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segunda-feira, 15 de junho de 2020

Mais um manifesto da "linha dura" contra o ministro Celso de Mello - Joaquim Carvalho (DCM)

Embaixador que assina manifesto contra Celso de Mello foi dedo-duro do regime dos generais. Por Joaquim de Carvalho

 
Marcos Henrique Camillo Cortes
Os 78 signatários do manifesto contra Celso de Mello não valem um ovo para quem ama a justiça e a democracia.
Não são apenas militares de pijama que assim o texto patético. Entre outras frases miseráveis, dizem:
“Nenhum Militar galga todos os postos da carreira, porque fez uso de um palavreado enfadonho, supérfluo, verboso, ardiloso, como um bolodório de doutor de faculdade.”
Vivandeiras e lambedores de botas de militares também endossaram o manifesto.
Um desses é o embaixador Marcos Henrique Camillo Cortes, que foi chefe do Centro de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores (Ciex), um órgão que espionava brasileiros no exterior, segundo apurou a Comissão da Verdade.
Segue o trecho do texto publicado pelo Senado à época:
Embaixadores monitoravam brasileiros considerados subversivos pelo regime. Comissão Nacional da Verdade revelou casos em relatório apresentado ao governo.
Um embaixador escondido atrás das pilastras do Hotel Bristol, em Paris, para observar os encontros da esposa do ex-presidente Juscelino Kubitschek, Sarah Kubitschek. Os estreitos laços entre a polícia política uruguaia e a embaixada brasileira em Montevidéu, que vigiavam os movimentos do então ex-deputado Leonel Brizola, exilado no país. O cônsul-geral de Santiago, no Chile, atento aos passos dos brasileiros que recebiam aulas de caratê em um clube da capital chilena. Essas são algumas das ações da rede de espionagem montada pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) durante a ditadura militar (1964-1985) e que estão descritas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
A atuação do Itamaraty e a participação dos embaixadores é detalhada pelos pesquisadores da CNV, que tiveram acesso a documentos do MRE e do Arquivo Nacional. Com o levantamento, eles concluíram que “o Itamaraty desvirtuou suas funções a ponto de envolver-se diretamente com a violência ilegal e com a exceção”. Os postos do Itamaraty no exterior e os diplomatas nas embaixadas e nos consulados, segundo documentos obtidos pela CNV, foram instrumentos da política repressiva.
“Muitos diplomatas e funcionários de outras categorias do serviço exterior desempenharam funções de espionagem de brasileiros que se opunham ao regime: restringiram-lhes o exercício de direitos fundamentais, criaram embaraços à vida cotidiana deles nos países em que residiam, impediram seu retorno ao Brasil, mantiveram os órgãos repressivos informados de seus passos e atividades no exterior e chegaram a interagir com autoridades de outros países para que a repressão brasileira pudesse atuar além das fronteiras. Inegavelmente, o MRE funcionou, naqueles anos, como uma das engrenagens do aparato repressivo da ditadura”, aponta o relatório da CNV.
No organograma elaborado pela comissão sobre os órgãos de repressão, a pasta das Relações Exteriores estava no mesmo patamar dos ministérios do Exército, da Aeronáutica, da Marinha e da Justiça. O principal braço do Itamaraty era o Centro de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores (Ciex) . O relatório aponta, porém, que a atuação não se limitou apenas ao Ciex. Havia ainda, como nos outros ministérios civis, uma Divisão de Segurança Interna (DSI).
De acordo com o relatório da CNV, como a produção de informações ocorria, em muitos casos, clandestinamente, estava fora do campo de atuação tradicional do serviço diplomático. Vale destacar que, nas décadas de 1960 e de 1970, o Brasil não estava ligado ao mundo exterior por sistemas de comunicação como a internet e era essencial a utilização dos canais do serviço exterior brasileiro para a troca de informações.
“Dissimulação”
A CNV reuniu documentos e testemunhas de que o Ciex teve bases em Assunção, Buenos Aires, Montevidéu, Santiago, Paris, Lisboa, Genebra, Praga, Moscou, Varsóvia e na extinta Berlim Oriental. Há ainda indícios do funcionamento de bases do Ciex em La Paz, Lima, Caracas e Londres. O relatório da CNV traz, inclusive, provas documentais de que o Ciex fazia pagamentos em cheques de uma conta no Citibank, em Nova York, para informantes e conseguiu identificar alguns dos pseudônimos dos informantes.
O embaixador Marcos Henrique Camillo Cortes, o primeiro chefe do Ciex, sustentou, em depoimento à CNV, que o órgão jamais existiu. Porém, a comissão considerou a declaração “falaciosa”. Os pesquisadores consultaram 11.327 páginas dos documentos produzidos pelo Ciex, que tinha carimbos com a sigla da entidade e rubricas dos chefes, como Cortes. “Convém não esquecer que a dissimulação é uma das facetas mais características das atividades ligadas ao mundo da espionagem. No organograma do MRE, o Ciex abrigou-se sob denominações administrativas diversas, todas subordinadas diretamente à Secretaria-Geral ou ao gabinete do ministro de Estado”, assinala o texto do relatório da CNV.
Os pesquisadores recolheram provas contundentes da espionagem do Itamaraty, como no caso em que o embaixador brasileiro em Lisboa, Azeredo da Silveira, que, em 1974, remeteu um despacho telegráfico considerado “secreto” para a embaixada de Paris informando que havia decidido abrir uma base do Ciex diretamente subordinada a ele e pedindo que fosse mantido o “máximo de sigilo e segurança operativa no desempenho das tarefas de caráter especial”. Além dessa, o relatório da CNV traz a descrição de várias comunicações entre embaixadores e o MRE que evidenciam a espionagem feita a serviço da ditadura militar.
“Ações subversivas”
O Ciex foi criado em 1967, no auge da repressão do período da ditadura. Segundo um documento recolhido pela CNV, a motivação foi a necessidade de criar um órgão de informações, no âmbito do MRE, para monitorar as “ações subversivas” de brasileiros no exterior.
.x.x.x.
Abaixo, o texto que esse lambe-botas de milico assinou:
Ao Sr. José Celso de Mello Filho.
Ninguém ingressa nas Forças Armadas por apadrinhamento.
Nenhum Militar galga todos os postos da carreira, porque fez uso de um palavreado enfadonho, supérfluo, verboso, ardiloso, como um bolodório de doutor de faculdade.
Nenhum Militar recorre à subjetividade, ao enunciar ao subordinado a missão que lhe cabe executar, se necessário for, com o sacrifício da própria vida.
Nenhum Militar deixa de fazer do seu corpo uma trincheira em defesa da Pátria e da Bandeira.
Nenhum Militar é comissionado para cumprir missão importante, se não estiver preparado para levá-la a bom termo.
Nenhum Militar tergiversa, nem se omite, nem atinge o generalato e, nele, o posto mais elevado, se não merecer o reconhecimento dos seus chefes, o respeito dos seus pares e a admiração dos seus subordinados.
E, principalmente, nenhum Militar, quando lhe é exigido decidir matéria relevante, o faz de tal modo que mereça ser chamado, por quem o indicou, de general de merda.
Assinam o manifesto.
Lúcio Wandeck de Brito Gomes, Coronel da Aeronáutica;
Luís Mauro Ferreira Gomes, Coronel da Aeronáutica;
Luiz Sérgio de Azevedo Ferreira, Coronel da Aeronáutica;
Antoniolavo Brion, Professor;
Rodolfo Tavares, Presidente da FAERJ;
Alfredo Severo Luzardo, Coronel da Aeronáutica;
Napoleão Antonio Muños de Freitas, Coronel da Aeronáutica;
Airton Francisco Campos Tirado, Coronel do Exército;
Paulo Marcos Lustoza, Capitão de Mar e Guerra;
Marcos Coimbra, Economista;
Luiz Felipe Schittini, Tenente-Coronel PMERJ;
Mauro Roberto Granha de Oliveira, Engenheiro Civil;
Samuel Schneider Netto, Coronel da Aeronáutica;
Manoel Carlos Pereira, Major-Brigadeiro;
Paulo Frederico Soriano Dobbin, Vice-Almirante;
José Mauro Rosa Lima, Coronel da Aeronáutica;
Sílvio Potengy, Coronel da Aeronáutica;
Oswaldo Fagundes do Nascimento Filho, Capitão de Mar e Guerra;
Marcos Henrique Camillo Côrtes, Embaixador;
Aileda de Mattos Oliveira, Professora Doutora em Língua Portuguesa;
Hartman Rudi Gohn, Coronel da Aeronáutica;
Carlos José Pöllhuber, Coronel da Aeronáutica;
Reinaldo Peixe Lima, Coronel da Aeronáutica;
Walmir Campello, Capitão de Mar e Guerra;
Sérgio Tasso Vasquez de Aquino, Vice-Almirante;
Wilson Luíz Ribeiro, Coronel da Aeronáutica;
Justino Souza Júnior, Coronel da Aeronáutica;
Luiz Carlos de Almeida Ribeiro, Capitão de Mar e Guerra;
Sonia Maria Soares Almeida, Professora Ensino Superior;
Bertucio Gomes dos Santos, Coronel da Aeronáutica;
Marco Aurélio Erthal, Coronel da Aeronáutica;
Carlos Aureliano Motta de Souza, Coronel da Aeronáutica;
Fernando Almeida, Capitão de Mar e Guerra Reformado;
Herman Glanz, Engenheiro;
Celso Tavares, Coronel da Aeronáutica;
Henrique Rodrigues Vieira Filho, Coronel da Aeronáutica;
Hamilton Leda, Funcionário do Ministério de Ciência e Tecnologia;
Augusto Borborema, Médico;
Ney Martins de Lima, Engenheiro Civil;
Luiz Thomaz Carrilho Teixeira Gomes, Brigadeiro;
Aldo Langbeck Canavarro, Capitão de Mar e Guerra;
Acácio Moraes Garcia, Procurador Federal e Professor;
Antonio Luiz de Souza e Mello, Engenheiro Civil – Petrobrás;
Rui Murat dos Reis, Tenente-Coronel da Aeronáutica;
Sérgio Pedro Bambini, Tenente-Brigadeiro;
Jorge Ruiz Gomes, Tenente-Coronel da Aeronáutica;
Carlos Casado Lima, Coronel da Aeronáutica;
Sergio Chouin Varejão, Engenheiro Mecânico e de Segurança do Trabalho;
José Siqueira Silva, General de Brigada;
José Carlos Lusitano, Contra-Almirante;
Loretta de Queiroz Baltar, Fisioterapeuta;
Henrique Aronovich, Coronel da Aeronáutica;
Renato Tristão de Menezes, Coronel da Aeronáutica;
Sérgio Pedro D’Angelo, Tenente-Coronel da Aeronáutica;
Carlos Arthur Doherty Lassance, Contra-Almirante;
Paulo Sobreira da Silva, Brigadeiro;
Berilo de Lucena Cavalcante, Coronel da Aeronáutica;
Helio Gonçalves, Brigadeiro;
João Carlos Gonçalves de Sousa, Coronel da Aeronáutica;
Alberto Siaudzionis, Coronel da Aeronáutica;
Luiz Carlos Baginski Filho, Brigadeiro;
Frederico de Queiroz Veiga, Major-Brigadeiro;
Italo Regis Pinto, Brigadeiro;
Guilherme Sarmento Sperry, Brigadeiro;
Lúcio Valle Barroso, Coronel da Aeronáutica;
Nélson Zagaglia, Coronel da Aeronáutica;
Ivan Américo Gonçalves, Capitão do Exército;
José Lindenberg Câmara, Capitão de Mar e Guerra;
Mari de Souza Gomes, Funcionária do Itamaraty;
Paulo José Pinto, Coronel da Aeronáutica;
Mauro da Silva Amorim, Coronel da Aeronáutica;
Helius Ferreira Araújo, Major da Aeronáutica;
Carlos Claudio Miguez Suarez, Coronel do Exército;
Paulo Filgueiras Tavares, Coronel do Exército;
Jonas Alves Corrêa, Coronel da Aeronáutica;
João Carlos Fernandes Cardoso, Brigadeiro;
Carlos Rogerio Couro Baptista, Advogado;
Kleber Luciano de Assis, Almirante de Esquadra;
Aparecida Cléia Gerin, Professora;
A referência à “general de merda” se deve a um trecho do livro de memórias de Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça e responsável pela indicação de Celso de Mello ao STF, no final do governo Sarney.
Saulo ficou insatisfeito com o voto de Celso de Mello contra uma causa de interesse do já ex-presidente, em 1990. Sarney se candidatou a senador pelo Amapá, Estado em que ele não morava.
Celso de Mello foi contra o registro da candidatura e depois, em um telefonema relatado por Saulo Ramos, foi chamado de “juiz de merda”.
O embaixador lambe-botas de milico e os milicos de pijama, bem como os demais signatários, odeiam magistrados independentes.

sábado, 16 de novembro de 2019

STF: prepotência contra investigações de corruptos (Fausto Macedo, OESP)

Um caso escandaloso de conivência entre corruptos, corruptores e defensores da imoralidade.

Procuradores do Rio dizem a Toffoli que decisão no caso Flávio Bolsonaro ‘desborda’ recurso no Supremo

Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro enviou ao presidente do STF manifestação indicando que os Relatórios de Inteligência Financeira produzidos e encaminhados pelo Coaf não têm 'qualquer relação' com o recurso que está pautado para análise do Plenário da Corte na quarta, 20 
Pepita Ortega e Fausto Macedo
O Estado de S. Paulo, 16 de novembro de 2019 | 17h00
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. Foto: Gabriela Biló / Estadão
Ministério Público do Estado do Rio enviou ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, manifestação indicando que a decisão de suspender todos os processos e investigações que abrigam Relatórios de Inteligência Financeira do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ‘desborda por completo’ o tema do recurso que será analisado pela Corte no próximo dia 20.
Para o Ministério Público do Rio a decisão precisa ser reformulada, não só pelos efeitos práticos mas para preservar um ‘sistema investigatório legalmente constituído e que preserva os ditames republicanos’.

Documento

O documento, de 20 páginas, é subscrito pelo subprocurador-geral de Justiça de Assuntos Criminais e Direitos Humanos Ricardo Ribeiro Martins e pelo assessor-chefe da Assessoria de Recursos Constitucionais e Criminais da Procuradoria-Geral de Justiça Orlando Carlos Neves.
A ordem do presidente do Supremo foi dada a partir de um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o 01, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.
O senador é alvo de investigação da Promotoria do Rio por suposta lavagem de dinheiro quando exercia o mandato de deputado estadual fluminense.
Nesta quarta, 20, o Supremo vai apreciar a liminar deferida por Toffoli no Recurso Extraordinário nº 1.055.941/SP, a pedido de Flávio, que não era parte no processo.
O ponto central do caso se refere à possibilidade de o antigo Coaf – atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF) -, necessitar ou não de prévia autorização judicial para informar a existência de operações suspeitas ao Ministério Público e à Polícia.
Em sua decisão, Toffoli suspendeu todas as investigações e processos judiciais no País, inclusive aquela que alcançava Flávio e seu ex-assessor na Assembleia Legislativa do Rio, o policial militar aposentado Fabrício Queiroz.
“Determino a suspensão do processamento de todos os processos judiciais em andamento, que tramitem no território nacional e versem sobre o Tema 990 da Gestão por Temas da Repercussão Geral; a suspensão do processamento de todos os inquéritos e procedimentos de investigação criminal (PICs), atinentes aos Ministérios Públicos Federal e estaduais que foram instaurados à míngua de supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle (Fisco, COAF e Bacen), que vão além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais, consoante decidido pela Corte”, ordenou Toffoli, na ocasião.
A petição da defesa de 01 foi apresentada no âmbito de um recurso que tramita desde 2017 no STF, e que, com repercussão geral conhecida, será analisado pelo Plenário da Corte máxima neste dia 20.
O processo trata do compartilhamento de dados da Receita com os órgãos de investigação sem prévia autorização judicial. Segundo o Ministério Público do Rio, o caso a ser apreciado pelo Plenário do Supremo não inclui o intercâmbio de informações entre o Coaf e os órgãos de investigação.
Nesse sentido, no entendimento do Ministério Público do Rio não seria possível ‘alargar’ o tema do julgamento, ‘inclusive sob pena de violação da cogente cláusula de reserva de plenário’.
Nessa linha, a Procuradoria do Rio diz que os ministros do Supremo não poderiam discutir o caso concreto de Flávio, uma vez que o recurso do senador não teria relação com o envio de informações pela Receita diretamente ao Ministério Público sem autorização judicial precedente.
O documento assinala que o Supremo já havia deliberado, por meio de decisão do ministro Marco Aurélio, em fevereiro, ‘não ter competência para conhecer diretamente das questões pertinentes à investigação em relação a Flávio Bolsonaro conduzida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, declarando a competência da Justiça Estadual em primeiro grau para o eventual processamento e julgamento, afastando a incidência do foro por prerrogativa de função do senador’.
“Dessa forma, deve ser observada a eventual pendência de julgamento na Justiça Estadual do Rio de Janeiro, em primeiro grau, não havendo justificativa para que o Supremo Tribunal Federal, na atual fase processual, se pronuncie diretamente sobre o caso concreto do senador Flávio Bolsonaro, mediante supressão das instâncias inferiores, o que ensejará, possivelmente, a violação ao princípio do juiz natural”, diz a manifestação a Toffoli.
Segundo a manifestação do Ministério Público do Rio, o entendimento de que todos os processos com compartilhamento de dados pelos órgãos de fiscalização e controle sem autorização judicial estariam suspensos faria com que a decisão de Toffolli tivesse um alcance ‘amplíssimo’, paralisando ‘dezenas de milhares de investigações envolvendo organizações criminosas em todo o país, envolvendo não somente casos de corrupção, mas também tráfico de entorpecentes, tráfico de armas e milícias, dentre vários outros delitos nos quais corriqueiramente se promove o intercâmbio de informações’.
O documento aponta que, de acordo com dados do último Relatório de Atividades do Coaf, houve 42.465 encaminhamentos de RIFs para autoridades, entre os anos de 2013 e 2018.
Somente o Ministério Público Federal tem 700 investigações e ações penais paralisadas por causa da decisão de Toffolli, aponta levantamento da Câmara Criminal da Procuradoria.

A relação entre o julgamento do dia 20 e os dados do Coaf

O processo que será analisado no próximo dia 20 pelos ministros do Supremo foi interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3), em São Paulo.
A Procuradoria contestava o entendimento do TRF-3 de que, no caso em questão, a Receita não poderia ter compartilhado com o Ministério Público Federal, sem autorização judicial, os dados obtidos mediante exame dos registros das instituições financeiras, sob pena de afronta ao artigo 5.º, XII da Constituição Federal.
Na manifestação enviada a Toffoli, os integrantes do Ministério Público do Rio argumentam que o tema que será analisado no Plenário do STF na próxima quarta, 20, diz respeito, única e exclusivamente, à eventual necessidade de autorização judicial para que o Fisco compartilhe com o Ministério Público dados obtidos mediante o ‘acesso irrestrito a documentos, livros e registros de instituições bancárias’- garantido à Receita pelo artigo 6.º da Lei Complementar nº 105/01.
Dentro dessa perspectiva, o Ministério Público Estadual alega que o tema submetido ao STF ‘não guarda qualquer relação com o encaminhamento de Relatórios de Inteligência Financeira pelo Coaf’.
Isso porque os Relatórios de Inteligência Financeira emitidos pelo Coaf não decorrem do acesso à totalidade das informações bancárias dos clientes, mas sim da obrigatória remessa de comunicações que versam única e exclusivamente sobre as operações específicas em que tenha sido identificado risco de lavagem de dinheiro.
Na avaliação do Ministério Público do Rio a decisão de Toffoli tem de ser ‘redimensionada’ uma vez que pretende submeter as comunicações de operações atípicas encaminhadas pelas instituições financeiras ao Coaf à mesma normatização prevista para o encaminhamento de informações sobre movimentação financeira à Receita Federal.
O Coaf foi instituído a partir da Lei nº 9.613/98, que criou um sistema de prevenção à lavagem de dinheiro e a Procuradoria salienta que a decisão de Toffolli, dada a partir do pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, não faz nenhuma referência a qualquer dispositivo de tal norma, somente à de que trata dos dados da Receita.
“Trata-se de duas situações absolutamente distintas e inconfundíveis, e pretender submetê-las à mesma regulamentação, o que não seria hermeneuticamente compatível”, destaca a manifestação.

A diferença entre os dados da Receita e os Rifs do Coaf

O Ministério Público do Rio indica que as informações encaminhadas pelas instituições financeiras ao Coaf compõem uma base de dados autônoma, que se restringe exclusivamente às operações em que se tenha vislumbrado risco de lavagem de dinheiro, e que não se confunde com a base de dados em poder das instituições financeiras.
“Evidentemente, o sistema de prevenção à lavagem de dinheiro restaria privado de qualquer efetividade, se a função do Coaf se limitasse ao recebimento das comunicações de operações em espécie e de operações suspeitas, sem que nada pudesse ser feito a partir dessas informações”, diz o Ministério Público do Rio.
Além disso, as comunicações de operações em espécie ou de operações suspeitas encaminhadas ao Coaf não são repassadas automaticamente para autoridades no Ministério Público ou na Polícia, mas somente quando o órgão verificar a existência de ‘fundados indícios’ de lavagem de dinheiro ‘ou de qualquer outro ilícito’.
A manifestação registra ainda que o sistema de intercâmbio de informações entre a UIF e as autoridades com competência para investigar é ‘um mecanismo perfeitamente usual e corriqueiro’, com ‘legitimidade e legalidade pacificamente reconhecida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores’.

O Caso Flávio Bolsonaro

No dia 15 de julho, a defesa do senador pediu a suspensão da tramitação do procedimento investigativo contra ele até que a Corte julgasse o processo pautado para o próximo dia 20.
A manifestação do Ministério Público do Rio registra que, segundo os advogados de 01, haveria ‘inequívoca similitude [com] o Tema 990 de Repercussão Geral’, na medida em que ‘o Coaf teria ido ‘muito além do mero compartilhamento ou envio de movimentações consideradas atípicas’, ao (supostamente) ‘entrar em contato com as instituições financeiras para obter informações solicitadas pelo Ministério Público estadual’.
A Procuradoria do Rio alega que a própria defesa do senador ressalvou que seu questionamento não se referia ao trabalho típico do Coaf, mas partia ‘da (infundada) suposição de que o Coaf teria excedido tal missão para abastecer o Ministério Público de informações’.
Flavio Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão
Diante do teor do pedido e da investigação do senador, no entanto, não poderia ser discutido no âmbito do julgamento marcado para o próximo dia 20, diz o Ministério Público. Isso porque o caso não se concentra no envio de informações da Receita.
A manifestação diz, ainda, que, nessa linha, não seria cabível o requerimento da Procuradoria Geral da República sobre o pronunciamento Supremo sobre a necessidade de autorização judicial para remessa de informações do Coaf.
“A razão para tal assertiva, repita-se, está no fato de que tal tema não foi ventilado no recurso extraordinário, nem no incidente de repercussão geral decorrente, não fazendo parte do objeto de cognição do processo, inclusive sob pena de violação da cogente cláusula de reserva de plenário”, diz o texto.
Segundo o Ministério Público do Rio, o pedido, além de ‘indevidamente ampliar o objeto’ do processo em discussão, também viola decisão anterior do próprio Supremo que afastou a sua competência para processar e julgar eventual processo criminal contra Flávio Bolsonaro.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Identificado o "gabinete da raiva" do Palacio do Planalto: STF vai investigar

STF vai investigar assessor de Bolsonaro por declaração sobre vídeo das hienas

Filipe Martins será alvo de inquérito que apura fake news e ameaças contra ministros

O STF (Supremo Tribunal Federal) vai abrir uma investigação contra Filipe Martins, assessor internacional da Presidência da República, no inquérito criado para apurar fake news e ameaças contra integrantes da corte. O motivo é uma publicação em que ele defende a mensagem de um vídeo que comparou o tribunal a hienas.
Jair Bolsonaro compartilhou na segunda-feira (28) um material em que partidos políticos, a imprensa e o STF são retratados como animais atacam um leão, retratado como o próprio presidente. Ele apagou a publicação e pediu desculpas no dia seguinte, mas Martins reforçou seu conteúdo.
"O establishment não gosta de se ver retratado, mas ele é o que ele é: um punhado de hienas que ataca qualquer um que ameace o esquema de poder que lhe garante benefícios e privilégios às custas do povo brasileiro. Isso só mudará quando o Brasil se tornar uma nação de leões", escreveu o assessor no Twitter na terça (29).
O Supremo discutiu o envio de um pedido de explicações para Bolsonaro com base no episódio, mas desistiu depois que o presidente se desculpou. Como Martins não fez o mesmo, ele será investigado.
"Me desculpo publicamente ao STF, a quem porventura ficou ofendido. Foi uma injustiça, sim, corrigimos e vamos publicar uma matéria que leva para esse lado das desculpas. Erramos e haverá retratação", disse Bolsonaro ao jornal O Estado de S. Paulo na terça (29).
O chamado inquérito das fake news é alvo de críticas pesadas de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais. O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, escreveu em março que medidas tomadas na investigação se assemelhavam às de uma ditadura.
O caso também produziu controvérsia por ter sido aberto no STF sem consulta e participação do Ministério Público. A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, buscou arquivar a investigação em diversas ocasiões.
O novo procurador-geral, entretanto, adotou comportamento diferente. Augusto Aras, indicado ao cargo em setembro por Bolsonaro, disse que não há inconstitucionalidade no inquérito.
A AGU (Advocacia-Geral da União), que representa o governo, também tem dado pareceres favoráveis à continuidade do inquérito, cuja constitucionalidade é questionada em ações no próprio Supremo e na Justiça Federal de primeiro grau em Brasília.
Martins também foi convocado para prestar esclarecimentos na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das fake news em funcionamento no Congresso.
Além de Martins, também foram chamados o chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), Fabio Wajngarten, e assessores que compõem um grupo batizado no Planalto de "gabinete da raiva" —Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Brazil’s Supreme Court Is Out of Control - Mac Margolis (Bloomberg)

Brazil’s Supreme Court Is Out of Control

The economy is hurt by celebrity judges and an overtaxed court that can’t issue durable rulings.

Supporters of Brazil’s former President Luiz Inacio Lula da Silva.
Supporters of Brazil’s former President Luiz Inacio Lula da Silva.
Photographer: Franklin De Freitas/AFP/Getty Images
No one denies that Latin America economies are hurting, with regional growth predicted to reach barely half the global average next year. And there’s little quarrel about one big reason for the slump. The absence of clear rules and a reliable legal system discourages investment and effective business management.
So why is Brazil’s highest court revising a keystone of the country’s penal code, a move that could free thousands of convicted criminals, trigger partisan discord and throw a cloud over the anticorruption drive that has rid public office of freebooters?
The question before Brazil’s Supreme Court sounds prosaic: When should a convicted criminal go to prison? Current law says the court may jail any defendant whose conviction is upheld on appeal. It is a reasonable standard for a land where wealthy miscreants deploy clever lawyers to blitz the courts with writs and motions in an effort to keep out of prison indefinitely. 
However, that law offends legal formalists who argue that no one should be incarcerated until every possible recourse has been exhausted. They cite the Brazilian constitution, which lawmakers packed with well-intentioned, if sometimes impractical, safeguards after a long period of military fiat.
It might sound like legal hair-splitting were it not for one looming presence: Luiz Inacio Lula da Silva, the former Brazilian president who was convicted twice, in 2017 and on appeal last year, for taking bribes and sentenced to 12 years in jail. He was the biggest catch in the storied Operation Carwash corruption probe of elected officials accused of looting public companies.
Lula’s devotees, who are legion, never swallowed that verdict, claiming he was railroaded by a partisan hanging judge. (Hacked text messages between Carwash prosecutors and presiding Judge Sergio Moro seemed to provide evidence that Moro may have played fast and loose with some rules.) One way or another, Lula’s loyalists say, he ought to go free. But the worst way to deal with that dispute is for the nation’s top court to change the legal ground rules for everyone.
Laws ought not be set in stone, of course, any more than they should be used as weather vanes. Brazil’s Supreme Court has changed its position on the same jail-on-second-conviction rule twice in the last decade. If a majority of the judges flip again, which is likely, Lula may be sent home for now (he still faces trial in seven other cases) -- along with 4,895 other convicted criminals.
Whatever the legal merits, such inconstancy is troubling for a court of last resort in a country where much of the political class and its corporate enablers were caught raiding public coffers for profit and political glory.
The Supreme Court’s tentacles reach in many directions: It serves as a constitutional court, a final court of appeals and a trial court for elected officials with immunity in common courts. Thanks to the minutely detailed and expansive Brazilian constitution, almost any matter, from domestic violence to graft, can land on its docket.

Last year, the court received more than 100,000 cases. The only way to deal with such an impossible mandate is to give discretion to each of the court’s 11 justices. Some 95% of cases are typically decided by a single judge (frequently by copying and pasting prior rulings). Rulings by 11 different judges assure widely divergent verdicts.
”Divergence leads to the inability to establish strong jurisprudence, the lack of which will only lead to more cases,” says Matthew Taylor, an American University professor who has studied the Brazilian courts. “It’s a vicious circle.” 
The decision on when to send convicts to prison won’t directly affect business and investment. The mercurial rule at the top of the judiciary will. Of the many obstacles Brazilian companies face, the constantly shifting rules and laws that beget more laws are among the most harrowing. Brazil issued a total of 5.7 million new tax norms in 2017, compared with 3.3 million in 2003, according to the Brazilian Tax Planning Institute.
No wonder Brazilian companies spend 1,958 hours preparing taxes, more than in any other nation (the world average is 237 hours). “Who’s to say that the Supreme Court won’t change tax laws a year or two from now?” said Mailson da Nobrega, a former Brazilian finance minister.
Yet judicial overreach appears to suit the current bench, whose headline decisions and oratory are streamed over the web, turning judges into “politicians in robes,” says University of Rio de Janeiro political analyst Christian Edward Lynch.
Brazilians don’t need celebrities in robes or a court so overtaxed it can’t render durable rulings. They need judicial stability, circumspection and a bench that interprets, instead of reinvents, the nation’s highest laws. One way to achieve that would be to turn the Supreme Court into a constitutional tribunal, leaving appeals, criminal cases and political trials to lower courts. “Brazil needs to transform the Supreme Court into an invisible bench, where judges rule but don’t pontificate,” Lynch said.
Brazilian lawmakers, constitutional jurists and society will have to make that call, most likely through a major reform of the judicial system. That’s one verdict Brazil’s overreaching judges aren’t qualified to make. 

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