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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 3 de dezembro de 2023

Alberto da Costa e Silva ingressou no Itamaraty, para vingar-se de Rio Branco, que vetava os feios no serviço diplomático - Alvaro Costa e Silva (FSP)

No país dos macaquitos e dos barões

Alberto da Costa e Silva foi diplomata para desforrar-se de Rio Branco, que barrava os feios


Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Folha de S. Paulo, 1/12/2023

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/alvaro-costa-e-silva/2023/12/no-pais-dos-macaquitos-e-dos-baroes.shtml

No seu livro "Balão Cativo", Pedro Nava conta que nos tempos de Rio Branco não havia concurso para ingressar na "carrière". Era ele próprio, o barão, quem dava a palavra final na escolha dos futuros diplomatas, em geral pessoas de família influente e bem-apresentadas. O poeta Antônio Francisco da Costa e Silva, apesar de candidato dos mais qualificados, não deu nem para a saída.

 Na descrição de Nava, a face de Da Costa e Silva "parecia um bolo de miolo de pão com os furos dos olhos, das ventas e da boca". Depois de almoçar com Rio Branco, ele ouviu a sentença antes da sobremesa: "Até gosto dos seus versos e aprecio seu talento. Contra sua pretensão o que está é seu físico. Eu só deixo entrar na carreira homens de talento que sejam também belos homens. A diplomacia exige isso. Desejo-lhe boa sorte em tudo. Agora, no Itamaraty, não! O senhor aqui não entra".

O historiador e africanista Alberto da Costa e Silva, filho do poeta tão rudemente preterido, tornou-se diplomata para tirar uma desforra do barão. Numa entrevista, ele me contou mais detalhes da história familiar: "Nascido no Piauí, meu pai era um mestiço indefinido. Rio Branco primeiro o elogiou, o considerou inteligente, preparado ao extremo, bom conversador em francês, conhecedor de inglês, alemão e espanhol. Depois foi cruel, ao dizer na cara de meu pai que ele era feio e que, lá fora, já chamavam o Brasil de país dos macaquitos".

Alberto morreu no domingo (26), aos 92 anos. Ainda me lembro da sua voz emocionada ao relatar o episódio. Perguntei se Da Costa e Silva era realmente feio. "Ele tinha mãos bonitas. De perfil, era um homem passável".

Com sua produção historiográfica, Alberto da Costa e Silva explicou, como ninguém antes dele, a importância da África e da diáspora africana para que possamos entender um certo país do outro lado do Atlântico, que continua tão exclusivista como nos tempos do barão.

terça-feira, 5 de outubro de 2021

A sombra do conservadorismo brasileiro: Rio Branco e Joaquim Nabuco - entrevista a Alex Catharino - Paulo Roberto de Almeida

 A sombra do conservadorismo brasileiro: 

Rio Branco e Joaquim Nabuco  



 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Questões para debate com o prof. Alex Catharino na série “Diálogos sobre a Mentalidade Conservadora:”, dia 4/10/2021, 21hs, via Instagram (link: https://www.instagram.com/p/CUoU3kooSlF/).

 

 

1) Quem é Paulo Roberto de Almeida? Desejo que o embaixador se apresente para a nossa audiência, falando um pouco, de modo resumido, tanto de sua formação acadêmica e de suas atividades profissionais como diplomata e como professor quanto das atividades de pesquisa que vem desenvolvendo ao longo dos últimos anos.

 

PRA: Rato de biblioteca desde a alfabetização tardia, aos 7 anos, mas politização precoce, com o golpe de 1964; comecei a ler marxismo com 15 ou 16 anos, fiz leituras da bibliografia universitária antes de ingressar na universidade; professor de cursinho preparatório para vestibular; minha família queria que eu fizesse Direito, mas eu pretendia fazer Sociologia, que como dizia Mário de Andrade é a arte de fazer revolução; em outubro de 1968, fiz meu vestibular para Ciências Sociais da USP quando estavam queimando a Faculdade, na famosa batalha da rua Maria Antônia, entre os direitistas do Mackenzie e os esquerdistas da Fefelech; em 1969, fui da primeira turma dos barracões da Cidade Universitária, num momento em que eu já estava ligado aos movimentos de esquerda de resistência contra a ditadura, e fazendo serviço militar ao mesmo tempo; foi um tempo de muita leitura: como eu servia na maior parte do tempo como cabo telefonista na Vila Militar, naquelas centrais americanas antigas da Segunda Guerra Mundial – enfia cabo aqui, outro ali, para as ligações dos oficiais para suas mulheres – e eu tinha todo o tempo para ler minha literatura subversiva. Ocorre, porém, que eu fugia dos plantões para ir à Faculdade, o que evidentemente eu não revelava ao comandante do Grupo de Artilharia Antiaérea de Barueri, SP, um, coronel hidrófobo, anticomunista até a raiz dos cabelos; sem responder a uma chamada acabei pegando um mês de detenção no quartel, o que me deu ainda mais tempo de leituras. Mas, a situação se complicava: o meu quartel invadia a minha Universidade, e em maio de 1969, os principais professores do curso foram cassados pelo AI-5: Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni; sobraram o Francisco Weffort e a Marialice Mencharini Foracchi, poucos outros; aquilo diminuiu meu interesse pelo curso.

Naquele mesmo ano prenderam alguns colegas do curso, inclusive alguns que seriam até colegas de resistência ao regime, como o Frei Tito. Resolvi então sair do Brasil, já no segundo ano do curso, pois acreditei que poderia ser preso. Saí apenas em 1970, com destino ao socialismo, para tentar continuar os estudos de Ciências Sociais. Fiquei três meses em Praga, onde havia uma universidade para estudantes do Terceiro Mundo. Nos três meses que passei em Praga, visitei a casa de Franz Kafka e li O Processo, numa edição em espanhol da Casa de las Américas, cubana. Achei bastante igual ao que via, ou seja, tudo uma porcaria e resolvi sair: saí do socialismo surreal e fui para o capitalismo ideal, na Bélgica, onde passei a trabalhar e me inscrevi novamente no primeiro ano de Ciências Sociais da Universidade de Bruxelas. Fazia um pouco de tudo: trabalhos manuais, claro, e passava o meu tempo na biblioteca do Instituto de Sociologia. Terminei a graduação em 1975, comecei imediatamente o mestrado em economia na Universidade de Antuérpia e em 1976 já estava me inscrevendo para o doutoramento, um projeto de tese em torno do magnum opus de mestre da Escola Paulista de Sociologia, Florestan Fernandes, A Revolução Burguesa no Brasil. Mas, larguei no começo de 1977, para voltar ao Brasil, acreditando nas promessas de abertura do Geisel: pouco depois que cheguei veio o Pacote de Abril. 

Como eu tinha passado quase todo o tempo na Europa escrevendo contra a ditadura, embora com outro nome, resolvi inscrever-me para um concurso direto do Itamaraty, para testar minha ficha no SNI: passei e entrei na carreira diplomática no final do 1977. Mas já em 1978, eu estava sendo fichado no SNI como “diplomata subversivo”, por ter participado da campanha presidencial do general Euler Bentes Monteiro, opositor do general João Batista Figueiredo nas eleições indiretas do Colégio Eleitoral. Casei-me no final do ano, com uma economista que sempre leu muito mais do que eu, Carmen Lícia, e já em 1979 estávamos voltando à Europa para o meu primeiro posto no exterior: Berna, na Suíça. Nasceu nosso filho em 1980 e logo depois e retomei meu doutoramento interrompido em 1977. À volta, em 1985, justo para a Nova República, retomei o trabalho acadêmico e depois comecei a dar aulas de Sociologia Política no Instituto Rio Branco e no mestrado da UnB. Foi por pouco tempo, pois em 1987, já estava de volta à Suíça, desta vez em Genebra, onde trabalhei com o embaixador Ricupero na nossa delegação junto a diversos organismos internacionais. 

Desde então, fiz basicamente postos em temas de relações econômicas internacionais, em Montevidéu sobre integração, no nascimento do Mercosul, depois em Paris, onde cobri o Clube de Paris e a OCDE, e depois em Washington, instituições de Bretton Woods. Na volta a Brasília, em 2003, enfrentei um veto virtual dos companheiros do PT, o que me deixou sem qualquer cargo na Secretaria de Estado durante os treze anos e meio do reinado lulopetista. Aproveitei para ler bastante na Biblioteca do Itamaraty, escrever livros, tive uma missão provisória em Xangai, em 2010, quando viajamos bastante pela China, e fui dar aulas em Paris, em 2012. Na volta, ainda sem cargos no Itamaraty, aceitei um consulado nos Estados Unidos, de 2013 a 2015, mas também voltei sem cargo: só depois do impeachment da Dilma que me tornei diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão, onde durante dois anos e meio conduzi uma das fases mais ativas do IPRI, com muitas publicações e eventos. Felizmente, fui exonerado ao início do presente desgoverno, o que me aliviou bastante, pois eu me sentiria muito mal tendo de servir àqueles a quem eu chamo de novos bárbaros. Eis em resumo minha trajetória.

 

2) Essa nossa live de hoje dá sequência a uma série de debates que venho tendo semanalmente, desde 16 de agosto, com diferentes convidados acerca da evolução do pensamento conservador brasileiro, ressaltando muito da base liberal de alguns pensadores e estadistas. As duas figuras que iremos abordar hoje, o Barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco, tiveram uma maior atuação no início da República, mas foram forjadas durante o Império. Desejo ouvir um pouco de sua percepção tanto acerca desse contexto monárquico na formação, quanto da tradição diplomática brasileira no Império, da qual ambos, ao lado de Ruy Barbosa, se tornam grandes herdeiros.

 

PRA: O Brasil é um grande país, em território e população, e até pelo seu PIB, embora em termos per capita ele fique muito atrás de onde deveria estar, se tudo fosse proporcional ao seu peso bruto. Mas, pode-se dizer que o nosso PIB diplomático sempre foi bem maior do que o valor agregado da economia, só perdendo para o PIB futebolístico – um pouco em regressão, também – e para o PIB musical, sobretudo a partir da Bossa Nova. É impossível percorrer qualquer shopping do mundo, qualquer loja de departamento sofisticada nas grandes capitais do mundo sem ouvir Tom Jobim. Tem também as meninas da moda, e aí não tem diplomacia que faça sombra, mas sempre fomos muito respeitados na diplomacia. Podemos descontar a presente triste descida à condição de pária mundial, que vai passar, sem deixar muitos traços no nosso itinerário diplomático.

Devemos a suposta excelência da diplomacia brasileira à boa diplomacia portuguesa, para cá transplantada na vinda da Corte e que deixou um bom legado entre nós. Nosso primeiro chanceler, José Bonifácio, havia passado trinta anos na Europa, e desempenhado altos cargos na metrópole, enquanto D. João estava no Rio de Janeiro. Ao voltar, foi o primeiro brasileiro a ser ministro num gabinete português, ainda sob a regência do príncipe Pedro, e já desenhou as bases da diplomacia brasileira. Nas Regências e no Segundo Reinado aperfeiçoamos aquele legado, com grandes nomes: Alves Branco, o liberal conservador da nova tarifa brasileira, em 1844; Honório Hermeto Carneiro Leão, visconde do Paraná, fino diplomata; Paulino José Soares de Sousa, visconde do Uruguai, chanceler duas vezes e autor de importante obra de Direito Administrativo; José Maria da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco, e vários outros. O Visconde do Rio Branco foi o chefe de gabinete mais longevo do Segundo Império, e promoveu a Lei do Ventre Livre 150 anos atrás, em 1871. O jovem Paranhos Júnior tinha acompanhado o pai na sua famosa missão no Prata, que antecedeu à guerra do Paraguai, e ali adquiriu algumas lições de diplomacia que ficaram marcadas em seu itinerário futuro, ainda que durante mais de vinte anos ele tenha sido apenas cônsul e não diplomata, que até os anos 1930 eram duas carreiras separadas. Mas foi cônsul em Liverpool, o mais movimentado porto da Grã-Bretanha, para o comércio com o Brasil e para o mundo, onde os emolumentos consulares lhe permitiam instalar a família em Paris e lá passar longas temporadas de estudo e pesquisas em velhos mapas. 

Joaquim Nabuco, quatro anos mais jovem, também estudou Direito, como Paranhos Jr. em Recife e São Paulo, e como ele também parecia destinado a seguir a respeitável carreira política dos respectivos pais, no caso de Nabuco, o deputado, ministro e conselheiro liberal do Império José Thomaz Nabuco de Araújo. Ambos tiveram cargos de deputados, mas de apenas um mandato, ambos viajaram pela Europa, apreciando os faustos dos regimes monárquicos e de um regime republicano nascente, o da França derrotada por Bismark em Sedan. Quando Paranhos Jr. foi para Liverpool, Nabuco conseguiu o cargo de attaché em Washington, mas passava a maior parte do tempo em Nova York. Mas logo em seguida foi transferido para Londres, onde reinava absoluto na legação do Brasil o eterno Barão do Penedo, que fazia grandes recepções, graças às comissões que percebia dos empréstimos feitos à Casa Rothschild.  Nabuco adorava Londres e ali se sentia como se tivesse sido transportado à Roma imperial, entre os séculos II e IV, como escreveu em seus Diários. Dos Estados Unidos ele tinha retido impressões de mau gosto e vulgaridade, e provavelmente não tinha lido ainda Tocqueville quando ali morou de 1876 a 1877. Mas ele ficou pouco tempo em Londres, porque voltou ao Brasil por causa da morte de seu pai. 

Eleito deputado, de um só mandado, apresentou em 1880 um projeto de abolição em dez anos, com indenização aos proprietários, mas seu proselitismo abolicionista descontentou os líderes liberais, mais escravistas do que os conservadores, o que lhe custou um segundo mandato. Partiu para Londres novamente em 1882, como correspondente de jornais, e ali redigiu o que é uma obra seminal da sociologia brasileira, O Abolicionismo. De volta ao Brasil em 1884 ainda tentou ser deputado por Pernambuco, mas por duas vezes foi expurgado pela maioria dos escravocratas e novamente pelo golpe militar da República. Ele e Rio Branco, elevado a Barão em 1888, foram, junto com o chefe do último gabinete do Império, João Alfredo Correia de Oliveira, os náufragos da monarquia, como escreveu Luiz Viana, biógrafo dos dois amigos diplomatas. Nabuco começa então uma longa década de ostracismo, durante a qual vai se dedicar à biografia de seu pai, que é uma verdadeira história do Império.

Rio Branco, ainda como cônsul, é alçado à condição de diplomata apenas para servir às duas missões em defesa das fronteiras do Brasil, nos casos de Palmas, com arbitragem do presidente americano, quando então se desloca para Washington, e do Oiapoque, sob a arbitragem do presidente da Suíça, quando toma residência em Berna. Apenas no final da década que ele assume seu primeiro posto diplomático, como ministro em Berlim. Nabuco, por sua vez, foi convidado, em 1899, pelo presidente Campos Salles para defender o caso do Brasil no caso da Guiana Britânica, sendo em 1891 designado ministro na legação em Londres, ao mesmo tempo em que enviado especial junto ao rei da Itália, que deveria ser o árbitro nessa questão. Dedicou dois intensos anos à preparação da defesa do direito do Brasil, apenas para ser frustrado pela decisão pró-britânica adotada pelo rei Vittorio Emanuelle. Tem início ali sua decepção com os imperialismos europeus e o início de sua aproximação ao pan-americanismo dos Estados Unidos. 

 

3) José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco é o patrono da diplomacia brasileira e um dos vultos históricos mais importantes da história pátria. O historiador mineiro João Camilo de Oliveira Torres denomina o período entre 1902 e 1912, desde a presidência de Rodrigues Alves até a de Hermes da Fonseca de "Regência Rio Branco", pois os governos mudavam e o diplomata a frente da pasta das relações exteriores continuava a atuar como uma espécie de poder moderador. Peço que fales um pouco da vida e da atuação do Barão de Rio Branco, destacando não apenas a importância desse ex-parlamentar conservador, durante o Império, para as relações internacionais, mas, também, o legado dele para a nossa política interna.

 

PRA: De fato, o grande historiador João Camilo de Oliveira Torres começa seu itinerário intelectual como um liberal, o que está expresso em A Democracia Coroada (de 1952), mas logo em seguida se converte em conservador esclarecido, ao contemplar a obra do Regresso, que ele considera “talvez a época mais importante do Brasil”. Ele admirava a obra de Paulino, sobre a teoria da centralização exposta em seus livros, sem a qual, diz ele, não haveria Império, nem haveria Brasil. Nos Construtores do Império (1968), Oliveira Torres discute “certos paradoxos da política conservadora – o conservadorismo liberal de um Rio Branco, o liberalismo conservador de Ouro Preto e Alves Branco, a Abolição como obra conservadora.” (p. xvi). Considera que o ponto alto do republicanismo no Brasil é, de fato, um resultado do Partido Conservador, como o governo de Rodrigues Alves e a política diplomática do Barão do Rio Branco, “conscientemente na linha paterna e imperial” (idem).

Como diz Oliveira Torres, ao contrário dos Liberais, os saquaremas “eram homens que viviam a realidade concreta do país em que estavam, não do país em que gostariam de estar” (p. xv). Ele chega a citar Russell Kirk, com base na edição de 1953 de Conservative Mind, destacando os elementos relevantes do conservadorismo: reconhecimento da legitimidade da existência de classes e hierarquias sociais, a convicção de que propriedade e liberdade estão intimamente ligadas, o tradicionalismo, a distinção entre mudança e reforma, ou entre revolução e reforma (p. 1 dos Construtores do Império). O conservadorismo estima que as mudanças sociais, para serem justas e válidas, não podem quebrar a continuidade entre o passado e o futuro. Pode-se reformar, por meio de uma cautelosa adaptação do existente às novas condições, mas não empreender o estabelecimento de algo radicalmente novo (p. 2) Conservadores não são nem imobilistas, nem reacionários, mas tampouco são progressistas, que tendem a renegar o passado, algo que os conservadores reconhecem como válido e importante. O conservador considera que se pode conservar reformando, uma vez que as reformas, em si mesmas, são necessárias, mas não convém precipitá-las.

Oliveira Torres ainda destaca o que opunha liberais e conservadores, os primeiros federalistas, inimigos do Poder Moderador e do Senado Vitalício, nomeado pelo Imperador, os segundos unitários, apoiadores da figura do monarca, como representante da nação. O pai de Quincas, Senador Nabuco de Araújo, resumia o sentido dos gabinetes do Império, na segunda fase da trajetória eleitoral do regime monárquico: “O Poder Moderador pode chamar a quem quiser para organizar ministérios: esta pessoa faz a eleição, porque há de fazê-la e esta eleição faz a maioria” (p. 18 dos Construtores do Império). Nisso se confirmava a frase: “Nada tão parecido a um ‘saquarema’ como um ‘luzia’ no poder” (idem, p. 33).

Rio Branco era um conservador por instinto, nos grandes princípios defendidos pelo Partido Conservador desde as Regências: a unidade do Império, a figura do imperador como símbolo da nação, a defesa da ordem, contra as tendências federalistas dos liberais, o que poderia ameaçar a integridade da nação. Para reforçar suas preferências, cabe registrar que os liberais ingleses eram mais colonialistas e imperialistas do que os conservadores, numa época em que todas as potências europeias estavam fazendo a partilha da África, conquistando partes da Ásia e mantendo a mesma atitude arrogante vis-à-vis os países da América Latina. Daí a sua busca de uma postura de equilíbrio entre os imperialismos dos dois lados do Atlântico Norte, quando ele assume a chancelaria, a convite de Rodrigues Alves, inaugurando sucessivos mandatos à frente da chancelaria que o mantiveram sob quatro presidentes sucessivos. Foi Rio Branco que converte Nabuco no primeiro embaixador do Brasil, ao designá-lo para servir em Washington em 1905, onde ele viverá seus cinco últimos anos. 

Enquanto conservador, Rio Branco, na verdade, foi mais pragmático do que doutrinal, pois que ele se guiou, basicamente, pela mesma lição que lhe tinha sido ensinada pelo seu pai, e que vai repetir, praticamente ipsis litteris, em seu primeiro discurso no Brasil, quando vai ao Clube Naval logo que desembarcou no Rio em dezembro de 1902: não vim servir a partidos, e sim ao Brasil. Seu primeiro e complicado caso foi o da invasão de seringueiros brasileiros ao território da Bolívia, para o qual ele abandonou qualquer recurso à arbitragem – como aliás faria para todos os demais casos de negociações de limites –, preferindo negociar diretamente com o governo boliviano a cessão, via compra, do território do Acre. Rui Barbosa foi convidado a integrar a delegação do Brasil, mas logo se dissociou, pois não concordava nem com a compra, nem com a cessão de pequeno pedaço do território do Brasil aos bolivianos, para viabilizar o acesso da Bolívia à saída para o mar, via ferrovia, a ser construída pelo Brasil, e depois navegação no Madeira-Mamoré. O custo do pagamento feito à Bolívia foi coberto, segundo o embaixador Ricupero, em menos de dois anos de exportação da valiosa borracha, no seguimento do Tratado de Petrópolis de 1903. 

Rio Branco e Nabuco voltaram a cooperar na Terceira Conferência Americana, realizada no Rio de Janeiro em 1906. A primeira tinha sido realizada em Washington, no final de 1889 até o início de 1890, quando o Brasil justamente passa da monarquia para a República. James Blaine, o Secretário de Estado do nascente império do livre comércio e dos investimentos no hemisfério, com o objetivo algo utópico de realizar uma união aduaneira continental, um projeto ainda mais ambicioso, naquelas circunstâncias, do que o da Alca, proposto em 1994 por Bill Clinton e implodido dez anos depois pelo trio de populistas de esquerda, Chávez, Kirchner e Lula. A Terceira Conferência, já no contexto do Corolário Roosevelt à doutrina Monroe, opõe ainda mais expressamente a visão da responsabilidade dos Estados na condução das suas relações com os credores privados e os partidários da soberania absoluta dos países latino-americanos na questão das dívidas públicas, questão que também será retomada na Segunda Conferência da Paz da Haia, em 1907, simbolizada pelo confronto entre a Doutrina Drago, do nome do chanceler argentino, e a doutrina Porter, o americano, que pretendia que os Estados assumissem sua responsabilidade nessa área. Na Haia, Rio Branco fez uma perfeita dobradinha com Rui Barbosa, o chefe da delegação, que nunca hesitou em se confrontar às grandes potências em questões que ele considerava como sendo a defesa da igualdade soberana das nações, uma das bases da nossa diplomacia e do próprio multilateralismo contemporâneo. Rui Barbosa retornou triunfante da Haia, e ainda fez mais uma missão diplomática nos 100 anos da independência argentina, em 1916.

 

4) Joaquim Nabuco foi um parlamentar liberal durante o Império, sendo o grande tribuno da causa abolicionista. Durante os primeiros anos do regime republicano assumiu uma postura mais conservadora, tendo sido um defensor da monarquia e um crítico da República, tanto do militarismo, especialmente de Floriano Peixoto, quanto das práticas oligárquicas vigentes. Por fim, em uma terceira fase, como diplomata nos Estados Unidos se tornou um dos precursores do pan-americanismo. Desejo que fales um pouco sobre a vida, a obra e a atuação prática desse grande escritor e estadista brasileiro.

 

PRA: Nabuco se considerava liberal, mas o fato é que os liberais, a despeito de teoricamente abolicionistas, sempre foram mais escravagistas do que os conservadores, que realizaram todas as medidas abolicionistas do Segundo Reinado: a extinção do tráfico em 1850, a Lei do Ventre Livre, por Paranhos pai, em 1871, a lei dos Sexagenários, por Cotegipe, em 1885, que descontentou Nabuco, por considera-la insuficiente, ademais da própria abolição, pelo gabinete João Alfredo, em 1888, o último do Império, outro náufrago da monarquia. Depois da Abolição, Nabuco escrevia em seu Diário que se opunha a João Alfredo por outras razões que não o abolicionismo, e já não se identificava com qualquer partido, pois todos eles lhe pareciam igualmente plutocráticos. “Eu hoje luto por ideias e não por partidos. Nas ideias sou intransigente; quanto aos partidos não mais presto mais a galvanizá-los. Estão mortos e bem mortos.” (p. 249 do vol. 1 dos Diários, 2005). De fato, sua oposição a João Alfredo se devia à criação dos bancos hipotecários, que Nabuco considerava uma forma disfarçada de indenizar os antigos escravocratas. Confirmando seu caráter de liberal social, escreveu numa carta a um amigo pernambucano em julho de 1888 o seguinte: 

Os partidos esmagam o povo. Ambos eles são exploradores e, mas começa, o republicano já está adorando o Bezerro de Ouro. Eu me oponho aos bancos [hipotecários] porque quero a pequena propriedade, a dignidade do lavrador, do morador, do liberto – a formação do povo que está ainda abaixo do nível dos partidos. Não considero o interesse de nenhum partido, mas somente do povo, que nada pode fazer por si porque ainda nem sequer balbucia a linguagem de seus direitos. (p. 250).

 

Os três momentos altos da vida e da carreira de Joaquim Nabuco foram: (1) sua preeminência na campanha abolicionista, frustrada na prática (pois que seu projeto de 1880 de abolição em dez anos com compensação aos proprietários foi vencida pela Lei de 13 de maio de 1888, abolição imediata sem compensações), mas parcialmente vencedor no espírito, ainda que seus objetivos complementares, reforma agrária e educação para todos os pobres jamais tenham sido levados adiante; (2) a defesa do direito do Brasil na arbitragem dos limites com a Guiana inglesa, perfeita no papel, mas novamente frustrada, já que o rei Vittorio Emanuelle, em 1904, não quis “descontentar a Inglaterra”, ao dividir o território em dois, nisso contrariando os membros da comissão italiana que davam inteiro ganho ao Brasil; (3) sua adesão ao monroismo e ao pan-americanismo, ao se tornar embaixador (o primeiro do Brasil) em Washington, quando prega uma aliança quase total com os Estados Unidos, na Terceira Conferência Americana, realizada no Rio de Janeiro em 1906 (quando se constrói o Palácio Monroe, depois sede do Senado), postura que recebe apoio contido de Rio Branco, sempre desconfiado dos grandes impérios, e a oposição aberta de Oliveira Lima, que rompe com o amigo, em vista justamente dessa adesão ao império expansionista, numa fase de “Corolário Roosevelt” à doutrina Monroe, pregando uma espécie de missão policialesca dos Estados Unidos sobre países latinos recalcitrantes em suas obrigações financeiras. 

Os momentos altos de sua obra literária também são três: (1) o livro O Abolicionismo, novamente, que é um verdadeiro tratado sociológico e histórico do papel do escravo na formação do Brasil, e na injustiça feita pelo regime monárquico ao preservar a escravidão; (2) os três volumes originais de Um Estadista do Império, a história da carreira de seu pai que é, ao mesmo tempo, uma história do Segundo Reinado (e que depois vai dar inspiração a Afonso Arinos de Melo Franco para fazer obra similar em homenagem a seu pai Afrânio, em Um Estadista da República (1955); e (3) sua biografia Minha Formação (de 1900), na qual relata que foi criado à base de “leite preto”, sua devoção o imperador e o choque terrível do golpe republicano de 1889, e a dedicação feita durante o longo ostracismo ao trabalho literário, sobre a revolta da Armada, sobre a tragédia do suicídio do presidente chileno Balmaceda, e sua própria reconversão religiosa, 

Do ponto de vista da monarquia, ele pressentiu o desastre dos anos finais, a provável inviabilidade de um Terceiro Reinado, e seu esforço final por uma reforma do regime, num sentido mais federalista, deixando de ser um Império unitário. O golpe da república veio com o abalo financeiro das aplicações na Argentina, que ele fizera durante a viagem de lua-de-mel ao Prata, em 1889, durante a qual ficara impressionado com a pujança do país; a Argentina deu um calote em 1890, quase provocando a falência do secular banco londrino Baring Brothers, finalmente salvo com a ajuda do Bank of England e de outros banqueiros, inclusive os Rothschild (mas que depois veio a soçobrar nas especulações financeiros dos anos 1990). 

Os anos Floriano corresponde a seu estupor ante o “descalabro do país”, foi quando ele se recolheu ao seu ostracismo literário, do qual resultariam algumas obras que até hoje são incontornáveis na literatura histórica, sociológica e política. No final da década, já tendo se desentendido com muitos amigos monarquistas que ainda pensavam num possível retorno do antigo regime, ele é recuperado pela República para servir ao Brasil como ministro em Londres e defensor do direito do Brasil no caso dos limites com a Guiana britânica, território que tinha sido colonizado pelos portugueses, desde a viagem de Alexandre Rodrigues Ferreira, no final do século XVIII, que depois ficou sendo uma capitania real, a de São José do Rio Negro. Nabuco passou dois anos redigindo os 18 volumes do seu relatório, com base nas melhores fontes primárias, algumas repassadas por Rio Branco. 

O historiador Evaldo Cabral de Mello, na nota que ele fez à passagem dos Diários de Nabuco, relativa ao dia 14 de junho de 1904, quando foi anunciada a sentença do rei Vittorio Emanuelle, na presença dos dois embaixadores, o britânico e o brasileiro, refaz, num longo texto explicativo, as quatro enigmáticas linhas que Nabuco consignou em seu diário, estas: 

14 junho – Às 11 horas ao Quirinal, somos introduzidos o Embaixador inglês e eu: o rei, depois de algumas palavras, faz-nos sentar cada um de um lado, ele no sofá, e dá-nos a leitura da sentença. Jantamos todos da Missão em casa do Barros Moreira.

 

Nada além disso, com apenas uma nova notação no dia 19 de junho: “Telegrama do Rio Branco oferecendo-me Washington”. Evaldo Cabral de Mello, apensou a seguinte longa nota de rodapé na entrada do dia 14, dia fatídico para Nabuco: 

O laudo de Vitor Emanuel III rejeitava a pretensão do Brasil de haver exercido posse efetiva sobre todo o território ...

 (nota 233, p. 310, do vol. 2: 1889-1910 dos Diários, 2005)

 

Essa decepção “romana” de Nabuco talvez o tenha convencido a aceitar o novo posto na nova Roma do século XX, a despeito de já estar sofrendo de diversos males, inclusive a surdez e comichões na pele, a progressão da erisipela que levaria consigo durante todo o período na embaixada em Washington. Uma nova decepção se manifestaria, des depois do relativo sucesso da conferência americana do Rio de Janeiro, quando ele se converteu em sincero aliado da causa monroísta, panamericana, e até mais do que isso, excessivamente pró-Estados Unidos, na visão de Oliveira Lima. Essa decepção foi a postura decididamente imperialista demonstrada pelos EUA, em relação às principais questões discutidas na conferência da Haia de 1907, onde Rui Barbosa mantinha intenso contato com Rio Branco, por via telegráfica, para tentar demover o gigante hemisférico de sua aliança de fato com a velhas potências europeias, em detrimento das demandas e justas reclamações dos vizinhos do continente. Nabuco viajou para a Europa e encontrou-se com Rui em Bruxelas no dia 15 de setembro de 1907, mas alguns dias antes tinha recebido um telegrama do jurista baiano: 

6 setembro – Hoje recebi este telegrama do Rui Barbosa: “Acumulação contínua trabalhos tem me impedido responder afetuosa carta, motivo de ainda maior satisfação para mim, ver nossa conformidade ideias questão atual. Situação cada vez mais delicada. Projeto americano sistema de seguridade composição Corte [Permanente de Justiça Arbitral] caiu vencido pelo princípio afirmado por nós com apoio conhecido, quase unanimidade, nações latino-americanas. Todavia persistem novas tentativas torcer-nos, mas nosso governo inabalavelmente resolvido resistir. Opinião Rio excitadíssima, dificilmente contida; esforços Rio Branco, cujo procedimento tudo isto tem sido admirável. Conferência não acabará antes fins setembro, sendo eu retido aqui trabalhos diários, convites e conferências sobre caso pendente. Não poderei, pois, vê-lo Paris. Seu sincero amigo, Rui.” (Diários, 2º vol., p. 409)

 

A última entrada no diário de Nabuco foi feita no dia 11 de janeiro de 1910: “Um pouco melhor. Não tive vertigem à noite. Retomo com prudência minha vida usual. Tenho sempre a dor de cabeça e sonolência.” Evaldo acrescentou sua última nota de rodapé: “A 17 de janeiro, Nabuco falecia, vítima de congestão cerebral. Seus restos mortais seguiram para o Rio e para o Recife, onde foram sepultados no cemitério de Santo Amaro, por desejo seu e do governo de Pernambuco”. (vol. 2, p. 479) 

 

5) Ao longo do século XX, além das figuras icônicas do Barão do Rio Branco, de Joaquim Nabuco e de Ruy Barbosa, nosso país teve outros importantes pensadores de tradição liberal ou conservadora, dentre os quais destaco os nomes de Roberto Campos, José Osvaldo de Meira Penna, Mario Vieira de Mello e José Guilherme Merquior. Sendo um dos mais destacados representantes dessa tradição, gostaria de ouvir suas impressões acerca dela.

 

PRA: Eu tinha apenas 16 anos quando fui assistir a uma palestra de Roberto Campos sobre o PAEG, o Plano de Ação Econômica do Governo, que não apenas reduziu a inflação, gradualmente, como procedeu a uma completa reforma da economia e da administração do Brasil. Nasceram ali minhas primeiras lições de economia e de política. Seu livro de memórias, A Lanterna na Popa, é indispensável em qualquer curso de economia, de história, das humanidades em geral. Quando ele completaria 100 anos, em abril de 2017, coordenei um livro em sua homenagem: O Homem Que Pensou o Brasil, depois complementado pela compilação de seus artigos sobre o processo de elaboração constitucional: A Constituição Contra o Brasil (2018). meus livros. 

José Osvaldo de Meira Penna foi um dos maiores intelectuais, liberal clássico. Eu me correspondi com ele quando ele era cônsul em Zurique, e estudioso de Jung; tinha sido embaixador em Israel e depois em Varsóvia, quando denunciou o escândalo das “polonetas” (dívidas não pagas da Polônia por financiamentos brasileiros a exportação). Ficamos amigos depois que eu voltei do meu doutorado em 1984; ele costumava receber muita gente no seu sítio de Brasília, para conversas de fim de semana. Creio que ele foi o membro brasileiro mais antigo e mais longevo da Sociedade do Mont Pélérin, uma confraria de pensadores liberais coordenada por Friedrich von Hayek, da qual também foi membro Henry Maksoud. Morreu com mais de cem anos: fiz um artigo em homenagem a ele, mas ainda lhe devo um volume inteiro em sua homenagem.

Mario Vieira de Mello, diplomata de carreira, foi autor de muitas obras de filosofia e de estudos de estética, mas não o conheci, pois ele se aposentou no ano em que ingressei na carreira diplomática, em 1977. A Funag publicou a 3ª edição da obra Desenvolvimento e cultura: o problema do estetismo no Brasil, em 2009 (disponível na Biblioteca Digital). 

Finalmente José Guilherme Merquior, a mais fascinante máquina de pensar, na concepção de Eduardo Portella. Em 2020, elaborei um ensaio sobre sua obra sociológica: “José Guilherme Merquior: o esgrimista liberal”, publicado como posfácio na nova edição de seu livro sobre, Foucault, ou o niilismo de cátedra (É Realizações, 2021), também disponível numa brochura que fiz em sua homenagem, no começo deste ano, nos seus 80 anos, se tivesse ultrapassado os 49 que viveu e os mais de 30 que produziu intensamente, que está na minha página do Academia.edu: 3894. José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro, Brasília, 19 abril 2021, 322 p. Coletânea de textos de e sobre o grande intelectual diplomata. Postado na minha página na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/46954903/Jose_Guilherme_Merquior_um_Intelectual_Brasileiro_2021_); divulgado no blog Diplomatizzando (20/04/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/jose-guilherme-merquior-uma-homenagem.html).

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3993: 4 outubro 2021, 12 p.

 

 

Anexo: 

Russell Kirk: The Conservative Mind: from Edmund Burke to T. S. Eliot

Conservatism is not a fixed and immutable body of dogmata; conservatives inherit from Burke a talent for expressing their convictions to fit the time. … conservatism is preservation of the ancient moral traditions. Conservatives respect the wisdom of their ancestors; they are dubious of wholesale alteration. They think society is a spiritual reality, possessing a eternal life but a delicate constitution: it cannot be scrapped and recast as if it were a machine.

F. J. C. Hearnshaw, in his Conservatism in England, lists a dozen principles of conservatives, but possibly these may be comprehended in a briefer catalogue.

(1) Belief in a transcendent order, or body of natural law, which rules society as well conscience. Political problems, at bottom, are religious and moral problems. (…)

(2) Affection for the proliferating variety and mistery of human existence, as opposed to the narrowing uniformity, egalitarianism, and utilitarian aims of most radical systems; (…)

(3) conviction that civilized society requires orders and classes, as against the notion of a “classeless society”. With reason, conservatives often have been called “the party of order” (…) … equality of condition… means equality in servitude and boredom.

(4) Persuasion that freedom and property are closely linked: separate property from private possession, and Leviathan becomes master of all. Economic levelling, they maintain, is not economic progress.

(5) Faith in prescription and distrust of “sophisters, calculators, and economists”, who would reconstruct society upon abstract designs. (…)

(6) Recognition that change may not be salutary reform: hasty innovation may be a devouring conflagration, rather than a torch of progress.

 

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Ricardo Bergamini recupera Os Bruzundangas, de Lima Barreto

O Brasil roda eternamente dentro do círculo, mas nunca sai do círculo (Ricardo Bergamini).
Prezados Senhores

Sugiro leitura do resumo da obra póstuma de Lima Barreto “Os Bruzundangas”, publicado em 1923, onde fica provado, de forma cabal e irrefutável, que o Brasil vive hoje exatamente no mesmo ponto histórico em que viveu o autor. É assustador!  

Os Bruzundangas, de Lima Barreto

Os Bruzundangas, publicado em 1923, é obra póstuma de Lima Barreto. Uma coletânea de crônicas, onde o autor com a percepção aguda e crítica, não deixa escapar nada. Satiriza uma fictícia nação onde ele mesmo teria residido. Seus capítulos enfocam, entre outros temas, a diplomacia, a Constituição, transações e propinas, os políticos e eleições em Bruzundanga. Critica os privilégios da nobreza, o poder das oligarquias rurais, a futilidade das sanguessugas do erário, desigualdades, saúde e educação tratadas com desdém, enfim, mazelas parecidas às de um país real. Ao lê-lo, tem-se impressão de que o escritor não se fez arauto de seu tempo; o Brasil é que patinou nos descaminhos de si.

Com malandrice carioca e estilo ágil, próximo da caricatura e zombaria, o afro-brasileiro Lima Barreto é mestre da ficção de escárnio. Nas raízes do imaginário país grassam oportunistas, apaniguados, retrógrados e escravocratas de quatro costados. Sobre os usos e costumes das autoridades, escreve que não atendem às necessidades do povo, tampouco lhe resolvem os problemas. Cuidam de enriquecer e firmar a situação dos descendentes e colaterais. Diz: não há homem influente que não tenha parentes e amigos ocupando cargos de Estado; não há doutores da lei e deputados que não se considerem no direito de deixar aos filhos, netos, sobrinhos e primos gordas pensões pagas pelo Tesouro da República. Enquanto isto, a população é escorchada de impostos e vexações fiscais; vive sugada para que parvos, com títulos altissonantes disso ou daquilo, gozem vencimentos, subsídios e aposentadorias duplicados, triplicados, afora os rendimentos que vêm de outras e quaisquer origens.

Ao presidente de Bruzundanga, que deve ser um deslumbrado e completo idiota, chamam-no "Manda-chuva"; à justiça, "Chicana". A Carta Magna redigida por espertos (e não expertos) explicita um providencial adendo: toda a vez que um artigo ferir interesses de parentes de pessoas da ‘situação’ ou de membros dela, fica entendido que não tem aplicação. No fundo, todos flertam com a "situação" porque ela garante o continuísmo. À plebe desmemoriada e ignorante, pra que não fique gritando viva o doutor Clarindo!, viva o doutor Carlindo!, viva o doutor Arlindo! – quando o verdadeiro nome do doutor é Gracindo, criou-se a "Guarda do Entusiasmo", constituída de dez mil indicados sem concurso, uniformizados "de povo", com função de disciplinar e reorientar as aclamações e vivas da multidão.

Muito mais é Bruzundanga em seus cânones sócio-políticos, religiosos e culturais, e no atraso visceral – conforme se lê no prefácio – de uma nata enquistada no canibalismo simbólico da "Arte de Furtar": os maiores ladrões são os que têm por ofício livrar-nos de outros ladrões.

No primeiro capítulo de Os Bruzundangas, Lima Barreto critica a superficialidade e o preciosismo da literatura parnasiana, além da linguagem misteriosa e mística do Simbolismo. Cita ainda um verso do poeta Worspikt em que há a repetição da consoante "L" (aliteração), recurso chamado no livro de "harmonia imitativa".

No capítulo "Um Grande Financeiro", Lima Barreto critica os economistas incompetentes e contraditórios da Bruzundanga, através do personagem caricatural Felixhimino Ben Karpatoso.

"Bruzundangas" é um substantivo feminino que pode significar "palavreado confuso, mistura de coisas imprestáveis, mixórdia, trapalhada, embrulhada". Neste livro, Lima Barreto fala da arte de furtar, de nepotismos desenfreados, de favorecimentos e privilégios. A própria sociedade, as eleições, a religião, os literatos e a imprensa são cáusticamente abordados por ele e servem de pano de fundo para a construção de sua obra literária.

O livro é um diário de viagem de um brasileiro que morou tempos na Bruzundanga, conheceu sua literatura, a escola samoieda (falsa, monótona e afastada da cultura, com autores fúteis e aconchavados com a classe dominante); sua economia confusa que exauri a riqueza do país, sendo dominada pelos cafeeiros da província de Kaphet.

Mostra também a obsessão por títulos como os de nobreza e os de doutor, mesmo quando seus possuidores não são nobres e são pouco letrados. A seguir critica a legislação (a Constituição, baseada na de um país visitado por Gulliver, tem uma lei que diz que se a lei não for conveniente a situação ela não é válida), a política (os presidentes, chamados Mandachuvas, assim como os ministros, os heróis e os deputados, são estúpidos e vazios), o processo democrático (tão corrupto quanto era na República Velha), a ciência, o resto da cultura (quase nula, por vezes perto do negativo), o exército e a política internacional.

Lima Barreto fala de dois tipos de nobreza existentes na Bruzundanga: a nobreza doutoral e a que ele chama "de palpite". A primeira é formada pelos doutores, os que têm diploma de nível superior. Lima Barreto diz que a sociedade em geral valoriza extremamente os doutores. No final do capítulo referente à nobreza doutoral, ele expõe uma escala de valores dos cursos de nível superior, os dois mais valorizados são o de Medicina e o de Direito, respectivamente.

Repleto de caricaturas de personagens da vida política da época, como Venceslau Brás e o Barão de Rio Branco, o livro é uma crítica ferina a sociedade brasileira, sua literatura e sua organização político- econômica.


Ricardo Bergamini

terça-feira, 30 de junho de 2015

Barao do Rio Branco e sua estratégia naval - livro de João Paulo Alsina

O livro derivado da tese de doutorado de João Paulo Alsina - que reinterpreta o significado do legado do Barão do Rio-Branco à luz do programa de reaparelhamento naval brasileiro da primeira década do século XX - acaba de ser publicado pela FGV:


  • ISBN: 978-85-225-1682-7
  • Ano: 2015
  • Número de páginas: 404

Rio-Branco, grande estratégia e o poder naval

Autor(es): João Paulo Soares Alsina Júnio
R$ 45,00

 http://editora.fgv.br/rio-branco-grande-estrategia-e-o-poder-naval

"O Brasil atravessa crise profunda, cuja solução, ainda que parcial, demandará uma verdadeira reinvenção do País. Um novo olhar sobre a história representaria passo importante nessa direção: Rio-Branco, Grande Estratégia e o Poder Naval nos ajuda a refletir sobre o que fizemos de errado ao longo do nosso percurso histórico e os mitos do passado que nos aprisionam ainda hoje.
    
     Ao reinterpretar o legado de um dos emblemas do nacionalismo brasileiro, João Paulo Soares Alsina Jr. nos apresenta um barão do Rio-Branco muito distinto daquele difundido pelas narrativas oficialistas. O programa de reorganização da Marinha na primeira década do século XX - a mais importante iniciativa de incorporação de armamento naval da nossa história - serve de pano de fundo para a inquirição sobre a visão de mundo do Patrono do Itamaraty.
            O brilhante estudo desenvolvido pelo autor nos revela um estadista pragmático, realista, profundamente consciente de que, sem poder militar respeitável, o país estaria condenado à dependência e a uma posição subalterna no concerto das nações. Rio-Branco defendia a estreita simbiose entre diplomacia e defesa, voltada a permitir que o Brasil atuasse no plano internacional a partir de posição de força, jamais de fraqueza.
            Como decisiva contribuição à historiografia sobre um dos raros heróis nacionais brasileiros, este livro está destinado a se tornar marco incontornável sobre a obra do nosso diplomata-mor e o papel desempenhado pelas Forças Armadas na história do País."


DEPOIMENTOS SOBRE RIO-BRANCO, GRANDE ESTRATÉGIA E O PODER NAVAL

Ao mostrar, com precisão analítica e factual, os equívocos do oficialismo historiográfico acerca do barão – que o vê como um pacifista que só esgrimia argumentos históricos e geográficos -, o trabalho de Alsina Júnior está destinado a ser um ponto de inflexão nos estudos sobre a vida e a obra do nosso maior diplomata.
Carlos Ivan Simonsen Leal, Presidente da Fundação Getúlio Vargas
João Paulo Alsina Jr. alerta para um tema que continua válido hoje, como ao tempo de Rio Branco: o desenvolvimento em paz e tranqüilidade precisa do respaldo de poder militar que o garanta. Rio Branco entendia assim, para o bem de nossa história.
Mario Cesar Flores, Almirante-de-Esquadra
João Paulo Alsina Jr., o mais destacado diplomata-acadêmico de sua geração, lustra o legado de Rio Branco. Diplomatas sim são importantes para um país. E sobretudo para o Brasil, pois foi sob a égide do maior de todos que se construíram as nossas fronteiras. Por sinal, o Brasil deve ser o único país no mundo que tem um diplomata como Herói da Pátria. O novo e instigante trabalho de Alsina Jr. honra as tradições semeadas pelo nosso patrono.
Hélio Vitor Ramos Filho, Embaixador
(...) um estudo impressionante (...) Baseado em pesquisa exaustiva João Paulo Alsina Jr. demonstra que o Barão do Rio-Branco (...) apoiou o rearmamento naval (...) para atingir, a um só tempo, os objetivos diplomáticos que proporcionaram a atual conformação geográfica do país e a posição proeminente obtida no equilíbrio regional de poder no início do século XX. No Brasil contemporâneo, o mantra oficial de que "o Brasil não tem inimigos" tanto interpetra equivocadamente a realidade da diplomacia esposada pelo Barão do Rio-Branco quanto demonstra que o Brasil ainda não está pronto a assumir a liderança regional, sem falar na global, que se esperaria de um país com tamanho, população e riqueza equivalentes.
Thomas BruneauProfessor Emérito, Naval Postgraduate School, Monterey, California.
O Brasil sempre foi um país pacífico que resolveu os seus conflitos pela via diplomática. (...) Ou não? Com profundidade erudita e fervor nacional,  Alsina Jr. demonstra que o Barão não agia por principismo nem juridicismo abstrato. (...) Foi esse pragmatismo que o levou a desenvolver instrumentos de hard power, entre os quais o estratégico poder naval. Combinando a análise histórica das políticas externa e de defesa do Brasil, este livro é fundamental para perceber a brecha que separa o discurso oficial da realidade dos fatos.
Andrés Malamud, Professor de Ciência Política,  Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa