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domingo, 20 de outubro de 2013

Ricardo Velez-Rodrigues fala sobre a era lulo-petista para estudantes de RI - Blog Rocinante

Reproduzo a postagem mais recente do blog Rocinante, este monumento à inteligência mantido pelo professor Ricardo Velez-Rodrigues.
Não necessito comentar nada. Tudo está exposto com a mais perfeita clareza...
Paulo Roberto de Almeida

Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 7/10/2013

Pelotas. A antiga Faculdade de Ciências Agrárias, no campus da Universidade Federal de Pelotas, foi a sede do IV Encontro de Estudantes de Relações Internacionais, de 21 a 23 de Setembro de 2013.

O Brasil, após 11 anos de lulopetismo no poder, poderia estar afundando no socialismo bolivariano. Isso, certamente, se Lula e a petralhada pautassem, eles sozinhos, os rumos da sociedade. Os lulopetistas ocuparam setores essenciais do Estado, numa ação progressiva que se desenvolveu ao longo das duas últimas décadas. Efetivamente, o aparelhamento petista da máquina pública começou antes da eleição de Lula, mediante a ocupação de cargos de chefia nos ministérios, nas Universidades, nas empresas estatais e nos sindicatos. Nisso os petistas foram muito disciplinados, como no fato de pagarem religiosamente o dízimo ao Partido, uma vez empossados em funções burocráticas. Mas eles estão longe, muito longe, de fazer com que o Brasil como um todo aceite esse modelito defasado, afinado com o que de mais atrasado há no mundo da política e consolidado, no nosso país, ao ensejo da pérfida colaboração entre militância partidária e políticos tradicionais corruptos. 

Como frisava o mestre e amigo Antônio Paim no seu livrinho Para entender o PT (Londrina: Editora Humanidades, 2001), o Partido dos Trabalhadores é a maior manifestação do espírito patrimonialista na cultura brasileira. Nos seus dez anos de mandato, o Partido tratou o Brasil como propriedade privada dos donos da legenda, Lula e amigos. Eles simplesmente cuidaram para que o Estado fosse o seu instrumento de privatização do espaço público em benefício da sigla partidária, com exclusão dos que se opusessem. Foi uma ação sistemática de ocupação e de aparelhamento, tendo utilizado a filosofia gramsciana como alicerce doutrinário para a empreitada. O PT não teve dúvidas em utilizar todas as táticas de intimidação, desde o patrulhamento e a calúnia até a eliminação dos militantes que ousassem se desviar dos interesses dos chefões. Os assassinatos de Celso Daniel e de Toninho do PT são prova disso. Esses atos de terrorismo lembram as conhecidas “purgas” com que os comunistas castigavam dissidentes, no reinado de Lenine e Stalin, na Rússia bolchevique. 

Paralelamente a essa maré montante da ocupação do Estado pela petralhada surgiu, no seio da sociedade brasileira, ao longo dos últimos vinte anos, uma sadia reação das novas gerações que não se conformavam com a retórica da “vulgata marxista”, habilmente alçada à categoria de filosofia educacional oficial. Nesse trabalho de doutrinação e de marxistização do ensino primário e secundário, foi de grande valia a ajuda de pedagogos socialistas como Paulo Freire. Ele, de fato, embora tivesse recebido a influência dos doutrinários da Escola Nova e da filosofia personalista de Emmanuel Mounier, terminou se afinando com o ideal de um marxismo revolucionário na América Latina e com a tentativa de implantar esse modelo no Brasil, com a ajuda da doutrinação de pedagogos e alunos. Nos anos setentas, em Paris, Paulo Freire dirigia o Instituto Ecuménico para o Desenvolvimento dos Povos (Institut Oecumenique pour le developement des peuples – INODEP), uma fundação que acolhia militantes de organizações guerrilheiras latino-americanas, com a finalidade de intercambiar experiências no combate ao capitalismo mediante a luta armada. 

Contra a tentativa hegemônica petista e reagindo, também, contra a farta divulgação do pensamento marxista no sistema de ensino, incluindo aí as Universidades, começaram a aparecer, ao longo dos últimos dez anos, organizações de jovens que buscavam ares menos contaminados. É particularmente visível, no meio universitário, essa reação. Embora o grosso do professorado esteja constituído por docentes afinados com o pensamento de esquerda, os jovens buscam outras alternativas ideológicas, se destacando, entre elas, o pensamento liberal. Na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde lecionei até maio deste ano, notei isso. Para responder a essa preocupação da nova geração, criei ali vários espaços em que o pensamento liberal tinha lugar importante. Menciono-os: o Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, que ainda coordeno; o Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos; o Núcleo de Estudos sobre o pensamento de Madame de Staël e o Liberalismo Doutrinário; o Núcleo Tocqueville-Aron para o estudo das Democracias Contemporâneas. Ao redor de todos esses pequenos centros de pensamento e pesquisa reuniram-se alunos da UFJF e de outras Universidades e centros de estudo do Brasil. 

Dessas iniciativas surgiu o Portal Defesa (www.ecsbdefesa.com.brsob a direção do professor Expedito Bastos e que divulga as pesquisas desenvolvidas pelos membros do Centro de Pesquisas Estratégicas), a revista eletrônica Ibérica (www.estudosibericos.com) e a revista eletrônica Cogitationes (www.cogitationes.org) ambas coordenadas por Alexandre Ferreira de Souza e Marco Antônio Barroso. Essas publicações arejam o ambiente rarefeito da cultura universitária discutindo propostas liberais e liberais-conservadoras, bem como analisando questões relativas à história da cultura ocidental.

Esse esforço teórico teria de se alargar, no âmbito ibérico e iberoamericano, ao estudo dos pensadores que se debruçaram sobre as fontes liberais, projetando-as sobre a nossa realidade. Ressalta, aqui, a figura de José Ortega y Gasset, na Espanha e de Fidelino de Figueiredo, em Portugal. No caso latino-americano sobressaem nomes como os de Antonio Caso e Daniel Cosío Villegas, no México, Domingo Faustino Sarmiento, na Argentina, Daniel Samper, Rafael Núñez e Carlos Lleras Restrepo, na Colômbia e, no Peru, o prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa. No caso brasileiro, deveriam ser estudados Silvestre Pinheiro Ferreira, Paulino Soares de Sousa, Tavares Bastos, Rui Barbosa, Tobias Barreto, Assis Brasil e Silveira Martins (no século XIX) e, na realidade atual, Miguel Reale, Antônio Paim, Roque Spencer Maciel de Barros, José Osvaldo de Meira Penna, José Guilherme Merquior e Ubiratan Macedo (para citar apenas autores de grande porte).

Particular interesse têm-me causado os Encontros de Estudantes de Relações Internacionais. Participei de dois desses encontros, o realizado em Ribeirão Preto, São Paulo, em 2009 (quando apresentei uma análise do fenômeno do neopopulismo na América Latina) e o promovido pelo Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, e que teve lugar de 19 a 22 de Setembro deste ano, quando proferi palestra com o título: “Tocqueville e a agitação das ruas”. Em ambos os eventos, o primeiro de caráter nacional (com mais de dois mil participantes) e o segundo de alcance regional (com 400 participantes), fiquei impressionado com o interesse dos alunos pelos temas relacionados com a filosofia liberal. Imagino que os estudantes dos cursos de Relações Internacionais (que já passam da centena, cobrindo o Brasil de sul a norte) são especialmente sensíveis ao atraso representado pelo nosso Estado patrimonial, tacanhamente confinado nos limites ideológicos do Mercosul, afinado, na era lulopetista, com o chavismo bolivariano.

Duas tarefas inadiáveis vejo como necessárias para que frutifique o trabalho destes grupos de jovens liberais: em primeiro lugar, aprofundar no conhecimento sistemático dos clássicos do liberalismo, tanto dos iniciadores dessa corrente na Europa (Locke, Montesquieu, Kant, Tocqueville, Benjamin Constant, Madame de Staël e os Doutrinários franceses, etc.), quanto dos liberais americanos, os chamados Patriarcas fundadores das instituições republicanas nos Estados Unidos. O estudo dos clássicos deve, evidentemente, abranger também os pensadores da Escola Austríaca e as suas fontes ibéricas que se remontam às teses da soberania popular, especialmente no pensamento do maior filósofo espanhol do século XVII, o padre Francisco Suárez, cuja obra: De legibus ac de Deo legislatore(1613) deveria ser traduzida e publicada no Brasil. 

Uma segunda linha de trabalho deveria ser abarcada pelos jovens liberais: projetar sobre a realidade brasileira contemporânea as luzes da luta em prol da liberdade, defendida com denodo pelos clássicos do pensamento filosófico e político que acabo de mencionar, a fim de enxergar soluções para os grandes problemas que afetam às nossas instituições republicanas. Sílvio Romero, o fundador da sociologia brasileira, afirmava que, em matéria de pensamento social e político, não há monocausalismos. A reflexão que proponho sobre a realidade brasileira deveria ser efetivada, portanto, de maneira monográfica, abarcando os três grandes aspectos que se entrecruzam na sociedade brasileira: o cultural, o político e o econômico. Cada um desses aspectos é essencial e não pode se sobrepor aos outros. Surgirá dessa reflexão, com certeza, uma agenda liberal para ser implementada na luta político-partidária, sem a qual não se consegue pôr em prática os nossos ideais para uma sociedade com instituições que defendam a liberdade e não a ameacem, como acontece atualmente.

Quanto aos acervos onde se podem encontrar as obras dos clássicos brasileiros, recomendo aos jovens estudiosos o Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro (www.cdpb.org.br), organizado em Salvador, na Bahia, pelo professor Antônio Paim. Esse acervo encontra-se na Universidade Católica de Salvador sob os cuidados da presidente do Centro, a professora Dinorah de Araújo Berbert de Castro. Recomendo igualmente o acervo digital do Instituto de Humanidades, para aqueles que buscam se familiarizar com as fontes do liberalismo clássico (www.institutodehumanidades.com.br).

sábado, 28 de setembro de 2013

Sobre a podridao da atual republica dos companheiros - Ricardo Velez-Rodriguez

Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 19/09/2013

Tornou-se infelizmente realidade a expressão que resume a frustração da plateia quando o bandido do filme ganha a parada: “A polícia não presta. Chamem o ladrão!” Os mensaleiros estão em festa. A lulopetralhada aplaude. Militantes, mensaleiros e juízes sem compromisso com a Nação conseguiram, afinal, aparelhar o Brasil, tendo desarmado e desmoralizado o Supremo. O Ministro Celso de Mello, que tinha condenado os mensaleiros com palavras duras, terminou cedendo e aprovando a admissibilidade dos embargos infringentes, fato que praticamente desmonta a condenação dos réus. Vale a pena lembrar as duras palavras com que o decano dos ministros do Supremo tinha condenado os mensaleiros: “Agentes públicos que se deixaram corromper e particulares que corrompem são, corruptores e corruptos, os profanadores da República, os subversivos da ordem institucional, os delinquentes, os marginais da ética do poder”. E continuava assim o decano: “Esse processo revela um dos episódios mais vergonhosos da história política do nosso país, pois os elementos probatórios que foram produzidos pelo Ministério Público expõem aos olhos de uma nação estarrecida, perplexa e envergonhada um grupo de delinquentes que degradou a atividade política, transformando-a em plataforma de ações criminosas”.

O que aconteceu? - Se pergunta, perplexa, a opinião pública. Respondo: os juízes do Supremo, a maioria dentre eles, priorizaram a tecnicidade jurídica por sobre os imperativos da moral social. Ora, bolas. Todos sabiam que os mensaleiros tripudiaram no túmulo da dignidade republicana. Ressoam ainda as duras palavras proferidas quando da primeira condenação, tanto pelo decano que desempatou a última votação, quanto por outros Ministros como Gilmar Mendes que foi um dos cinco membros do Supremo que, na última semana, rejeitaram o adiamento do resultado prático das sentenças. Ao criticar a tentativa do “novato” ministro Barroso de reduzir a importância do mensalão com a declaração de que as penas impostas aos réus eram excessivas e exageradas, Gilmar Mendes frisou: “Já se disse que esse crime não era o maior escândalo (...) perpetrado. Ainda que fossem só 170 milhões de reais, não foi só isso, nós falamos de um sistema criado para comprometer a democracia, manipular a vontade dos parlamentares. Não se trata, portanto, de pena exacerbada”.

É claro, como observava com acuidade o jornalista Percival Puggina no seu blog, que as penas impostas aos mensaleiros do PT foram pequenas, se comparadas às que receberam os membros da iniciativa privada, Marcos Valério e companhia. Criminoso pertencente a partido político no comando do Estado patrimonial é contemplado com penas mais brandas do que um cidadão comum. Já era ruim essa patente desigualdade perante a lei. Mas a atual decisão do Supremo de acolher os embargos infringentes e mandar para a escatologia a condenação definitiva dos mensaleiros é escárnio demais! O positivismo jurídico dos juízes do Supremo foi mau conselheiro, quando os levou a sobrepor às exigências da moral e da defesa da igualdade de todos perante a lei, a tecnicidade jurídica. A quem poderá acudir a massa dos cidadãos deste país, acuada pela corrupção dos costumes políticos, orquestrada desde cima pelos donos do poder?

Reinaldo Azevedo, o crítico feroz da ação da petralhada no caso do julgamento do mensalão, até que foi brando na sua avaliação do voto dos embargos infringentes pelo decano dos ministros do Supremo. Afirma o jornalista no seu blog de Veja: “O destino foi bastante cruel com o venerando ministro Celso de Mello na reta final de sua longa trajetória no Supremo Tribunal Federal (STF), aonde chegou aos 43 anos, em julho de 1989, indicado por José Sarney. Caso não antecipe a sua aposentadoria, deixa a corte em novembro de 2015, quando completa setenta anos. Ao longo desse tempo, as mais variadas correntes de opinião, com visões as mais distintas, souberam apreciar a sua retidão, o seu caráter, a sua seriedade. Jamais se furtou, quando achou conveniente, a dizer palavras muito duras e severas, como quando chamou os mensaleiros de marginais do poder”.

Afirmo, contudo, que o ministro Celso de Mello não soube interpretar a demanda da sociedade brasileira em prol de uma justiça que realmente iguale todos os brasileiros perante a lei. Para os petralhas, as vantagens dos embargos infringentes. Para o resto, a dura lex! O destino foi cruel com o ministro, que não esteve à altura da responsabilidade que a República colocou nas suas mãos. Os heróis de ontem, como Pétain na França que mergulhou na servidão ao nazismo na vergonha de Vichy, podem cair hoje do seu pedestal por falta de lucidez e de coragem.


A infeliz decisão do Supremo só faz aumentar a já intolerável sensação de impunidade no Brasil e dá armas aos criminosos que, em bando, pretendem instaurar o regime totalitário e nauseabundo do crime organizado sobre a República. Já tem advogado sem vergonha que denuncia a pouca representatividade do PCC na tomada de decisões políticas! Daí para a anarquia pura e simples e o conflito civil generalizado é só um passo! Deus nos guarde! A nefasta aprovação dos embargos infringentes, mais do que um deslize do Supremo, foi uma infeliz decisão que não se coaduna com os desejos da Nação brasileira em prol de mais justiça. Veremos se reforçar a tendência ao estabelecimento de um peronismo à brasileira, que consolidará no comando da República uma malta de aventureiros e criminosos que todos ansiávamos ver fora do páreo.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Uma lagrima para... Gilberto Paim: um racional que se vai - Ricardo Velez-Rodriguez

Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 25/08/2013

 Faleceu, na sexta-feira passada (23-08-2013), na cidade do Rio de Janeiro, o grande escritor, pesquisador e jornalista Gilberto Paim. Era um liberal de fortes convicções e um patriota de tempo completo. A sua posição crítica em face do Estado patrimonial brasileiro, que fez da Petrobrás butim a ser distribuído alegremente entre os "companheiros", valeu-lhe, décadas atrás, implacável ostracismo na imprensa paga  pela estatal. Um liberal sem pelos na língua e um brasileiro que tinha a convicção de que poderíamos sair do atraso caso fossem tomadas as medidas necessárias para domar a besta patrimonialista. Tive a alegria de compartilhar momentos importantes  ao lado desse grande intelectual e amigo, no seio do Conselho  Técnico da Confederação Nacional do Comércio, do qual participo desde 1993. Como tributo à sua memória, reproduzo aqui artigo escrito por ele no Jornal do Brasil (edição de 02-11-2003).

A POBREZA ABAIXO DO RIO GRANDE
Gilberto Paim, Jornalista
Jornal do Brasil,  02-11-2003

A cidade americana de Laredo está separada pelo Rio Grande de sua irmã gêmea, Nuevo Laredo, mexicana. Falam o mesmo idioma, são de religião católica e celebram as mesmas datas religiosas. Em recentes jogos em que se enfrentaram equipes americana e mexicana, as duas populações perderam a identidade. Filhos torciam pelo lado de cá. E pais pelo lado de lá. Em dias de eleição, os candidatos, tendo os mesmos nomes, poderiam ser votados em qualquer dos lados, bastando atravessar uma das pontes. 

Há alguns anos, The Economist dedicou ampla reportagem às cidades de Laredo e Nuevo Laredo, destacando a riqueza da primeira e a pobreza da segunda. Na Laredo americana, a autorização para a lavra de petróleo é concedida de modo quase automático pela prefeitura municipal e na verdade constitui um estímulo à perfuração do subsolo em busca de petróleo. Pequenas e grandes empresas recebem igual tratamento e até famílias contratam proprietários de sondas para perfurações de fundo de quintal. Quinze por centro da produção de petróleo americana procedem de pequenos poços. 

Em Laredo, a visão da alta renda por habitante abrange casas ajardinadas, automóveis do ano, pavimentação impecável da via pública e eficiente limpeza urbana, ruas bem iluminadas e a coorte de benefícios sociais que são fruto da opulência. Do outro lado do Rio Grande, os ventos da Pemex espalham a pobreza sobre Nuevo Laredo. De um lado, a praia de São Conrado (Laredo) e do outro, a favela da Rocinha, (Pemex e Petrobrás). 

Em 1958, o presidente argentino Arturo Frondizi permitiu a operação no país de empresas petrolíferas estrangeiras, que, em 1962, davam à Argentina auto-suficiência em petróleo. Buenos Aires fez repetidas tentativas para vender ao Brasil o seu excedente. Mas houve rejeição sistemática, pois tais ofertas colocavam a Petrobrás em confronto com sua ineficiência. É de 1953 a lei do monopólio, e meio século depois o Brasil ainda sofre o constrangimento de importar petróleo. O país não gosta de enfrentar a realidade. 

De 1973 (a primeira alta do petróleo) até 2000, as importações brasileiras de petróleo totalizaram cerca de US$170 bilhões, recordando-se que, de 1979 a 1982, as taxas de juros externas chegaram a mais de 20% ao ano. E nunca foram inferiores a 10% nos demais anos. Conforme a tradição, nos empréstimos externos para financiar a importação de petróleo, há uma estranha divisão de responsabilidades: o Tesouro contrata os empréstimos, cujo valor se transforma em parte da dívida externa, sujeita aos juros de mercado. Assim, a Petrobrás adquire o petróleo como se o comprasse à vista, deixando ao Tesouro o encargo dos juros, o que oculta os custos reais da estatal. Além desse portentoso benefício, os derivados do petróleo extraído na bacia de Campos são faturados com base nos preços internacionais (de 25 a 30 dólares o barril), embora o custo de extração da Petrobrás seja de sete dólares, conforme se lê em seu Relatório de 2002. O monopólio foi há pouco extinto, mas a empresa continua a extorquir os consumidores de seus produtos. 

A Petrobrás sempre teve um custo administrativo elevado, e a exploração na plataforma submarina só lhe rende petróleo pesado, que não é processado integralmente em suas refinarias. Por isso, troca o excedente na base de três barris de óleo pesado por um barril de óleo leve. Em 2006, a empresa começa a refinar o petróleo leve, da plataforma do Espírito Santo. Como espera novas descobertas do mesmo óleo, do Espírito Santo para o Norte, especula-se sobre se no futuro a empresa abandonará os poços de óleo pesado, se o preço deste baixar a cinco dólares, como antes de 1999. 

No balanço final de meio século sem a auto-suficiência, os brasileiros poderiam perguntar pelos resultados. Vejamos: no período, a Petrobrás realizou investimentos de valor equivalente a US$ 120 bilhões. Se aplicado a juros de 6% ao ano, esse valor estaria em nível muito mais alto. Na Análise Financeira do Relatório de 2002, a Petrobrás declara que o valor de seu patrimônio líquido é de R$ 34 bilhões, ou US$ 12 bilhões. A informação oficial causa pasmo. Que fabuloso desperdício! Pois aos investimentos devem somar-se os juros pagos pelo Tesouro nos empréstimos para pagar a importação de petróleo, ao longo de dezenas de anos. A parcela do investimento e a dos juros pagos pelo Tesouro somam centenas de bilhões de dólares, dinheiro que faltou ao progresso social. A pobreza nacional está em grande parte ligada ao monopólio petrolífero. 


Em lance típico do poder autocrático, o presidente da Petrobrás mandou fechar ao público a biblioteca da empresa. Boris Casoy tem a palavra certa para atos dessa espécie.

terça-feira, 16 de julho de 2013

A crise do liberalismo, segundo Pierre Manent - por Ricardo Velez-Rodriguez

Ricardo Vélez-Rodríguez


Rocinante, 14/07/2013

Pierre Manent (nasc. 1949), Diretor do Centre de Recherches Sociologiques et Politiques Raymond Aron, em Paris.
Pierre Manent é o herdeiro intelectual de Raymond Aron. O conheci em Paris quando desenvolvia, nos anos noventa do século passado, a minha pesquisa de Pós-doutorado, no Centro Raymond Aron (ligado à Haute École de Sciences Sociales). Fui apresentado a ele pela minha orientadora, Françoise Mélonio, uma das mais importantes estudiosas da obra de Tocqueville e seguidora das pegadas de Aron e de François Furet na Haute École. Manent tinha ocupado a direção do Centro, no lugar de Furet, recentemente falecido. Li o artigo dele sobre a crise do liberalismo, publicado na Revista Commentaire, que o meu mestre Antônio Paim me envia com regularidade. Esta abordagem visa a resumir os aspectos básicos desse artigo, intitulado: “La crise du libéralisme”[1], a fim de compreender as razões do pessimismo de Manent e fazer um balanço crítico da sua posição no debate contemporâneo.

Sintetizarei o artigo de Manent ao redor de oito pontos, a saber: I - O liberalismo, um mecanismo de governo. II - O liberalismo é, também, uma doutrina política centrada na representação. III - Liberalismo político e liberalismo econômico. IV - A regulação da energia econômica. V - Perplexidade em face da liberdade de mercado. VI - Império e globalização. VII - Um novo estado do mundo. VIII - O fim do domínio ocidental.

A minha avaliação crítica do texto de Manent centrar-se-á em cinco itens: 1 – A liberdade econômica não é um assunto secundário na temática liberal, como sugere Pierre Manent. 2 – Falta, na versão do liberalismo de Manent, a valorização da liberdade como condição ontológica, no indivíduo, para o seu desenvolvimento como pessoa. 3 – Manent insiste na perda de energia dos Franceses, atualmente, no cenário internacional, devido a uma causa externa. 4 – Adoção, por Manent, de uma concepção mercantilista da economia internacional, abandonando a visão macroeconômica iniciada por Adam Smith. 5 – Concepção sociológica que indica uma causa única para os fenômenos sociais.

I - O liberalismo, um mecanismo de governo. Este é o primeiro aspecto ressaltado por Manent. Ter sido formulado por Locke (no final do século XVII) como mecanismo de governo, possibilitou ao liberalismo superar aquilo que Benjamin Constant chamava de “a democracia dos antigos” e fundar a “democracia dos modernos”. O liberalismo, circunscrito até então à experiência britânica, impôs-se na França no final do século XVIII e permitiu, às sociedades continentais europeias, “escapar finalmente à alternativa característica dos séculos precedentes”, consistente “(...) de um lado, numa república esgarçada pelas facções e, de outro, numa monarquia oprimida pelo Príncipe, pelo seu aparelho de dominação ou pelos dois ao mesmo tempo”. Assim, frisa Manent, “(...) foi somente depois de um dispositivo representativo e liberal ter sido concebido e posto em prática, que a democracia conseguiu sair do seu descrédito secular de ser um regime enfraquecido pelas facções e condenado a uma rápida decomposição”.[2]

O liberalismo, em tanto que dispositivo ou esquema prático de governo, tornou-se realidade na República Americana, sendo O Federalista o documento mais completo da política democrática liberal. Esta, na Europa, herdou das monarquias a feição centrípeta do poder presente no Executivo como força animadora. A respeito, frisa Manent: “O liberalismo como melhor governo aparece, pois, na qualidade de solução por fim encontrada para as dificuldades da história européia, concretizadas na divisão entre os postulados republicano e monárquico”.[3]

II - O liberalismo é, também, uma doutrina política centrada na representação. Este ponto é válido, frisa Manent, apesar de Carl Schmitt considerar, na sua obra intitulada: La notion de politique,[4] que o liberalismo consiste, apenas, na associação de dois elementos não políticos: a economia e a cultura. Embora os próprios pensadores liberais, a começar por Locke, tenham introduzido a idéia de “freios e contrapesos” no exercício do poder, isso não constitui, certamente, uma “despolitização” do liberalismo. O “bom governo” não constitui um poder fraco, mas uma autoridade legitimada pelos cidadãos que dele participam, através da representação.

A partir da Revolução Gloriosa (1688) ficou claro que governar com base na representação constituía um bom governo. Isso aparentemente despolitizou o liberalismo, na medida em que se passou a considerar o poder como referido às instâncias da representação de interesses. Mas isso não constitui, propriamente, uma negação do liberalismo como doutrina política. As sociedades contemporâneas, herdeiras dessa tradição liberal, deram continuidade a essa aparente feição não política. Em relação a este ponto, Manent escreve: “De resto, deve-se notar que a nossa expectativa de cidadãos é de sermos bem governados, de termos um bom governo liberal, ou socialista, ou cristão, ou seja lá o que for. O propósito do cidadão consiste em ser bem governado e em participar, se for escolhido, num bom governo. Somos politicamente liberais porque a experiência tende a provar que as instituições e os costumes liberais conduzem a um melhor governo. Isto é verdade no pano de fundo do longo período que começa com a Revolução Gloriosa inglesa do fim do século XVII, mas esta experiência não é sentida com a mesma intensidade em outras épocas”.[5]

Manent se refere, aqui, aos governos de índole autoritária, fascista e totalitária que se espraiaram pela Europa ao longo das décadas de 20 e 30 do século passado. No seio dessa vaga antiliberal, difundiu-se a idéia da incapacidade crescente dos regimes liberais para assumirem as suas funções de governo. É a idéia que está presente, segundo Manent, no ensaio de Raymond Aron intitulado: “États democratiques et États totalitaires” (1939).[6]

III - Liberalismo político e liberalismo econômico. Do ponto de vista conceitual (lógico e moral) o liberalismo político é um bem primário, em tanto que o liberalismo econômico revela-se como um bem secundário. Efetivamente, “ser bem governado” constitui, segundo pensavam os filósofos gregos, “o bem mais próprio da natureza humana”. Já a liberdade econômica não possui o mesmo rango lógico e moral que a liberdade política, pois é um bem que pode produzir efeitos negativos (como a destruição da natureza ou o reforço à paixão desmoralizante pelo bem-estar material, tão criticada por Tocqueville). Pelo contrário, ser bem governado não traz, diretamente, efeitos negativos. Isso não significa, no entanto, que o bom governo possa prescindir de uma base econômica.

Referindo-se às complexas relações existentes entre liberalismo político e liberalismo econômico, frisa Manent: “(...) Se o liberalismo político é preferível ao liberalismo econômico – no sentido que tenho tratado de caracterizar, ou seja, mais desejável em si mesmo que a prosperidade econômica – os dois são, numa certa medida, inseparáveis. Os cidadãos que se governam a si próprios por intermédio dos seus representantes estão, por outra parte, ocupados em fazer valer os seus talentos, como diz Montesquieu, no terreno das atividades livres que dão ensejo à sociedade civil, na qual o mercado apenas constitui um aspecto. Há uma espécie de conveniência entre os motivos que animam ao cidadão que quer se governar a si próprio e os motivos que animam ao membro da sociedade que quer fazer valer os seus talentos e a sua independência”.[7]

A liberdade econômica produz um resultado indispensável para a liberdade política: ela origina o crescimento que possibilita estabelecer um equilíbrio entre as aspirações da grande maioria e as pretensões das minorias elitistas. A liberdade econômica torna possível o crescimento que permite o acordo entre o pequeno número e o grande número, sendo que, nos dias atuais, a guerra contra a natureza joga o mesmo papel que em épocas passadas tinha a expansão exterior. Assim aconteceu em Roma com a dilatação do Império romano, que constituiu expressão e solução para a luta de classes entre patrícios e plebeus. De forma semelhante, a guerra contra a natureza desempenha, no Ocidente moderno, um papel equivalente. Manent conclui: “(...) O mercado livre (...) produz uma energia social considerável que ele próprio contribui a pôr em ordem”. [8]

IV - A regulação da energia econômica. Para Manent, é necessário regulamentar a energia econômica que, sozinha – à maneira da energia guerreira – só visa a se reforçar. Qual seria o caminho a tomar nessa tentativa de regulamentar as forças econômicas? O pensador francês considera que o caminho seria o da formulação de políticas econômicas que pautem a atividade produtiva. É um tema, frisa Manent, que os doutrinários do liberalismo rejeitam. [9]

A atividade econômica, considera Manent, tem a sua própria dinâmica que se expressa nas leis do mercado. Este é entendido como a concorrência pura e não limitada que, no Ocidente, virou objeto de uma veneração religiosa. A respeito frisa: “(...) A mola desta veneração, que não é razoável, ao meu modo de ver, é a convicção de que tal concorrência maximiza a energia econômica e de que esta energia é de tal forma boa em decorrência dos seus efeitos, que é necessário, absolutamente, remover todos os obstáculos que se encontram no seu caminho. O postulado vigente é que, se forem removidos todos os obstáculos para esta concorrência pura e não limitada, o mundo converter-se-ia num paraíso [le pays de Cocagne]. Infelizmente, existem sempre entraves e é necessário, pois, sem cessar, lutar contra os obstáculos à concorrência”.[10]

O pensador francês destaca que, não sendo economista, não pretende fazer uma crítica “técnica” à concorrência. Considera que o mais importante, no seu entender, consiste em levar em consideração o fato de que a atividade humana é condicionada por fatores diferentes da simples concorrência. Em relação a este ponto, Manent escreve: “(...) É permitido querer produzir em casa bens que poderiam ser adquiridos fora por um melhor preço. Esta conduta suscita a indignação dos doutrinários do liberalismo. Trata-se, em termos da teoria econômica, de uma má alocação de recursos, mas pode haver boas razões de cunho político, social, moral e mesmo econômico para fazer, dentro de certos limites, uma má alocação de recursos, ou uma alocação menos rentável, sub-optimable, como eles dizem, dos recursos”. [11]  

V - Perplexidade em face da liberdade de mercado. Segundo Manent, as condições em que funcionava a lei do livre mercado, na época de Adam Smith, são bem diferentes daquelas em que navega, hoje, a economia mundial. No século XVIII, quando o pai do liberalismo econômico formulou a sua teoria da “mão invisível”, as condições da concorrência entre os países eram bem diferentes das que vigoram hoje. Todos os possíveis concorrentes estavam em pé de igualdade. A concorrência do mercado funcionava, entre eles, como um estímulo à produção. Hoje, contudo, não é mais assim. Países com milhões de braços de trabalho disponíveis a preços ínfimos colocam os mais desenvolvidos contra a parede. De outro lado, as empresas nacionais se volatilizaram graças à globalização. As multinacionais francesas, por exemplo, produzem a maior parte dos seus produtos fora da França, enquanto os Franceses, no seu país, somente fazem três coisas: tratam da saúde, se aposentam e morrem.

A situação é, portanto, de perplexidade dos intelectuais em face desse complexo quadro. O autor registra assim a sua perplexidade: “De que maneira, países em que os custos do trabalho são tanto mais elevados porquanto incluem prestações sociais massivas, resistiriam a concorrentes cujos custos são tanto mais baixos, em virtude de a proteção social ser mais baixa ou inexistente? Creio de bom grau que é necessário acabar, como dizem os liberais, com as trinta e cinco horas, mas mesmo que trabalhássemos setenta e duas horas, nas condições atuais que nos são apresentadas como irreversíveis e inevitáveis, apenas retrasaríamos a ruína”.[12]

VI - Império e globalização. Embora Manent considere que a situação de “autarquia” (presente em países com uma economia nacional sólida, com instituições políticas independentes) não seja praticável hoje, destaca que algo de anormal acontece no mundo. Essa anomalia está associada ao divórcio entre atividade econômica e realidade política nacional. O autor constata que, do ângulo europeu, não há suficientes empregos. Mas esta situação negativa está acompanhada por outra igualmente nefasta: a energia social, no sentido amplo do termo, está acabando.

Eis a forma em que o pensador francês sintetiza a sua perplexidade: “Fico impressionado com a facilidade com que a conscrição foi abolida na França. O metabolismo da República consistia em transformar o jovem francês em trabalhador e também em defensor da pátria. Os nossos melhores especialistas, hoje em dia, trabalham no estrangeiro e os nossos soldados são, de forma semelhante, especialistas que trabalham também no exterior. Há, pois, uma separação inédita entre a energia que os membros dos diferentes países gastam fora das suas fronteiras e a energia que subsiste no interior das fronteiras. Trata-se, considero eu, do aspecto mais impactante daquilo que se chama globalização”.[13]

A globalização, frisa Manent, não é causa de si própria. Este fenômeno, “(...) para uma parte considerável, é o efeito direto e deliberado da política americana. Os Estados Unidos são um país europeu de um tipo bem peculiar”.[14] A nação europeia, no seu momento de maior força, encarou o divórcio entre energia social e quadro político próprio, mediante a colonização. Os europeus conquistaram impérios e estabeleceram a “tarifa” que deformava as condições do jogo econômico e obstaculizava a concorrência. Os críticos liberais dessa situação tinham certamente a razão. A grande prosperidade econômica europeia veio na trilha do fim dos grandes impérios coloniais.

Os Estados Unidos, considera Manent, não desenvolveram uma política colonialista: a marcha para o oeste foi, para eles, o grande empreendimento que permitiu a canalização construtiva da energia social. Uma vez consolidadas as fronteiras continentais do país, os Americanos partiram para um ousado empreendimento de conquistar mercados para os seus produtos. De forma muito hábil foram ocupando o espaço econômico aberto pelos extintos impérios coloniais europeus. Os Americanos têm feito a guerra dentro desse grande empreendimento de alargamento das suas fronteiras econômicas. Foi assim como se tornaram presentes no Vietnam (1954), no Irã (1953), no Egito (1956), seguindo depois  com o Iraque, o Afeganistão, etc. Eles forçaram o Japão a se abrir ao mundo exterior (1854), justamente quando os Europeus haviam renunciado a isso. A energia imperial americana toma o legado da energia imperial inglesa, inclusive fazendo ocasionalmente a guerra, mas renunciando (salvo o caso talvez das Filipinas) ao controle imperial direto. Este é substituído pela expansão comercial. A ordem do dia para os Americanos, ao longo do século XX, foi: To pry open-markets. Trata-se de dominar num mercado mundial aberto. Este projeto americano conheceu o seu auge nas décadas de 80 e de 90 do século passado, com o acesso ao mercado chinês, que constituiu a retomada da Guerra do Ópio, já numa escala muito maior porquanto projetada para a conquista de novos mercados.

Trata-se, no sentir de Manent, de uma “peripécia capital”, que descreve da seguinte forma: “(...) A partir da junção com a reforma econômica chinesa, assistimos à desarrumação do capitalismo americano, ou do capitalismo fordista. Em lugar de pagar altos salários capazes de comprar os produtos fabricados nos Estados Unidos, as empresas americanas tentam importar massivamente os produtos baratos que eles fabricam na China, mantendo assim, de alguma forma, o poder de compra dos salários já defasados. Mas que garrafa mágica tem sido aberta dessa forma? A transferência, para a China, das capacidades produtivas é de tal tamanho que os Americanos causaram em si próprios uma ferida profunda que não sabem como curar. Trata-se de um desequilíbrio exterior ameaçador, de uma dívida soberana em mãos da China, de um desequilíbrio interior desmoralizante. Ao longo dos últimos anos, os Estados Unidos conheceram uma oligarquização que parece incorrigível. Somos quinhentos milhões de Europeus e eles não são mais do que trezentos milhões de Americanos, mas a nossa situação está determinada pela dos Estados Unidos que é o país eixo do Ocidente e, portanto, do mundo, por algum tempo ainda”. [15]

VII - Um novo estado do mundo. Para Manent, o mundo seguiu as pegadas dos Americanos após 1917, na trilha do sucesso atingido pelos Estados Unidos nos terrenos militar, financeiro, moral, que terminou alavancando o otimismo americano, traduzido como a disposição do consumidor para se endividar e comprar os produtos do resto do mundo. Ora, o pensador francês observa que essa situação positiva mudou radicalmente, ao longo das últimas décadas. Hoje não há mais vantagens, só restando a supremacia militar. Mas esta declinou também de forma considerável. Os Americanos, constata Manent, encontram-se, hoje, largamente imobilizados num grande espectro geopolítico, econômico e financeiro. Eles experimentam uma fraqueza que se assemelha àquela que afeta aos Europeus.

O quadro desenhado por Manent não poderia ser mais desolador. Eis as suas palavras a respeito: “De qualquer forma que se interprete o fenômeno da globalização, eu vejo que os países que o promulgaram e estimularam, os Estados Unidos e a Europa, se encontram consideravelmente enfraquecidos depois de vinte anos. A globalização sob a batuta americana é o último acontecimento da colonização, ou seja da dominação ocidental do mundo. Ela encontra limites. Esse é, creio, o sentido principal da crise global que nós conhecemos e que é, de entrada, uma crise política e inseparavelmente espiritual, com o Ocidente encontrando os limites da sua capacidade de ordenar o mundo. Acabo de dize-lo, os Americanos encontram-se dispersos e imobilizados num largo front político e nós estamos dispersos e imobilizados junto com eles”.[16]

Os Europeus, considera Manent, perderam força no cenário internacional (Afeganistão, Egito) apoiando os seus protetores Americanos no limite mais exposto do mundo ocidental (no caso afegão), ou compartilhando o temor dos Estados Unidos em face da instabilidade egípcia, diante do risco de derrubada de um dos pilares em que ainda se escora a estabilidade no Meio Oriente. Seria melhor que os Europeus compreendessem o governo livre como uma transformação do regime republicano, mais do que como a preparação de um mundo sem governo ou “para além do político”. Seria melhor que se compreendessem os corpos políticos “liberais ou governados por um governo liberal” como uma realização hodierna das antigas repúblicas, mais do que como pregoeiros de um homem reconciliado além do campo político. Raymond Aron, lembra Manent, identificou a política externa americana como deflagrada pela “República imperial” [17]. A “República imperial” francesa encontrou a sua realização na Terceira República, a qual, frisa Manent, “(...) longe de ser o infeliz acidente de uma triste realidade contrária aos nossos valores, explicita mais o tipo clássico da nossa forma e do nosso regime político e, eu diria, a verdade efetiva da ordem liberal”.[18]

Pierre Manent faz um “mea culpa” em relação à denúncia por ele formulada contra a política americana. Faz isso, não pelo fato de achar que essa denúncia não deveria ter sido feita, mas porque ela põe a nu o abandono, pelos intelectuais franceses, da tradição republicana autóctone, presente na Terceira República.

Eis as suas palavras a respeito: “Ao denunciar asperamente a política americana como fomos levados a fazê-lo, estamos projetando sobre nós mesmos uma terrível falta de lucidez acerca do que somos, uma terrível falta de conhecimento de nós mesmos: estamos denunciando a última República europeia. Esforçamo-nos para negar o que fomos e aquilo que não temos mais a energia nem a coragem de ser”.[19]

VIII - O fim do domínio ocidental. O autor é pessimista em face das perspectivas que o Ocidente, presidido pelos Estados Unidos, tem no mundo atual. Considera, de outro lado, que a sua análise ancora na melhor tradição do liberalismo, expressa no pensamento de Montesquieu. Segundo este pensador, a grande inovação da modernidade consistiu na saga dos Ingleses, que repetiram o caminho percorrido pelos Romanos, ao darem ensejo a “uma feliz transformação da República romana, se convertendo no Império romano”. É o que Manent denomina de a “República liberal imperial”. Os Romanos, frisa, não tinham nenhuma prevenção contra o comércio, acerca do qual, aliás, faziam pouco caso. A “República liberal imperial”, encarnada no Império britânico, pelo contrário, fez do comércio a ponta de lança da sua penetração e da consolidação do seu poder no mundo. Ora, os Americanos herdaram dos Britânicos essa tendência.

A respeito desse processo, frisa Manent: “(...) A República comercial imperial, ao liberar e conquistar os poderes do comércio, pôde conquistar parecendo e sendo também largamente construtiva. Essa foi a grande mola, o grande segredo do liberalismo anglo-americano que tem constituído, de entrada, o eixo da história ocidental moderna e, por isso mesmo, da história da humanidade moderna. A América prolonga o movimento inglês. O Império se realizando sem nenhuma dominação explícita, o Império americano – emprego este termo sem lhe conferir nenhuma conotação polêmica ou pejorativa – o Império americano funcionando não pelo comando direto, salvo excepcionalmente como tem acontecido no Iraque em tempos recentes, mas sobretudo pelo controle das condições e dos fluxos do intercâmbio comercial”.[20]

Por um momento, lá pelo ano 2000, pensa Manent, os Americanos pareceram impor a Lei ao mundo. Mas o sonho acabou e eles se perguntam, perplexos, pelo que aconteceu. Os Europeus ficaram presos nessa armadilha de defender os interesses de um Império que se desfaz. Escreve a respeito: “(...) Nós, Europeus, combatemos sempre sobre o limes (limiar). Os Americanos o fazem cada vez com menos convicção, talvez pelo fato de, no interior deles, se acentuar a pressão de populações cuja opção pelo Império parece duvidosa”. [21]

Os Europeus ainda falam, com sinceridade, uma linguagem de defesa dos princípios liberais e democráticos. Mas talvez o façam não tanto por convicção, mas para defender “a sombra ideológica” de uma dominação que se esvai. A conclusão a que chega o pensador francês é definitivamente pessimista: “No exato momento em que os Europeus se esforçam, a meu ver tolamente, para institucionalizar a interpretação utópica e apolítica dos princípios liberais, os homens para lá do limes descobrem as reservas de poder contidas no trabalho e no intercâmbio comercial. A concorrência pura e não limitada tem sido, durante longo tempo, a porta falsa, não tão secreta, da dominação ocidental. Ela converteu-se, por uma reviravolta que para mim permanece enigmática, na justificativa para o nosso esvaziamento industrial e para a nossa mutilação moral. O recurso da nossa força converteu-se na máxima da nossa fraqueza e o argumento do nosso fracasso. Dissolvemo-nos sob o impulso do princípio que tínhamos imposto ao mundo e que continuamos a promover, como nossa mais valiosa contribuição, para o bem da humanidade. Por quanto tempo? Não sei se vocês possuem a resposta. Eu não a tenho”. [22]

Conclusão - Avaliação crítica do texto de Manent. Cinco pontos gostaria de destacar.

1 – Em primeiro lugar, a liberdade econômica não é um assunto secundário na temática liberal, como sugere Pierre Manent. Do ponto de vista do primeiro formulador do liberalismo, John Locke, o direito à propriedade, bem como a livre iniciativa no terreno econômico, é algo essencial na preservação da liberdade das pessoas.  O pensador inglês considerava que sobre aqueles (como os escravos) que carecem de propriedades, somente seria possível exercer um poder despótico, não um poder político. “O poder político – frisa – existe apenas (...) quando os homens têm a propriedade à sua disposição”.[23]O fato de Locke admitir que a propriedade de objetos naturais misturados no trabalho representasse os direitos abstratos do indivíduo, revela por que esse conceito entrou de forma tão decisiva na concepção da sociedade civil. A propriedade, para o filósofo, simboliza de maneira concreta os direitos do indivíduo, e explicita o alcance e limites dos poderes e atitudes deste. Justamente porque podem ser simbolizados sob a ideia de propriedade, ou seja, como algo que pode ser representado como diferente de si próprio, os atributos humanos (liberdade, igualdade, poder executivo da lei da natureza) podem ser objeto do seu consentimento. Não temos, segundo Locke, o poder de alienar parte alguma de nossas personalidades, mas podemos, sim, alienar aquilo “(...) com que escolhemos misturar as nossas personalidades”. [24]

A respeito deste pensamento do filósofo, frisa Peter Laslett: “Pouco importa se era exatamente isso que Locke tinha em vista; evidencia-se, daquilo que em outro lugar ele afirma sobre a sociedade civil em oposição à sociedade espiritual, que ela apenas pode se ocupar dos interesses civis, expressão que, quando examinada, parece equivaler ao termo propriedade, na acepção mais ampla que recebe no Segundo tratado. De certa forma, portanto, é através da teoria da propriedade que os homens podem passar do mundo abstrato da liberdade e igualdade, baseado na relação deles com Deus e a lei natural, para o mundo concreto da liberdade política garantida por acordos políticos”. [25]

O peso que a propriedade tem na concepção política de Locke não poderia, segundo a interpretação de alguns estudiosos como Laslett, conduzir à ideia de que ela constitui um direito natural e inalienável, à maneira de uma extensão da personalidade, como por exemplo, pensa o filósofo sueco Karl Olivecrona (1897-1980).[26]Dele diverge Laslett, para quem, na concepção lockeana, “(...) a propriedade é precisamente aquela parte de nossos atributos (...) que podemos alienar, mas, somente, é claro, por nosso próprio consentimento”.[27]O que é líquido e certo em Locke é que, através da teoria da propriedade, o homem passa do mundo abstrato da liberdade e da igualdade (fundamentado na relação dele com Deus e com a lei natural), para o mundo do dia a dia da liberdade política, garantida por acordos políticos.

2 – Falta, na versão do liberalismo de Manent, a valorização da liberdade como condição ontológica, no indivíduo, para o seu desenvolvimento como pessoa. O pessimismo de Manent em face da livre iniciativa individual insere-se, a meu ver, na tendência à “colbertização” da liberdade no pensamento de muitos autores franceses; ela passa a ser entendida como doação do Estado. Consequência dessa atitude é, no século XX, a proclamação da “morte do sujeito” no estruturalismo, ou esse pessimismo radical expresso na frase com que Sartre conclui L´Être et le néant: “L´Homme est une passion inutile”.[28] Lucien Jaume, na obra intitulada: L´Individu effacé [29]ilustrou esse clima negativo em face do indivíduo no pensamento político francês. Tal clima é, sem dúvida, consequência da herança rousseauniana que aniquilou a liberdade individual, a fim de garantir a unanimidade de todos ao redor do Legislador que encarna a “vontade geral”. Lembremos a crítica levantada por Benjamin Constant contra tal modo de pensar, que ergue a soberania popular ao rango de um poder que não tem limites e que pode invadir todos os aspectos da vida privada dos indivíduos, lhes subtraindo a liberdade.[30]

A verdadeira tradição liberal francesa não tem como eixo a Terceira República, ao contrário do que pensa Manent. Essa tradição ancora nos Doutrinários, se prolonga em Tocqueville e aflora, no século XX, com Raymond Aron e a plêiade de pensadores que fazem da defesa incondicional da liberdade o seu credo político, tendo como pano de fundo a ameaça que os totalitarismos erguem em face dela.[31] Diante do perigo que se levanta no século XXI como maior ameaça à liberdade, identificado desta vez com as ditaduras do islamismo fundamentalista, não se pode flertar com os totalitários. Esse expediente custou caro aos Franceses nas desgraças ensejadas pelos colaboracionistas da República de Vichy, ou nas componendas da política posterior à Segunda Guerra mundial, que entregaram vergonhosamente parte importante do Estado (o ministério da Função Pública) aos comunistas, como muito bem denunciou Maurice Druon na sua obra La France aux ordres d´un cadavre.[32] O problema consiste certamente no fato de a ciência social francesa ter se solidificado, já no século XIX, como apêndice de uma proposta político-ideológica em favor de um vaporoso socialismo, aproximando o legado de Durkheim, bem como o de Comte e o de Saint-Simon, da herança despótica de Marx, como Antônio Paim mostrou, com grande lucidez, na sua clássica obra Marxismo e descendência. [33]

3 – Manent insiste na perda de energia dos Franceses, atualmente, no cenário internacional, devido a uma causa externa. Essa perda deve-se, segundo ele, ao esgotamento produzido por duas Guerras Mundiais, ao longo do século XX. A respeito escreve: “ (...) Há causas gerais, mas a primeira, precisamente, é que temos despendido tantos esforços que nos encontramos fatigados. As perdas da Primeira Guerra Mundial fizeram com que o ardor, não apenas dos soldados, mas também do comando,  não fosse o que deveria ter sido no início da Segunda Guerra mundial. Neste desencadeamento de forças, houve um desperdício e chega um momento em que os recursos energéticos são limitados; é necessário escolher. Após a experiência de duas guerras mundiais os Franceses fizeram ainda duas guerras coloniais extremadamente duras, na Indonésia e na Argélia. Retrospectivamente, é uma das coisas que mais me surpreende, pois mesmo que a ideia de guerra hoje nos pareça uma esquisitice antropológica e o colonialismo um horror ontológico, o fato de a França de 1947 se engajar em guerras coloniais ou na manutenção do Império prova, de qualquer forma, a força desse dispositivo que tenho tratado de reconstituir rapidamente”.[34]

Mas a causa real da perda da energia espiritual francesa situa-se, antes, no aniquilamento do indivíduo efetivado pelos Philosophesdo século XVIII, notadamente por Jean-Jacques Rousseau, pai doutrinário do totalitarismo hodierno. Justamente por não acreditarem nas forças do indivíduo, na sua criatividade e na liberdade individual, muitos intelectuais franceses perdem-se na busca de uma salvação que virá não se sabe de onde ou, mais trágico ainda, de uma redenção que termina sufocando a liberdade na reedição do pensamento totalitário.

Manent escreve em relação a este ponto: “(...) O enfraquecimento é, pois, devido ao desperdício de energia e a todos esses fenômenos que os sociólogos têm descrito e que Tocqueville já descrevia: o poder do conforto, a melhoria das condições de vida, os prazeres privados, o enfraquecimento dos compromissos coletivos... Mas tudo isso não vem à superfície senão nos anos 1960-1970, quando os grandes projetos coletivos se debilitam progressivamente. Há, se ouso dizê-lo, um começo de dissipação energética que está a caminho. De resto, os fatores de enfraquecimento são perceptíveis por todos. Não é necessário insistir acerca do fator demográfico. E, além do mais, permanece este imponderável espiritual que é o sentimento de que, no fundo, já temos dito tudo quanto deveríamos dizer; esperamos, sempre, que a renovação chegue de algum lugar, quer seja este lugar a revolução proletária ou a revolução cubana, ou agora não sei o que, pode ser a revolução islâmica. Essas coisas são bem decisivas, mas não são suscetíveis de uma formulação científica”. [35]  

Concepção que é paradoxalmente colonialista no seguinte sentido: os Franceses devem buscar a sua salvação fora do seu âmbito cultural, preferencialmente entre aquelas culturas que negam os valores apregoados pelo Ocidente cristão. Contrasta com este pessimismo a visão liberal de Aron, de moderado otimismo e de defesa incondicional da liberdade. No que tange ao segundo ponto, a fé inabalável na liberdade, Aron considera que o cientista social e o historiador devem partir, sempre, do pressuposto básico da civilização ocidental, o homem como ser consciente e livre. [36] É interessante destacar que essa pressuposição está presente, no seio da filosofia de Ocidente, mesmo entre aqueles que levantam a sua voz contra a liberdade humana: não se nega com tanto afinco senão aquilo que é tão evidente para todos nós. A respeito, frisa Aron: "Por que se mantém com tanta energia essa permanência do homem, palavra que ganha, na boca dos incrédulos, uma ressonância solene e como que sagrada? Sem dúvida pretende-se salvar um dos elementos da herança cristã, fundamento da democracia moderna, o valor absoluto da alma, a presença em todos de uma razão idêntica. Ao mesmo tempo, espera-se desvalorizar as particularidades de classe, de nação e de raça, a fim de chegar a uma reconciliação total dos homens, em si mesmos e de uns para com os outros". [37]

Em face ou dos pessimismos radicais que invadiram o século XX, ou do excesso de otimismo que fez enxergar uma idade de ouro à luz dos "30 gloriosos anos" do welfare state americano e europeu ocidental, Aron situa-se num termo meio de otimismo moderado: acredita na possibilidade de o homem construir um projeto que respeite a liberdade e a dignidade, conservando os progressos econômicos e técnicos feitos, sem por isso negar os riscos que pendem sobre a Humanidade. "Pessoalmente, e vocês não ficarão inteiramente surpresos, - frisa o pensador no seu depoimento na Universidade de Brasília - eu não estou de acordo nem com o otimismo de Hermann Kahn nem com o pessimismo do Clube de Roma. Se eu tivesse um revólver na cabeça e fosse obrigado a escolher entre os dois, eu escolheria o otimismo de Hermann Kahn. Se é preciso escolher, prefiro a versão otimista à versão pessimista, e creio que é o mais provável, e creio ainda que é uma situação baseada em melhores argumentos. Dito isto, de qualquer maneira são perspectivas a longo prazo e pessoalmente eu tomaria uma posição intermediária: não advogo nem o happy endnem o paraíso econômico, e descarto neste instante a hipótese da catástrofe total em função da penúria generalizada".[38]

4 – Adoção, por Manent, de uma concepção mercantilista da economia internacional, abandonando a visão macroeconômica iniciada por Adam Smith. A crítica do pensador francês em face da hodierna economia de mercado parte do pressuposto que entende o jogo econômico como soma zero: se alguém se enriquece é porque roubou de outrem. Ora, tal concepção anacrônica situa-se no contexto do mercantilismo e não é raro encontra-la entre os críticos de esquerda que esconjuram o liberalismo. Essa concepção distancia-se da proposta macroeconômica formulada por Adam Smith: para se enriquecer alguém não precisa roubar de outrem; deve, pelo contrário, produzir a riqueza, fazendo florescer a sua criatividade individual, bem como o seu trabalho. A crítica de Manent pressupõe que o comércio internacional empobrece alguém e que esse alguém são os Franceses! Visão colonialista que, certamente, não se coaduna com uma concepção macroeconômica liberal. É uma tese que peca pela sua infantilidade matemática: se os que ganham com o comércio mundial surrupiaram essas riquezas, é de se presumir que elas estivessem, antes, em mãos dos que foram delas despidos. Não se pensa que tais riquezas possam ter sido produzidas. As bilionárias riquezas do comércio internacional foram retiradas brutalmente dos despossuídos! Tese que põe a descoberto outra pérola do pensamento político rousseauniano: o ressentimento. A sociedade é culpada pelo fracasso dos indivíduos, ou as nações mais desenvolvidas são culpadas pela pobreza das que não atingiram esse patamar.

5 – Concepção sociológica que indica uma causa única para os fenômenos sociais. Ao indicar a globalização comercial produzida pelos Americanos, como causa fundamental para a crise que o mundo enfrenta, Pierre Manent termina caindo na hipótese do monocausalismo em ciências sociais. Ora, a verdade é que não existem causas únicas. Há um conglomerado delas, no contexto da complexidade das sociedades. Identifica-las monograficamente, eis o papel das ciências sociais. Essa é, aliás, a tese fundamental da escola culturalista brasileira fundada por Sílvio Romero e retomada por Oliveira Vianna. Posição bem diferente, por exemplo, do monocausalismo professado pelos cientistas sociais de inspiração marxista, que pretendem reduzir tudo ao confronto entre opressores e oprimidos. A posição de Manent fica bem próxima destes, ao identificar o livre comércio como causa básica para os problemas do mundo globalizado. A consequência prática dessa posição é a ideologização das ciências sociais, ao redor de uma proposta que visa a instaurar o regime socialista como solução mágica para todos os problemas. A ciência social na França que sofreu, como a brasileira, esse tipo de simplificação, terminou desaguando na proposta de um vago socialismo que, a julgar pelas dificuldades com que atualmente se defrontam os partidos no poder, em ambos os países, parece se aproximar do imperativo pouco interessante que inspirava ao ditador português Salazar: “vamos empobrecer em ordem”.
Contrasta com essa entropia epistemológica a rica variedade aberta pelas ciências sociais no contexto anglo-saxão. Para interpretar a complexidade com que se defronta, do ângulo econômico, o mundo globalizado, vale lembrar as hipóteses levantadas por cientistas como Samuel Huntington [39] ou Francis Fukuyama, [40]que apontam para a elaboração de tipologias que, tentando traduzir as múltiplas variáveis que se entrecruzam na realidade, oferecem um cardápio de teorias que melhor explicam o que acontece atualmente no mundo, sem apelar para soluções miraculosas, e conservando, sempre, os olhos abertos para a realidade, fugindo de simplificações ideológicas.




Bibliografia citada

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[1] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”. In: Commentaire, nº 141 (Primavera de 2013): p. 91-103.
[2] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 91.
[3] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit.,  p. 91.
[4] SCHMITT, Carl. La notion de politique. Théorie du partisan. (Tradução francesa de M. L. Steinhauser). Paris: Flammarion, 1992.
[5] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 92.
[6] ARON, Raymond. “États démocratiques et États totalitaires” (1939), in: ARON, R. Penser la liberté, penser la démocratie, Paris: Gallimard, 2005.
[7] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 93.
[8] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 93.
[9] No meu modo de entender, Manent comete, aqui, uma injustiça com os doutrinários. Refiro-me aos precursores de tal filosofia, notadamente Jacques Necker, Madame de Staël e Benjamin Constant. Para eles, a liberdade econômica não pode se sobrepor ao bem comum, caindo no fosso de um utilitarismo egoísta. Nesse contexto lembremos as críticas levantadas por Necker contra os fisiocratas que, nas vésperas da Revolução Francesa, agravaram terrivelmente a fome da população, ao considerarem o trigo uma simples commodity, sem levar em consideração o impacto que a sua falta produziria na sociedade. Tratava-se, segundo pensava Necker, de um bem estratégico, cuja distribuição deveria ser garantida pelo rei para evitar males maiores. As consequências da tresloucada política dos fisiocratas são conhecidas pelos historiadores: o rei, literalmente, perdeu a cabeça... Também poderia entrar, dentro desta reflexão, o conceito tocquevilliano de “interesse bem compreendido”, que se contrapõe ao de interesse individual puro. Cf., da minha autoria, O liberalismo francês: a tradição doutrinária e a sua influência no Brasil. (Juiz de Fora: Núcleo de Estudos sobre Madame de Staël e o Liberalismo Doutrinário, 2002). Edição digital do Instituto de Humanidades: http://www.institutodehumanidades.com.br/arquivos/o_liberalismo_frances_trad_doutrinaria.pdf
[10] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 93-94.
[11] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 94.
[12]MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit.,  p. 94.
[13]MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art.  cit., p. 95.
[14]MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art.  cit., ibid.
[15]MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 96.
[16]MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., ibid.
[17] Manent faz referência, aqui, à obra de Aron intitulada: République imperiale. Les États-Unis dans le monde (1945-1972), Paris: Calmann-Lévy, 1973.
[18] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 97.
[19] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 97.
[20] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 97.
[21] MANENT, Pierre, “La crise du libéralisme”, art. cit., ibid.
[22] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 98.
[23] LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. (Tradução de Julio Fischer; introdução de Peter Laslett). São Paulo: Martins Fontes, 1998, II, § 174, p. 541.
[24] LASLETT, Peter. “Introdução”. In: LOCKE, John, Dois tratados sobre o governo. Ob. cit., p. 150.
[25]LASLETT, Peter. “Introdução”. In: LOCKE, John, Dois tratados sobre o governo. Ob. cit., p. 150-151.
[26] Cf. OLIVECRONA, Karl. “Locke on the Origin of Property”.  In: Journal of the History of Ideas, XXXV, 2. Cit. por Peter Laslett, in: “Introdução”, in: LOCKE, Dois tratados sobre o governo, ob. cit., p. 151.
[27] LASLETT, Peter. “Introdução”. In: LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Ob. cit., p. 150, nota 15.
[28] SARTRE, Jean-Paul. L´Être et le néant. Essai d´Ontologie phénomenologique. Paris: Gallimard, 1976.
[29] Cf. JAUME, Lucien.  L’Individu effacé, ou le paradoxe du libéralisme français. Paris: Fayard, 1997.

[30]Cf. CONSTANT, Benjamin. Principios de política. (Tradução ao espanhol a cargo de Josefa Hernández Alonso; introdução de José Alvarez Junco). Madrid: Aguilar. 1970. Foi consultada, também, a edição francesa intitulada Principes de Politique applicables à tous les Gouvernements (version de 1806-1810).(Prefácio de Tzvetan Todorov, introdução de Etienne Hofmann). Paris: Hachette, 1997.
[31] É longa a lista desses pensadores. Apenas para lembrar os nomes de alguns deles poderia mencionar  a Jean-Claude Lamberti, Françoise Mélonio, Raymond Boudon, Alain Peyreffitte, Jean-François Rével, François Bayrou, etc.
[32] DRUON, Maurice. La France aux ordres d´un cadavre. Paris: Éditions Fallois / Rocher, 2000.
[33] PAIM, Antônio. Marxismo e descendência. Campinas: Vide Editorial, 2009.
[34] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., p. 103.
[35] MANENT, Pierre. “La crise du libéralisme”, art. cit., ibid.
[36] ARON, Raymond. Introduction à la Philosophie de l'histoire - Essai sur les limites de l'objectivité historique. Paris: Gallimard, 1948, p. 346.
[37] ARON, Raymond. Introduction à la Philosophie de l'histoire - Essai sur les limites de l'objectivité historique. Ob. cit., p.343.
[38] ARON, Raymond. "Raymond Aron por ele mesmo" (I) e (II). In: Raymond Aron na Universidade de Brasília - Conferências e comentários de um simpósio internacional realizado de 22 a 26 de setembro de 1980. (Edição organizada por Carlos Henrique Cardim, Antônio Carlos Ayres Maranhão, Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes e outros).  Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981: pg. 79.

[39] Cf. HUNTINGTON, Samuel. The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century (1991) . The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order (1996). Publicada no Brasil como O choque das civilizações e a recomposição da nova ordem mundial. Rio de janeiro: Objetiva, 1997.

[40] Cf. FUKUYAMA, Francis. The Origins of Political Order (2011). Tradução brasileira: As origens da ordem política: dos tempos pré-humanos até a Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2013, 590 páginas. Antônio Paim escreveu recentemente ampla análise desta obra. Cf. “A origem da ordem política segundo Francis Fukuyama”, in:  http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/OOPSFF.pdfde 

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Fim do populismo na politica brasileira? - Ricardo Velez-Rodriguez

Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 23 Junho 2013

Se vivo fosse, o general Golbery, o engenheiro da abertura nos anos oitenta do século passado, teria escrito no seu diário, após assistir pela TV às enormes manifestações dos jovens no Rio e em outras cidades brasileiras, neste final de outono e início de inverno de 2013: “é o fim do populismo”. Lembremos que o esclarecido militar escreveu no seu diário, após as passeatas e assembléias que se desenvolveram por todos os cantos do Brasil pedindo as Diretas Já: “é o fim do regime militar”. Só um louco poderia fazer ouvidos moucos diante dos milhões de pessoas protestando nas ruas, de forma pacífica, como tem acontecido nas últimas semanas pelo país afora. O Brasil custa a acordar. Mas, quando acorda, vira gigante que deixa no ar as suas mensagens, esquecidas pelos políticos e pela burocracia governamental. Aconteceu isso no movimento das “Diretas Já” (nos anos oitenta), nas manifestações populares que colocaram para fora o corrupto governo Collor e sua gangue (nos anos noventa). E está acontecendo a mesma coisa neste movimento pacífico de jovens de classe média, que percorrem alegremente praças e avenidas das cidades brasileiras, portando mensagens que, segundo os manifestantes, permanecem distantes dos partidos políticos. Manifestações multitudinárias que se caracterizam pela tranqüilidade e que terminam levando às ruas a pessoas de todas as idades. É importante e essencial para a sobrevivência de quem faz política ter o esclarecimento necessário para escutar a mensagem das ruas. O que é que a sociedade brasileira tem a dizer nas suas passeatas?

Os novos "caras pintadas" se organizaram nas redes sociais para mostrar ao governo que nem tudo está aparelhado pelos petralhas neste país. Gilberto Carvalho, no início do ano, dizia que "o bicho vai pegar". E está pegando. Só que está pegando no pé de quem esperava se beneficiar espertamente com a força das ruas e dos movimentos sociais. Militantes de partidos de esquerda e alguns sindicalistas simpáticos ao governo tentaram se somar à onda cívica, mas foram colocados para fora como oportunistas. Uma minoria de alucinados, que a polícia está identificando e prendendo, tentou desmoralizar com a sua barbárie a pacífica manifestação do milhão e meio de brasileiros que saíram às ruas. Mas foram identificados e isolados. São lamentáveis as cenas de vandalismo que essa minoria protagonizou. Contudo, isso não conseguiu silenciar as legítimas reivindicações dos manifestantes. O movimento ficou fora do controle dos estrategistas do governo e está dando ensejo às reivindicações da classe média, esquecida pelo Palácio do Planalto, do alto da prepotência de um partido que imaginou ter carta branca, ao longo destes dez anos, para colocar o partido acima do Brasil.

A voz das ruas, explicitada nos cartazes e na alegre voz dos manifestantes, tem deixado clara a sua mensagem. Chega de “bolsa-tudo-que-é-coisa” paga sem transparência com o dinheiro do contribuinte! Chega de corrupção! Chega de vigarice de políticos profissionais que não representam os interesses do eleitor, mas que se beneficiam com o dinheiro público! Chega de gastança federal, estadual e municipal com essas obras para eventos esportivos que nunca acabam e que custam cada vez mais! Chega de péssimos serviços públicos de transporte, educação, segurança pública, saneamento e saúde! Chega de um regime tributário injusto, que penaliza os que trabalham e criam empregos! “Chega de pão e circo"! Assim rezava o cartaz de um jovem manifestante em Belo Horizonte. Chega das tentativas do partido do governo para tentar inviabilizar a atividade do Ministério Público, na vergonhosa Proposta de Emenda Constitucional 37! Essas parecem ser as principais reivindicações. Certamente são lamentáveis os atos de vandalismo, causados por baderneiros infiltrados, que estão sendo enquadrados pelas autoridades. São lamentáveis, também, os excessos das forças policiais em algumas cidades. Mas as manifestações massivas estão aí e, certamente, conduzirão a mudanças profundas na política brasileira. Após este movimento de fim de outono o Brasil não será mais o mesmo.

Para além das reivindicações de serviços públicos de qualidade, a voz dos manifestantes explicitou um grito de patriotismo, que ficou preso nas gargantas dos cidadãos ao longo destes anos de cinismo oficial. “O meu partido é o Brasil”, rezava o cartaz de um jovem manifestante. O entusiástico coro dos que cantavam o Hino Nacional contrastava com o silêncio perplexo dos políticos que foram surpreendidos com a manifestação cívica das ruas. A classe média tornou-se porta-voz desse grito engasgado que clama por decência e que apregoa a volta aos valores do patriotismo, esquecido nas negociatas de políticos com empreiteiras e de governantes corruptos que se vangloriam dos seus malfeitos e que, cinicamente, reconduzem à vida pública, figuras condenadas pela Justiça. A era do lulopetismo, contaminada pelo modelo da antiética do herói sem nenhum caráter, foi colocada no pelourinho da crítica cidadã. Os jovens manifestantes querem sentir orgulho do seu país. Essa classe média, vilipendiada por intelectuais chapa-branca como refém do autoritarismo e do atraso, saiu às ruas apregoando o seu orgulho de ser brasileira.


Muita coisa deverá ser feita no âmbito do Estado, para colocar em sintonia a voz das ruas com as instituições republicanas. Quem se recusar a fazê-lo, colherá resultados negativos nas próximas eleições. A primeira coisa é renovar a representação. A reforma política é essencial e deve ser colocada em pauta. Sem a esperteza gramsciana de dirigir todo o esforço para fazer do partido do governo o ator hegemônico da vida republicana.

sábado, 15 de junho de 2013

Dez anos de "governos" lulo-petistas - Ricardo Velez-Rodriguez

Dez anos de lulopetismo 
RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ *
O Estado de S. Paulo, 5 de junho de 2013

Passada uma década de exercício do governo pelo Partido dos Trabalhadores (PT), é possível fazer uma avaliação das suas realizações e fracassos, à luz do que os anglo-americanos chamam de "a prova da história".
O Partido dos Trabalhadores chegou ao poder com duas cartas de navegação. Uma, inspirada num modelo social-democrático e elaborada rapidamente por recomendação dos marqueteiros políticos de Lula, tendo sido publicada com o título de Carta ao Povo Brasileiro, ou simplesmente Carta do Recife, em junho de 2002. Outra, datada de dezembro de 2001, é denominada de Carta de Olinda, escrita nos laboratórios da direção do Partido dos Trabalhadores, sob a influência de José Dirceu e com a aprovação de Lula. Nela, a militância do partido deixava claro o modelo de governo que pretendia pôr em prática: um socialismo estatizante inspirado no regime cubano e próximo do ideal bolivariano que Hugo Chávez buscava implantar na Venezuela.
Na Carta ao Povo Brasileiro, elaborada pelos assessores de marketing eleitoral de Lula, sob a coordenação de Antonio Palocci (que logo depois seria ministro da Fazenda do primeiro governo Lula), ficava claro que o candidato petista, caso fosse eleito presidente da República, honraria os contratos internacionais assinados pelo Brasil, manteria o regime democrático de liberdades e de tripartição de poderes, respeitando a Constituição vigente, a rotatividade do poder entre os partidos, bem como a economia de mercado e os marcos da política macroeconômica fixados no Plano Real e implementados nos dois governos social-democráticos de Fernando Henrique Cardoso. Seriam respeitados os tratados internacionais, bem como a gestão democrática da política externa administrada pelo Itamaraty, seguindo a tradição de não intervenção na política interna dos outros países e o convívio pacífico do Brasil com as demais nações. A classe média foi conquistada pela Carta ao Povo Brasileiro.
Contrariamente ao que tinha ocorrido nas eleições presidenciais anteriores (de 1990, 1994 e 1998), a opinião pública deu decisivo apoio ao candidato Lula. Nos seus programas eleitorais anteriores, ele tinha apresentado plataformas inspiradas num modelo de socialismo à maneira cubana, polarizadas pelo marxismo-leninismo. A Carta de Olinda repetia esse modelo. A duplicidade de "cartas de navegação" somente se revelaria à opinião pública após a posse de Lula em 2003, mais concretamente depois da divulgação do affaire do "mensalão", em 2005, e serviria sempre como uma espécie de chantagem do partido sobre a opinião pública, com o governo ameaçando colocar na rua os "movimentos sociais" para efetivar reformas radicais.
O que os petistas procuravam, segundo a Carta de Olinda, era, em primeiro lugar, no terreno econômico, instaurar um sistema produtivo de tipo socialista centrado na intervenção direta do Estado como empresário. Isso implicava a escolha, por cooptação, daqueles empresários que deveriam ser os "campeões de bilheteria" e a aproximação direta do governo com o povão, mediante políticas sociais distribuidoras de renda, mantendo numa espécie de limbo a classe burguesa identificada como inimiga dos pobres. Ponto-chave das políticas sociais petistas foi o programa Bolsa Família. Era a reedição do velho modelo elaborado pelo Marquês de Pombal, na segunda metade do século 18, e que o primeiro-ministro português recomendava pôr em prática no Brasil ao seu sobrinho governador do Maranhão.
Nestes dez anos de governo petista, observa-se que o partido sob o comando do Lula foi se afastando aos poucos do programa social-democrático original expresso na Carta ao Povo Brasileiro para se alinhar com a Carta de Olinda, num crescente fortalecimento do Executivo sobre os demais poderes públicos e com um claro estatismo na área econômica.
O principal programa da área social, o Bolsa Família, se bem beneficiou 50 milhões de brasileiros pobres, tornou-os reféns da dádiva oficial, ao ter ficado em segundo plano a geração de empregos que garantissem a continuidade da saída da pobreza. A angústia vivida pelos beneficiários desse programa nas últimas semanas, diante do boato de que o benefício seria cortado, revela a sua precariedade. O mecanismo institucional que tornou possível financiar os empresários cooptados foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com operações de financiamento pouco transparentes, que abrem a porta ao desperdício do dinheiro público e à corrupção. O "mensalão" revelou a face perversa do estatismo na área política, com o Executivo comprando o apoio da base aliada num esquema de corrupção jamais visto. Foi conferido um caráter mais político do que técnico a uma próspera estatal como a Petrobrás, descapitalizando-a e afastando o País da autossuficiência energética.
O que, no fundo, inspirou os petistas não foi o reforço ao capitalismo, mas a construção do que eufemisticamente se chama de "capitalismo de Estado", que, em realidade, não é mais do que o reforço ao patrimonialismo, com a volta da inflação. O PT busca tornar-se um partido hegemônico, constituindo-se, sob a inspiração da filosofia gramsciana, como o "novo príncipe" da política brasileira.
Em conclusão: o Brasil passou a viver, na última década, uma espécie de esquizofrenia política proveniente da duplicidade de programas em conflito, adotados pelas duas cartas de navegação referidas. Um programa que conduziria ao reforço do modelo social-democrático está sendo socavado por outro, de índole declaradamente patrimonialista. Esse é o mal que, a meu ver, atrapalha hoje em dia a administração petista.


* RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ É MEMBRO DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS ‘PAULINO SOARES DE SOUSA’, DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA (MG), É PROFESSOR EMÉRITO DA ECEME. E-MAIL: RIVE2001@GMAIL.COM.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Rocinante Filosofo, ou melhor Ricardo Vélez-Rodríguez (periodizacao filosofica na AL)


Ricardo Vélez-Rodríguez
Rocinante, 12/05/2013

Pode-se estabelecer uma periodização que abarque os principais momentos da evolução das idéias filosóficas na América Latina,[1] se atendermos ao critério formulado por Miguel Reale e Antônio Paim, consistente em reconhecer que a criação filosófica decorre, na modernidade, mais da discussão de problemas do que da formulação de perspectivas ou da construção de sistemas.[2]

Efetivamente, a meditação filosófica na América Latina obedeceu à discussão de determinados problemas, que dominaram ao longo dos seguintes períodos: 1 - o colonial, 2 - o da independência das metrópoles européias (até 1830, aproximadamente), 3 - o da consolidação das instituições republicanas (na América espanhola), ou imperiais e republicanas (no Brasil), até fins do século XIX e 4 - o correspondente ao século XX.

1 - Período colonial. Estende-se de 1492, data da descoberta da América, até fins do século XVIII. Nele, a problemática filosófica marcante, na meditação latino-americana, corresponde ao chamado por Luís Washington Vita de “saber de salvação”. Este consiste na formulação de uma antropologia e de uma ética à luz da perspectiva transcendente,[3]concebida no contexto dogmático da Segunda Escolástica espanhola e portuguesa, pautada cartorialmente pela “Ratio Studiorum” (1598) que, no sentir de Fidelino de Figueiredo, constituiu uma autêntica “alfândega cultural” sobre o mundo ibero-americano. Representantes desse período foram, no contexto brasileiro, Nuno Marques Pereira, autor no século XVIII do Compêndio narrativo do peregrino da América e do lado hispano-americano o frade Alonso de la Vera Cruz, que elaborou, em meados do século XVI (1554), na Real e Pontifícia Universidade do México (criada em 1551), o primeiro Tratado de Filosofia na América. Outros autores hispano-americanos de nomeada no século XVI foram os padres Bartolomeu de Ledesma, Pedro Ortigosa, Antonio Rubio, Antonio Arias, Alfonso Guerrero, Jerónimo de Escobar, Juan Martínez de Ripalda, etc., que no ensino universitário desenvolveram, no México e na Nueva Granada, as teses fundamentais da Segunda Escolástica.

Ponto central da meditação filosófica do período era a justificativa da evangelização dos aborígenes, no contexto da mais ampla ação de conquista predatória desfraldada pelos Impérios espanhol e português. Isso não impediu, no entanto, que críticas fossem endereçadas pelos pensadores do período à cupidez dos conquistadores, que contrariava o direito consuetudinário castelhano e as Leis de Índias, merecendo serem lembradas aqui as consignadas nos Sermões do padre Antônio Vieira e nos escritos do padre Bartolomé de Las Casas.

2 - Período correspondente à Independência. Um problema básico é o relativo à fundamentação das lutas em prol da libertação dos novos países em face das antigas metrópoles. Três fontes teóricas passaram a inspirar a meditação latino-americana do período no terreno político: a da Segunda Escolástica, que no tocante à discussão dos fundamentos da soberania popular, alicerçava-se na obra De legibus ac de Deo legislatore (1613) do jesuíta espanhol  Francisco Suárez; a do democratismo formulado nas obras de Jean-Jacques Rousseau, A origem da desigualdade entre os homens (1753) e Do contrato social (1762), que inspiraram amplamente a Revolução Francesa; por último, a do governo representativo tematizado por John Locke no seu Segundo tratado sobre o governo civil (1689) e pelos ideólogos anglo-americanos autores de O Federalista (1787).

É bem verdade que as idéias do liberalismo anglo-americano não penetraram diretamente no universo latino-americano, sendo definitiva a ação e o pensamento dos denominados doutrinários franceses (Royer Collard e François Guizot, notadamente), bem como dos precursores destes (Henry-Benjamin Constant de Rebecque e Madame de Staël), como destacou, com muita propriedade, o pensador espanhol José Ortega y Gasset.[4] 

Os prolegómenos das lutas de independência na América espanhola foram animados, em boa medida, pela meditação da Segunda Escolástica. Não há dúvidas quanto à inspiração em Francisco Suárez, por exemplo, dos conjurados hispano-americanos do final do século XVIII (nas revoltas dos denominados “comuneros” na Nueva Granada e alhures), bem como dos “conjurados mineiros” no Brasil do mesmo período, dos precursores da independência neo-granadina Camilo Torres e Antônio Nariño, ou das reivindicações independentistas e libertárias do padre Hidalgo, no México.

Já os processos de independência sofreram, paulatinamente, a influência quer do democratismo rousseauniano (que constitui, por exemplo, o cerne do pensamento político de Simón Rodríguez e do seu discípulo, o Libertador Simón Bolívar, bem como dos liberais radicais brasileiros frei Caneca e Cipriano Barata), quer da teoria lockeana do governo representativo (que animou, por exemplo, ao general colombiano Francisco de Paula Santander e, principalmente, ao grande teórico luso-brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira,  que formulou as bases da prática parlamentar do Império brasileiro, na obra intitulada: Manual do cidadão num governo representativo, de 1834).

A discussão das bases teóricas da libertação em face das metrópoles espanhola e portuguesa abrangeu, no caso brasileiro, significativo trabalho teórico, em que estava presente uma metafísica formulada em bases modernas, aberta à idéia de sistema (como é o caso das Preleções filosóficas de Silvestre Pinheiro Ferreira, de 1813). A filosofia deste autor permitiu a superação do cientificismo embutido no empirismo mitigado, que constituiu a doutrina imperante em Portugal no ciclo pombalino e no Brasil, nos primórdios do século XIX. Já na América espanhola prevaleceu, no período, a influência do utilitarismo de Jeremy Bentham, bem como a filosofia de Destutt de Tracy que, junto com Condillac, foi adotado como texto oficial em Santa Fé de Bogotá, a partir de 1825.

3 - Período de consolidação das instituições. Entre 1830 e o final do século XIX formularam-se filosofias que permitiram a consolidação das novas instituições. No Brasil, as principais contribuições foram as de Domingos Gonçalves de Magalhães e Eduardo Ferreira França que, alicerçados no ecletismo espiritualista de Maine de Biran e Victor Cousin, deitaram as bases antropológicas para justificar o exercício da liberdade e fundamentar a idéia de Nação no Segundo Reinado (1841-1889).

No contexto hispano-americano, as instituições se consolidam parcialmente ao ensejo da discussão da filosofia liberal, em contraposição ao democratismo rousseauniano e ao tradicionalismo. Radicais como Ezequiel Rojas contrapõem-se, na Nueva Granada, por exemplo, a liberais moderados como José Maria Samper ou a tradicionalistas recalcitrantes como Sergio Arboleda. Ao contrário do que aconteceu na América portuguesa, a América espanhola não conseguiu formular uma filosofia que inspirasse a prática da representação e que permitisse dar estabilidade às novas Repúblicas, que se esfacelaram em guerras civis sem fim. Desenvolveu-se aguda discussão em torno ao binômio: herança ibérica - atraso, bem semelhante à efetivada, em Portugal, pela Geração de 70, nas memoráveis Conferências do Cassino. Os principais autores que tomaram parte nessa polêmica foram os chilenos Esteban Echeverría, José Victorino Lastarria e Francisco Bilbao e os pensadores argentinos Domingo Faustino Sarmiento e Juan Bautista Alberdi.

Mas seria o positivismo, tanto no Brasil republicano (a partir de 1889), quanto na América espanhola, a doutrina que inspirou a síntese filosófica que deu alicerce às instituições, a partir de 1870. Os principais teóricos dessa corrente foram J. Alfredo Pereira (Argentina), José Ingenieros (Uruguai), Enrique José Varona (Cuba), Miguel Lemos, Teixeira Mendes, Luís Pereira Barreto, Benjamin Constant Botelho de Magalhães e Júlio de Castilhos (Brasil), Gabino Barreda, Justo Sierra e Porfirio Díaz (México), González Prada (Peru), Lisandro Alvarado e Samuel Darío Maldonado (Venezuela), os irmãos Lagarrigue (Chile) e Rafael Núñez (Colômbia). Em geral, a versão do positivismo que prevaleceu na América Latina foi uma heterodoxa mistura entre caudilhismo e comtismo, de que são manifestações claras o castilhismo brasileiro e o porfirismo mexicano.

O final do século XIX conheceu importante reação ao positivismo em vários países. Assim, encontramos as contribuições de Tobias Barreto e Sílvio Romero (fundadores, no Brasil da Escola do Recife), Coriolano Alberini e Alejandro Korn (Argentina), José Vasconcelos e Antonio Caso (México), Alejandro O. Deustua (Peru), Fernando González Ochoa e Danilo Cruz Vélez (Colômbia), etc. Em geral, essas reações criticam, no positivismo, o seu conteúdo cientificista, bem como a feição caudilhista dos regimes surgidos à sua sombra.

4 - Período correspondente ao século XX. Muito variadas são as correntes desenvolvidas pelos pensadores latino-americanos neste período. Mais do que mencioná-las exaustivamente, podemos fazer referência a alguns autores, bem como aos problemas discutidos. A questão da fundamentação do conhecimento e da liberdade numa perspectiva transcendental, herdeira do criticismo kantiano, foi a tarefa de que se desincumbiu a Escola do Recife, no Brasil, no final do século XIX. Tal vertente ensejou, na centúria subseqüente, a meditação culturalista, corrente da qual os mais importantes expoentes são Miguel Reale, Djacir Menezes, Antônio Paim, etc.

No contexto da discussão acerca dos fundamentos transcendentes da pessoa, podemos destacar a contribuição dada pelo argentino Francisco Romero. Tributário do vitalismo de Dilthey e da axiologia de Scheler, Romero define a pessoa como “absoluta transcendência”. Na trilha da tradição humanista ocidental, Daniel Cossío Villegas assume, no México, a defesa de uma antropologia condizente com a dignidade da pessoa, notadamente no que tange aos desdobramentos dessa concepção no terreno político, com uma crítica bastante bem fundamentada à tradição positivista e clânica do poder. Numa posição próxima à do culturalismo de Miguel Reale, o pensador argentino Carlos Cossio é uma das principais figuras hispano-americanas no terreno da filosofia do direito, especialidade em que se destaca, outrossim, o mexicano Recasens Siches. Outros pensadores de nomeada são os argentinos Risieri Frondizi, Angel Vasallo, Alberto Rougés, Carlos Astrada, A. Sánchez Reulet, Rafael Virassoro, Eugenio Pucciarelli, etc.

No tocante à fundamentação da idéia de pessoa numa perspectiva neotomista, podemos mencionar os argentinos Arturo Derisi, Juan Sep0ich e Emílio Gourian; os brasileiros Jackson de Figueiredo, Geraldo Van Acker, Urbano Zilles e Alceu amoroso Lima (que adotou o pseudônimo de Tristão de Athayde); o chileno Clarence Finlayson e os colombianos Rafael María Carrasquilla, Manuel José Sierra, José Vicente Castro Silva, Francisco José González, Félix Henao Botero e Francisco Rengifo.

No terreno do neopositivismo sobressaem, no Brasil, as figuras de Pontes de Miranda e Leônidas Hegenberg. Filosofias espiritualistas são formuladas pelo brasileiro Farias Brito e pelo colombiano Luis López de Mesa. O existencialismo heideggeriano inspira, de outro lado, a perspectiva hermenêutica do pensador português, radicado em Brasília, Eudoro de Souza, do brasileiro Vicente Ferreira da Silva, do peruano Wagner de Reyna e do colombiano Carlos Bernardo Gutiérrez.

Os mais importantes historiadores contemporâneos das idéias são os brasileiros Antônio Paim, Luís Washington Vita, Miguel Reale, Armando Correia Pacheco, João Cruz Costa e Jorge Jaime de Souza Mendes; os argentinos Juan Carlos Torchía Estrada e Arturo Andrés Roig; os mexicanos José Gaos, Leopoldo Zea e Antonio Ibargüengoitia Chico; o uruguaio Arturo Ardao; o boliviano Guillermo Francovich; os peruanos Augusto Salazar Bondy e Francisco Miró Quesada; o equatoriano Francisco Olmedo Llorente; os venezuelanos Ernesto Mayz Vallenilla e Angel J. Capelletti e os colombianos René Uribe Ferrer, Cayetano Betancur e Jaime Jaramillo Uribe.

Faltam, no entanto, estudos abrangentes sobre a história do pensamento filosófico na América Latina, terreno no qual vale a pena mencionar três realizações importantes: em primeiro lugar, a clássica obra do espanhol José Ferrater Mora, intitulada: Diccionario de Filosofia,[5] na qual os autores ibéricos e ibero-americanos são estudados no seio da tradição filosófica universal; em segundo lugar, o magno esforço realizado, nos Estados Unidos, a partir de 1986, pelo estudioso de origem espanhola José Luis Gómez Martínez, ao redor do Projeto Ensayo Hispânico[6], que foi desenvolvido, a partir dos anos 80 do século passado, na Universidade de Georgia. Não podemos deixar de mencionar, para terminar, a significativa realização editorial efetivada em língua portuguesa sob a coordenação de Antônio Paim, Francisco da Gama Caeiro e outros pesquisadores da Universidade Católica Portuguesa, na Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia,[7] que analisa o pensamento filosófico dos autores ibéricos e ibero-americanos no contexto da história da cultura ocidental.

NOTAS:
[1]Este trabalho constitui versão ampliada do verbete “Filosofia na América Latina”, que escrevi para a Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia(sob a coordenação de Antônio Paim, Francisco da Gama Caeiro e outros), que foi publicada em Lisboa, pela Editora Verbo, entre 1989 e 1992 (5 volumes).

[2]Cf. REALE, Miguel.  A Filosofia de Kant no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1951. PAIM, Antônio. O estudo do pensamento filosófico brasileiro. 1ª. Edição. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979.

[3] A perspectiva transcendente (formulada por Platão e sistematizada por Aristóteles) consiste num ponto de vista último do conhecimento, que parte do pressuposto de que a razão humana é capaz de atingir a coisa em si, ou a substância do real. Distingue-se da perspectiva transcendental (formulada por Hume e Kant), que parte do pressuposto de que a razão humana somente tem acesso aos fenômenos, não à substância das coisas. Cf. a respeito, PAIM, Antônio, História das idéias filosóficas no Brasil, 4ª edição, São Paulo: Convívio, 1984, Capítulo I.

[4] GUIZOT, François. Historia de la civilización en Europa.  (Prólogo de José Ortega y Gasset. Tradução ao espanhol de Fernando Vela). 3ª edição em espanhol. Madrid: Alianza Editorial, 1990.

[5]FERRATER Mora, José. Diccionario de Filosofía. Madrid: Alianza Editorial, várias edições, 4 volumes.

[6]As pesquisas feitas pela equipe internacional de estudiosos do pensamento ibérico e ibero-americano aparecem no Portal do Projeto “Ensayo Hispánico”, no seguinte endereço: WWW.ensayistas.org.


[7]PAIM, Antônio; CAEIRO, Francisco da Gama; CHORÃO, João Bigotte et alii. Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Lisboa/São Paulo: Editora Verbo, 1989-1992, 5 volumes.