alegam que a tarifa deve permanecer mais baixa após o pagamento da dívida da construção, o que ocorreu no final de 2023.

O governo defende manter o patamar de US$ 16,71 por kW (quilowatt). Já o Paraguai reivindica cerca de US$ 22 por kW. Cada dólar representa uma receita adicional superior a US$ 136 milhões à estatal, a ser partilhada entre os dois países.

A Folha colheu relatos de diferentes pessoas que acompanharam a audiência com Peña. Segundo elas, Lula tentou contornar a pressão paraguaia citando de memória fatos de negociações anteriores sobre Itaipu que ele conduziu com outros dois presidentes do país vizinho: Nicanor Duarte e Lugo.

Quando Peña lançou mão da declaração conjunta assinada em 2009, por exemplo, Lula esquivou-se ao brincar que havia sido mais fácil negociar temas relacionados a Itaipu com Nicanor, de direita, do que com líderes ideologicamente próximos, em uma referência a Lugo.

O documento firmado por Lula e Lugo serviu como base para que, pouco depois, o Brasil se comprometesse a financiar a montagem de uma linha de transmissão entre Itaipu e a região de Assunção.

Nesse sentido, Lula também afirmou a Peña que, na época do acordo com Lugo, havia sido muito difícil convencer a população brasileira e parlamentares de que o investimento seria bom para o Brasil.

Outra fonte de insatisfação de Lula está na recusa do governo paraguaio em firmar um acordo que permitiria o funcionamento administrativo de Itaipu até que um consenso sobre a tarifa seja alcançado.

Tradicionalmente, as diretorias das duas margens, brasileira e paraguaia, selam um procedimento provisório para evitar a paralisação das atividades enquanto o preço não é definido.

Desta vez, os sócios paraguaios se recusaram a avalizar o procedimento. Com isso, fornecedores e funcionários ficaram sem receber.

Na sexta-feira (19), a diretoria-geral de Itaipu divulgou uma circular aos funcionários explicando a situação e informou estar em busca de uma solução consensual.

Depois da reunião com Peña, Lula deu declarações no Itamaraty em que reconheceu as divergências com o líder paraguaio sobre Itaipu.

O petista disse querer finalizar a renovação do contrato da usina o mais rápido possível e afirmou que irá ao Paraguai para seguir as negociações.

"Eu disse ao companheiro [Peña] que vamos rediscutir a questão das tarifas de Itaipu. Nós temos divergência na tarifa, mas estamos dispostos a encontrar solução conjuntamente e nos próximos dias vamos voltar a fazer reunião", afirmou.


quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Ex-ministros e intelectuais defendem Lula por apoiar denúncia contra Israel por genocídio (FSP)

 Ex-ministros e intelectuais defendem Lula por apoiar denúncia contra Israel por genocídio

Folha de S. Paulo, 17/01/2024

 Carta será envida ao presidente e ao ministro Mauro Vieira Intelectuais, ex-ministros e ativistas elaboraram uma carta aberta em apoio à decisão do governo Lula de endossar a iniciativa da África do Sul em acionar a Corte Internacional de Justiça da ONU contra Israel. O país pede que seja apurada a suposta prática de genocídio pelo Estado judeu contra o povo palestino em Gaza. O documento será enviado, entre a noite desta terça (15) e a manhã de quarta-feira (16), ao presidente e ao ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira. 

Entre os signatários estão os ex-ministros dos Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro, Paulo Vannuchi, Rogério Sottili e Maria do Rosário (hoje deputada federal) e da Defesa José Viegas Filho. Ainda apoiam a carta o ex-diretor-executivo da Humans Right Watch Kenneth Roth, o ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) James Cavallaro, a filósofa Marilena Chauí, o escritor Milton Hatoum, o jornalista Breno Altman e a socióloga Maria Victoria de Mesquita Benevides. A ação da África do Sul foi apresentada ao tribunal, mais conhecido como Corte de Haia, no último dia 29. 

O apoio do Brasil foi divulgado em 10 de janeiro, horas depois de Lula ter se reunido com o embaixador palestino no Brasil, Ibrahim Alzeben. A carta rebate críticas que o governo recebeu de entidades como a Conib (Confederação Israelita do Brasil), que disse, em nota que o governo diverge da posição de equilíbrio e moderação da política externa do país. "Não há incoerência alguma na diplomacia brasileira. Essas críticas ignoram que o Estado brasileiro tem se guiado, nas relações internacionais, pela primazia do respeito aos direitos humanos, conforme o artigo 4º da Constituição de 1988", diz um trecho do manifesto em apoio ao petista. "A acusação de reforçar o antissemitismo faz parte da campanha de instrumentalização política do termo, ao considerar qualquer crítica ao Estado de Israel e seu governo como antissemita. 

O antissemitismo é um flagelo perigoso e deve ser combatido vigorosamente. Mas não significa ser antissemita condenar o apartheid e o desrespeito sistemático, por Israel, das decisões dos órgaõs da ONU e de leis internacionais humanitárias e de direitos humanos, incluindo a não prevenção de genocídio", afirma ainda. 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

BC tem primeiro ano sem fazer leilões extras de dólar desde o início do câmbio flutuante, em 1999 (FSP)

 BC tem primeiro ano sem fazer leilões extras de dólar desde o início do câmbio flutuante, em 1999

Folha de S. Paulo | Mercado
10 de janeiro de 2024
O texto abaixo foi gerado automaticamente e não foi revisado.

BC tem primeiro ano sem fazer leilões extras de dólar desde o início do câmbio flutuante, em 1999

Nathalia Garcia

brasília O Banco Central atravessou 2023 sem ter realizado leilões extras de dólar em meio a um cenário de baixa volatilidade do real e de forte fluxo comercial. Essa foi a menor intervenção da autoridade monetária desde a adoção do regime de câmbio flutuante no país, em 1999.

A informação foi publicada pelo Valor e confirmada pela Folha. No ano passado, o BC não fez leilões extraordinários de contratos de swap cambial e conduziu apenas as rolagens integrais já previstas no cronograma ao longo dos meses.

Em uma operação chamada de "swap" (troca, em inglês), o BC opera com contratos financeiros. Nela, há simultaneamente a troca de taxas ou rentabilidade de ativos.

O objetivo é prover proteção contra variações excessivas do dólar em relação ao real (hedge cambial) e liquidez ao mercado doméstico.

A compra de contrato de swap pelo BC funciona como injeção de dólares no mercado futuro e quem compra está protegido em caso de desvalorização do real.

É um instrumento usado para evitar disfunção no mercado de câmbio, assegurando que haja oferta para atender a um aumento de procura pela moeda estrangeira.

Em 2023, o BC também não efetuou compra ou venda de dólares no mercado à vista.

Nessa modalidade, a autoridade monetária vende reservas internacionais, sem compromisso de recompra, e o dinheiro é injetado no mercado.

Foi uma alternativa mais recorrente no governo de Fernando Henrique Cardoso, durante o câmbio fixo.

A instituição também não promoveu novos leilões de linha no ano passado. Nesse caso, o BC também vende reservas internacionais no mercado à vista, mas com o compromisso de recompra em um prazo determinado.

Além de aliviar as pressões por demanda de dólar em momentos mais sensíveis, preserva o colchão financeiro por funcionar como uma espécie de empréstimo de moeda estrangeira.

BC não viu necessidade de fazer novos leilões ao longo de 2023 por causa do comportamento "um pouco mais benigno" do câmbio no ano. A cotação do dólar caiu de R$ 5,34 a RS 4,84 em 2023.

Ela ressalta o cenário mais positivo da economia brasileira ao término do ano, com recuo da inflação, ciclo de queda de juros e elevação da nota de crédito soberano do Brasil por agências de classificação de risco, o que colabora para um câmbio mais comportado.

Para Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, a menor intervenção do BC é explicada principalmente pelo forte fluxo comercial de câmbio no mercado à vista, impulsionado pelo superávit recorde da balança comercial de quase US$ 100 bilhões.

O economista ressalta que o país passa por mudanças estruturais, tendo o superávit comercial sido puxado pelo forte aumento dos volumes exportados de commodities agrícolas, minérios e petróleo.

"Ficamos menos dependentes dos fluxos financeiros. O déficit em contas correntes caiu de uma média de 3% do PIB [Produto Interno Bruto] nos últimos dez anos para cerca de 1,5% do PIB."

De acordo com Reinaldo Le Grazie, sócio da Panamby Capital e ex-diretor do BC, o fluxo "muito positivo" de 2023 talvez tenha contrabalançado um movimento que vinha de anos anteriores e pesava na volatilidade do câmbio, como a desalavancagem - redução das dívidas - de grandes empresas, como a Vale.

Ele cita também como contribuição para "calmaria" o fim do overhedge cambial, que é uma proteção excessiva dos bancos em moeda estrangeira no exterior.

"Foi o suficiente para manter o mercado irrigado sem necessidade de o BC comprar dólar. Sempre que tem menos intervenção é bom para a economia, principalmente para quem tem cabeça mais liberal", afirma ele.

Para 2024, os economistas consideram que a volatilidade do câmbio no Brasil dependerá da condução da política de juros do Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) e de riscos geopolíticos no cenário global.

No ambiente doméstico, a trajetória das contas públicas é a principal preocupação dos economistas. Há ceticismo com a viabilidade da meta de déficit zero neste ano, como defendida pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

"O risco é a nossa situação fiscal, que se fragilizou com o déficit e a dívida pública em alta", diz Kawall.

Quartaroli acrescenta que o país deve ter menor arrecadação de receitas neste ano com a projeção de crescimento menor do PIB. "Se a gente continuar aumentando o gasto e a conta fiscal não fechar, isso tende a ser um risco", afirma.

Sobre a atuação do BC para o cenário à frente, Le Grazie diz que é difícil descartar futuras interferências no caso de países emergentes, como o Brasil, que ficam mais sujeitos a variações cambiais.

"No pronto [mercado à vista] e em swap, não vejo mudança de atuação, de estratégia. Acho que houve uma mudança de comportamento em 2023 em função das condições de mercado. É difícil imaginar que a gente, daqui em diante, nunca mais vai ter de fazer intervenção", diz.

"Já no [leilão] de linha, ficou evidente que o mercado se ajeita e não precisa da participação do BC", afirma

domingo, 17 de dezembro de 2023

Conflito Venezuela-Guiana: encontro de presidentes no Caribe (Estadão, FSP)

 Venezuela e Guiana se comprometem a evitar medidas militares na disputa do Essequibo 


 Os países também aceitaram promover um novo encontro dentro de três meses no Brasil para buscar solução ao conflito O encontro cara a cara entre os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, encerrou-se com um acordo no qual ambos os países descartam o uso da força na controvérsia sobre o Essequibo, um território rico em petróleo disputado há mais de um século. 

 Guiana e Venezuela “concordaram que direta ou indiretamente não se ameaçarão, nem usarão a força mutuamente em nenhuma circunstância, incluindo aquelas decorrentes de qualquer controvérsia existente entre ambos os Estados”, indicou parte de uma declaração conjunta lida por Ralph Gonsalves, primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, sede do encontro. Também “acordaram que qualquer controvérsia entre os dois Estados será resolvida de acordo com o direito internacional, incluindo o Acordo de Genebra”, acrescentou o documento. 

 Venezuela e Guiana também aceitaram promover um novo encontro entre aspartes dentro de três meses no Brasil. Os presidentes encerraram a reunião com um aperto de mãos após cerca de duas horas de discussão em São Vicente e Granadinas, promovida pela Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac) e pela Comunidade do Caribe (Caricom), com o apoio do Brasil. 

 Antes da leitura da declaração conjunta, o presidente Ali enfatizou o direito de seu país explorar seu “espaço soberano”. ”A Guiana não é o agressor, a Guiana não está buscando a guerra, a Guiana se reserva o direito de trabalhar com nossos aliados para garantir a defesa do nosso país”, afirmou Ali, durante coletiva de imprensa posterior, sem ceder em sua posição sobre a disputa. ”A Guiana tem todo o direito (...) de facilitar qualquer investimento, qualquer sociedade (...), a expedição de qualquer licença e a outorga de qualquer concessão em nosso espaço soberano”. A reunião foi realizada em meio a uma preocupação crescente pelas trocas de declarações cada vez mais ásperas entre os dois presidentes sobre o Essequibo, um território de 160 mil km² rico em petróleo e outros recursos naturais, administrado por Georgetown e reivindicado por Caracas.

 Maduro, que ainda não deu nenhuma declaração ao final do encontro - disse que iria à reunião em busca de uma “via de diálogo e negociação” para obter “soluções efetivas”. ”Os intermediários provavelmente terão que buscar algo para que Maduro não saia do encontro “sem nada”, disse à AFP Sadio Garavini di Turno, ex-embaixador da Venezuela na Guiana, que considera “factível” uma declaração “na qual se diga que vão baixar a escalada, que vão continuar conversando para baixar as tensões”. Maduro considerou o encontro como “um grande feito” para ”abordar de forma direta a controvérsia territorial”, mas 
Ali negou que a disputa estivesse na agenda e insistiu em sua posição de que esta deve ser decidida na Corte Internacional de Justiça (CIJ), cuja jurisdição Caracas não reconhece. Petróleo, o pomo da discórdia A disputa é centenária, mas o litígio escalou em 2015, depois que a empresa petrolífera americana ExxonMobil descobriu grandes reservas de petróleo bruto na área reivindicada. A Venezuela acusa a Guiana de dar concessões em águas marítimas ainda a delimitar, e depois de um referendo sobre o território reivindicado, em 3 de dezembro, iniciou um processo para outorgar licenças da estatal PDVSA nas águas disputadas. 

 A consulta aprovou, ainda, criar uma região, uma província da Venezuela e dará cidadania venezuelana a seus habitantes. Maduro levou um mapa que já inclui o Essequibo como um estado. A Guiana, que viu a consulta como uma “ameaça”, levou o caso ao Conselho de Segurança da ONU e anunciou contatos com “parceiros” militares, como os Estados Unidos, que realizaram exercícios militares no Essequibo. 

 O Brasil reforçou sua presença militar na fronteira norte. A habitual retórica anti-imperialista do governo venezuelano acusa Ali de ser “um escravo” da ExxonMobil. Garavini di Turno destacou que a Venezuela “curiosamente” evita mencionar as outras grandes empresas com participação na maior concessão outorgada pelo governo guianense na região, a do bloco Stabroek, caso da China National Petroleum Corporation e da também americana Chevron, duas empresas que operam no país, alvo de sanções de Washington. Na segunda-feira, o chanceler venezuelano, Yván Gil, aventou, em encontro com a imprensa internacional em Caracas, a possibilidade de que se possa falar de uma “cooperação em petróleo e gás”, sem entrar em detalhes./AFP  


4) Reunião afasta risco de ruptura entre Venezuela e Guiana, diz governo Lula Líderes não recuam, mas concordam em manter diálogo; Amorim rechaça ameaças à integridade territorial e intervenção estrangeira 

 SÃO PAULO O governo brasileiro afirma considerar que a reunião entre o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, nesta quinta-feira (14), afastou a possibilidade de uma ruptura. Ao menos no curto prazo. Nenhum dos dois líderes recuou de suas posições, principalmente no que diz respeito à legitimidade da Corte Internacional de Justiça de decidir a disputa pelo território de Essequibo –Ali, por óbvio, defende a decisão e a competência do tribunal, e Maduro as rechaça. 

 Dois dias antes do plebiscito em que Caracas diz ter obtido apoio de 96% dos venezuelanos para anexar Essequibo, a Corte exortou o regime de Maduro a não "modificar a situação" do território. SÃO PAULO O governo brasileiro afirma considerar que a reunião entre o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, nesta quinta-feira (14), afastou a possibilidade de uma ruptura. Ao menos no curto prazo. Nenhum dos dois líderes recuou de suas posições, principalmente no que diz respeito à legitimidade da Corte Internacional de Justiça de decidir a disputa pelo território de Essequibo –Ali, por óbvio, defende a decisão e a competência do tribunal, e Maduro as rechaça. Dois dias antes do plebiscito em que Caracas diz ter obtido apoio de 96% dos venezuelanos para anexar Essequibo, a Corte exortou o regime de Maduro a não "modificar a situação" do território. Mas ambos concordaram em continuar com o diálogo e marcar uma data para novas reuniões, que serão periódicas, a cada três meses. 

O próximo encontro deve ocorrer no Brasil. Na visão do governo brasileiro, que propôs a negociação e se coloca como fiador do processo entre Guiana e Venezuela, a reunião desinflou a guerra verbal e reduziu o risco de a escalada retórica sair do controle e levar ao conflito. Na reunião, além de Maduro e Ali, só falaram o primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, Ralph Gonsalves, que está na presidência de turno da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), e Celso Amorim, assessor internacional do presidente Lula. 

 De acordo com informações obtidas pela Folha, Amorim passou recados aos dois países. O ex-chanceler disse que "não interessa à região o uso da força ou a ameaça de uso da força" —um recado claro para Maduro— e tampouco interessa à região que "forças estrangeiras intervenham" –mensagem para Ali, que não descartou a possibilidade de hospedar uma base americana. Após as ameaças de Maduro de anexar Essequibo, os EUA fizeram exercícios militares aéreos na região. Ainda que a temperatura tenha baixado, a diplomacia brasileira ainda tem preocupações no curto prazo. Na segunda-feira (18), está prevista negociação de uma declaração na Organização dos Estados Americanos (OEA), para ser votada na terça-feira (19). O Brasil não apoia o texto que está circulando, que é de autoria da Guiana e tem forte endosso dos Estados Unidos e de Luis Almagro, secretário-geral da OEA. 

 O texto, segundo informações a que a Folha teve acesso, afirma que houve violação da integridade territorial da Guiana, antecipando algo que não se concretizou. Além disso, reflete todas as visões da Guiana sobre os direitos do país a Essequibo e é bastante agressivo em sua condenação a Caracas. Na visão do governo brasileiro, uma declaração com esse teor seria contraproducente e comprometeria a interlocução com Maduro. Brasília defende a linha da declaração divulgada pelo Mercosul na semana passada, que alerta para "ações unilaterais que devem ser evitadas", mas não entra em pormenores sobre a quem pertence Essequibo. 

 Ao Brasil não interessa que seja divulgada uma declaração nem que o assunto seja tratado na OEA, que tem enorme influência dos EUA. Brasília quer manter a mediação no âmbito da América Latina, em instâncias como a Celac, que promoveu a reunião desta quinta. Ainda assim, os governos de Lula e de Joe Biden têm mantido interlocução frequente durante a crise. Amorim teve conversas com o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan. O chanceler Mauro Vieira conversou na quarta-feira (13) com o secretário de Estado americano, Antony Blinken, e com o ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, David Cameron, nesta quinta. Com o chefe da diplomacia dos EUA não foi abordada a possibilidade de uma declaração da OEA.

 Blinken teria falado sobre a percepção de que Maduro estaria fazendo apenas uma bravata eleitoral, mas que a situação poderia sair do controle e se agravar.  

sábado, 9 de dezembro de 2023

Plebiscito da Venezuela é estratégia jurídica pela autodeterminação - Lucas Carlos Lima (FSP)

 
 LUCAS CARLOS LIMA

Plebiscito da Venezuela é estratégia jurídica pela autodeterminação

Ao buscar aval popular na disputa, Caracas parece sugerir que venezuelanos estariam sob jugo de uma Guiana ocupante


Folha de S. Paulo, 6 dezembro 2023

Lucas Carlos Lima

Professor de direito internacional na UFMG, é coordenador do Grupo de Pesquisa em Cortes e Tribunais Internacionais CNPq/UFMG


Estados soberanos não raramente projetam as suas políticas externas jurídicas em diferentes frentes de argumentação com a finalidade de atingir seus objetivos.

Se alguns alegam que o plebiscito aplicado pela Venezuela em 3 de dezembro em relação à região de Essequibo é uma medida que visa a acumular vantagens internas num contexto eleitoral complexo, pode-se também analisá-lo no contexto de uma batalha judicial internacional pela soberania sobre um território.

Nesse segundo sentido, o plebiscito pode ser instrumentalizado para justificar e legitimar as teses venezuelanas em relação ao conflito territorial.

A reivindicação da Venezuela sobre a região do Essequibo é antiga e desde os anos 1960 serve de objeto a uma controvérsia com a Guiana e o Reino Unido —antiga potência colonial do território.

Em suma, a fronteira entre Venezuela e Guiana foi determinada por uma arbitragem interestatal de 1899 conduzida por cinco juristas. O laudo, que designou a região de Essequibo como parte do território da Guiana Britânica à época, é atacado pela Venezuela, dentre outros motivos, pela acusação de suposto conluio e corrupção dos árbitros. Ao contestar o laudo, a Venezuela impugna o título jurídico que garante à Guiana a soberania sobre o território de Essequibo.

Após anos de mediação e trocas de acusações, os Acordos de Genebra de 1966 entre as três partes deram poder ao secretário-geral da ONU para mediar a questão. Após uma nova e fracassada tentativa de mediação, António Guterres reconheceu a competência da Corte Internacional de Justiça, a Corte de Haia, para dirimir a questão. Em 2018, a Guiana recorreu à Corte tendo em vista uma declaração de validade do laudo arbitral de 1899.

Em 2020, a Corte da Haia reconheceu a sua própria competência e, neste ano, rechaçou a defesa processual venezuelana de que o Reino Unido precisaria ser parte no processo graças à sua implicação na disputa. Quase que imediatamente após esse revés judicial, Caracas decidiu convocar o plebiscito que consulta a população sobre as posições de política externa do Estado venezuelano em relação a Essequibo –exigindo da população um conhecimento aprofundado da disputa e do direito internacional.

A Guiana tentou impedir o plebiscito perante a Corte Internacional de Justiça com um pedido de decisão cautelar. Contudo, a Corte apenas expressou que a Venezuela "deverá se abster de tomar qualquer medida que possa modificar a situação que prevalece atualmente no território em disputa" controlado pela Guiana.

Seria surpreendente se a Corte de Haia, em sede cautelar, interviesse em consultas democráticas de um Estado. Contudo, a lição do tribunal é especialmente importante para os rumores de uma suposta invasão militar.

Nesse sentido, pode-se questionar: qual é o sentido do plebiscito como ato jurídico internacional? Antes de responder a essa questão, alguns argumentos jurídicos não podem deixar de ser delineados.

Primeiro, nenhum plebiscito autoriza o uso da força nas relações internacionais. Desde 1945, a anexação territorial pelo uso da força é proibida pelo direito internacional, e os Estados possuem o dever de não reconhecer a situação fática.

Segundo, existe uma obrigação a partir da Carta da ONU que os Estados têm o dever de resolver suas controvérsias pacificamente, o que está em sintonia com a tradição latino-americana e também brasileira de política jurídica internacional.

Terceiro, a decisão da Corte, embora não tenha impedido o plebiscito, garantiu que qualquer ato de mudança de status do território (pelo uso da força ou não) se configuraria como uma interferência na decisão judicial final.

Em outras palavras, tanto a manifestação da Corte quanto as demais regras do direito internacional seriam violadas em caso de uso da força por parte da Venezuela em Essequibo.

Se o plebiscito não possui poderes para outorgar o título do território da Guiana à Venezuela, a qual finalidade ele serve? Ignorados os efeitos internos, revela o uso estratégico do princípio da autodeterminação dos povos.

Como enunciado no direito internacional, "todos os povos têm direito à autodeterminação; em virtude desse direito, eles determinam livremente seu status político e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural".

Ou seja, por meio do princípio, e sobretudo por meio da política de concessão de cidadania venezuelana aos habitantes de Essequibo, Caracas parece sugerir que os povos da região estariam sob o jugo de uma potência ocupante (a Guiana). Há obviamente problemas nessa tese.

Enquanto a Corte Internacional de Justiça não decide o mérito do caso, ou seja, se o laudo arbitral de 1899 é nulo ou não, a Venezuela aparenta estar interessada em perseguir outras estratégias jurídicas para garantir algum tipo de titularidade à região do Essequibo.

Diante desse contexto, evitar a escalada das tensões e trazer as partes à mesa de negociação parece o caminho mais indicado tanto para o Brasil quanto para outros Estados, direta ou indiretamente envolvidos, para impedir violações ao direito internacional.


terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Nossos boizinhos espalhados não são culpados pelas emissões de carbono, diz novo estudo (Folha de S. Paulo)

 Emissão de gases pela pecuária é menor que o divulgado, diz estudo

Folha de S. Paulo, 5/12/2023

Há problemas, mas os diversos sistemas devem ser avaliados de formas diferentes

É o que mostram estudos de cientistas e de universidades que se debruçam sobre o tema. Esses relatórios influenciaram a elaboração de políticas, principalmente na União Europeia, tiveram ampla divulgação e moldam o comportamento de parte dos consumidores.

Como essas ações afetam diretamente os pecuaristas das Américas, o IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura) desenvolveu uma agenda para avaliar problemas sensíveis entre pecuária e meio ambiente.

Nem tudo está resolvido e ainda há muito para ser feito, mas os métodos de aferição da emissão provocada pela pecuária estão equivocados, segundo estudo do cientista Ernesto Viglizzo.

Denominado "Pecuária Bovina e Mudanças Climáticas nas Américas", o estudo foi apresentado no domingo (3) na Casa da Agricultura Sustentável, espaço montado pelo IICA na COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Para Viglizzo, pesquisador sobre pecuária e mudanças climáticas, os estudos que definem a participação da pecuária na emissão de gás carbônico estão, na verdade, atribuindo ao setor emissões de outras atividades que vêm no pós-porteira, como transporte, processo industrial e distribuição.

Na avaliação dele, apenas as emissões relacionadas às atividades de produção da pecuária deveriam ser computadas para ela.

Manuel Otero, diretor-geral do IICA e que participou da apresentação do estudo, afirmou que a pecuária vem passando por importantes avanços na busca de redução dos impactos no solo, na conservação de água e na queda das emissões de carbono. "Temos que demonstrar isso nos foros internacionais, e é o que estamos fazendo", afirmou.

Para Viglizzo, se fossem computadas ao gado apenas as suas emissões biogênicas (o metano e o óxido nitroso, produtos da fermentação entérica), a emissão global de carbono ficaria abaixo de 5%.

O cientista afirma que os métodos de avaliação atuais permitem determinar os produtores que geram créditos de carbono, os que são neutros e os que emitem. É preciso valorizar os primeiros, que são parte da solução, afirma. Ele propõe que o crédito capturado na pecuária se transforme em uma commodity comercial.

A aferição da pecuária não deveria ser por tonelada de carne produzida por hectare, mas por balanço de carbono gerado na terra utilizada, segundo o cientista.

Renata Miranda, secretária de Inovação do Ministério da Agricultura brasileiro, que também participou das discussões na apresentação do estudo em Dubai, diz que não se pode fazer uma comparação da produção pecuária intensiva, como a da Europa, de onde surgem os estudos, com a extensiva, como a do Brasil.

Na pecuária intensiva do hemisfério Norte, há uma concentração de animais e, consequentemente, uma emissão maior de gás carbônico por hectare.

Na extensiva, há vários fatores que vão equilibrando o sistema e capturando carbono por meio da própria pastagem e da integração de culturas como lavoura, floresta e pecuária. Não faz sentido contabilizar o sistema de pecuária europeu com o nosso, afirma a secretária.

Para Viglizzo, não se trata de isentar a pecuária de seus efeitos negativos, mas outros setores sociais e econômicos geram impactos negativos ainda maiores sem uma compensação produtiva. A pecuária é chave para regiões pouco desenvolvidas, gera renda para os produtores e é uma fonte de alimentação.

Mas nem tudo está resolvido. Miranda diz que ainda há muito para ser feito para que a pecuária reduza o efeito estufa. É necessária uma eficiência produtiva. O Brasil, maior exportador mundial de carne bovina, tem poucos animais por hectare.

É preciso melhorar a pastagem e aprimorar a genética dos animais. Com isso, haverá uma redução de animais e uma produção maior de carne. Essa eficiência produtiva gera uma maior eficiência climática, afirma.

É preciso acelerar o processo de engorda e de diminuição do gado no pasto. Ganham os produtores, que terão menos gastos, e o clima, devido à emissão menor de carbono.

A União Europeia faz ameaças de restrições e penalização comercial, mas as Américas são um conjunto heterogêneo de países, os quais implementam sistemas diferentes de produção de carne bovina.

O estudo de Viglizzo mostra que a pecuária extensiva pode capturar de 0,25 a 0,63 tonelada de carbono por hectare por ano. Já a pecuária intensiva, um método muito utilizado no hemisfério Norte, tem um balanço negativo de até 6,5 toneladas de carbono por hectare. Segundo o estudo, cada sistema deve ser olhado de uma maneira.

Essas diferenças de sistemas devem ser levadas em consideração no momento da aplicação de penalizações ou restrições comerciais. Nas duas últimas décadas, vários estudos acadêmicos e científicos se tornaram eco do impacto supostamente negativo da pecuária, mas essa visão omite seletivamente a consideração de outros papéis e funções sociais que os sistemas de produção bovina desempenham no meio ambiente e nos ecossistemas, afirma o pesquisador.

Quanto ao desmatamento de florestas nativas, existe uma correlação entre pecuária e desmatamento no Brasil, no Paraguai e na Colômbia. Em alguns países, porém, o desmatamento está associado a outras atividades, inclusive à produção de soja, aponta o estudo.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/vaivem/2023/12/emissao-de-gases-pela-pecuaria-e-menor-que-o-divulgado-diz-estudo.shtml

domingo, 3 de dezembro de 2023

Alberto da Costa e Silva ingressou no Itamaraty, para vingar-se de Rio Branco, que vetava os feios no serviço diplomático - Alvaro Costa e Silva (FSP)

No país dos macaquitos e dos barões

Alberto da Costa e Silva foi diplomata para desforrar-se de Rio Branco, que barrava os feios


Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Folha de S. Paulo, 1/12/2023

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/alvaro-costa-e-silva/2023/12/no-pais-dos-macaquitos-e-dos-baroes.shtml

No seu livro "Balão Cativo", Pedro Nava conta que nos tempos de Rio Branco não havia concurso para ingressar na "carrière". Era ele próprio, o barão, quem dava a palavra final na escolha dos futuros diplomatas, em geral pessoas de família influente e bem-apresentadas. O poeta Antônio Francisco da Costa e Silva, apesar de candidato dos mais qualificados, não deu nem para a saída.

 Na descrição de Nava, a face de Da Costa e Silva "parecia um bolo de miolo de pão com os furos dos olhos, das ventas e da boca". Depois de almoçar com Rio Branco, ele ouviu a sentença antes da sobremesa: "Até gosto dos seus versos e aprecio seu talento. Contra sua pretensão o que está é seu físico. Eu só deixo entrar na carreira homens de talento que sejam também belos homens. A diplomacia exige isso. Desejo-lhe boa sorte em tudo. Agora, no Itamaraty, não! O senhor aqui não entra".

O historiador e africanista Alberto da Costa e Silva, filho do poeta tão rudemente preterido, tornou-se diplomata para tirar uma desforra do barão. Numa entrevista, ele me contou mais detalhes da história familiar: "Nascido no Piauí, meu pai era um mestiço indefinido. Rio Branco primeiro o elogiou, o considerou inteligente, preparado ao extremo, bom conversador em francês, conhecedor de inglês, alemão e espanhol. Depois foi cruel, ao dizer na cara de meu pai que ele era feio e que, lá fora, já chamavam o Brasil de país dos macaquitos".

Alberto morreu no domingo (26), aos 92 anos. Ainda me lembro da sua voz emocionada ao relatar o episódio. Perguntei se Da Costa e Silva era realmente feio. "Ele tinha mãos bonitas. De perfil, era um homem passável".

Com sua produção historiográfica, Alberto da Costa e Silva explicou, como ninguém antes dele, a importância da África e da diáspora africana para que possamos entender um certo país do outro lado do Atlântico, que continua tão exclusivista como nos tempos do barão.