Desafios da agenda econômica internacional
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, segunda-feira, 13.6.2011
Qual é a atual agenda econômica internacional do Brasil? E em que medida se ajusta aos "interesses nacionais", isto é, a interesses que não sejam estritamente associados a determinados grupos econômicos ou classes sociais? No jargão dos economistas, que não reflitam meros "interesses especiais". É claro que sempre existirão interesses especiais beneficiados quando se trata de defender interesses nacionais. Mas o que deve ser encarado criticamente é o triste espetáculo de defesa de "interesses especiais" por representantes das "classes produtoras" enrolados na bandeira nacional e invocando "interesses nacionais". Seria salutar que o chororô cambial fosse pelo menos acompanhado da denúncia de suas causas principais: um governo que insiste em gastar muito e mal.
Não é simples separar a agenda econômica da agenda política. Alguns objetivos de natureza política são justificados, ao menos parcialmente, por suas implicações sobre o poder de barganha do Brasil em foros estritamente econômico-financeiros. Esse é o caso do velho anseio brasileiro por um lugar no Conselho de Segurança (CS) da ONU. No passado recente, a ênfase nesse objetivo foi certamente excessiva, configurando "postulação" do Brasil que, caso rejeitada, poderia levar facilmente à perda de face. Especialmente quando é altamente improvável que os cinco atuais membros permanentes do CS estejam dispostos a compartilhar o seu poder de veto com novos membros. O objetivo do Brasil quanto ao assunto deveria ser envidar esforços para tornar improvável que, no caso de expansão do Conselho de Segurança em termos aceitáveis - algo a definir -, o Brasil seja preterido. Mas a principal justificativa para a prioridade do tema é o fortalecimento da posição negociadora brasileira na Organização Mundial do Comércio (OMC) e no eixo G-20/FMI, pois, em matérias estritamente relacionadas ao tema segurança, o interesse brasileiro é secundário.
No terreno comercial, os interesses brasileiros continuam focados na redução do protecionismo nas negociações da Rodada Doha, a despeito do notável desinteresse dos EUA e da União Europeia e de diversas declarações contritas do G-20. Esse tem sido, de longe, o tema em que a diplomacia brasileira se tem revelado persistentemente mais coerente. A importância do Brasil na OMC é muito maior do que seria justificado pelo peso do Brasil no comércio mundial. Isso é fruto de muitas décadas de envolvimento sério da diplomacia comercial brasileira no assunto, só ocasionalmente marcado por posturas de baixa credibilidade, como foi o caso em meados da década de 1980.
No quadro regional, o governo deverá avaliar se há condições políticas para ou um avanço significativo na consolidação do Mercosul ou um recuo para uma zona de livre comércio, que devolverá preciosos graus de liberdade à formulação da política comercial brasileira, independentemente da Argentina. A situação atual do Brasil é similar à do asno de Buridan, que, faminto e sedento, equidistante do balde d"água e do monte de feno, acabou morrendo de fome e de sede. O custo de estar obrigado a negociar uma tarifa externa comum compatível com as restrições argentinas está ficando proibitivo.
No terreno financeiro, a estratégia cautelosa seria a gradual construção de good will no G-20/FMI, tomando como exemplo o que foi possível fazer em Genebra. A dificuldade aí é que, para isso, seria preciso que de forma persistente e crível as autoridades econômicas demonstrassem efetivo compromisso com políticas macroeconômicas responsáveis. Não há espaço para a construção de credibilidade num ambiente onde predomina a macroeconomia de fundo de quintal. Aquela que não crê, por exemplo, que investimento pressiona preços ou que não há relação entre política de juros e nível de inflação. Nessa área há muito dever de casa interno a fazer.
Finalmente, seria altamente recomendável a redução da notória propensão da diplomacia brasileira recente a considerar "estratégicas" relações com países cuja pauta prioritária pouco tem que ver com os efetivos interesses estratégicos brasileiros. Talvez a França seja o melhor exemplo de "parceiro estratégico" mal escolhido. A cooperação militar bilateral, em amplitude ainda a ser definida, não parece ser compensação suficiente para as notórias diferenças de posições quanto a diversos temas da agenda econômica, especialmente os agrícolas. Mesmo os Brics, com a possível exceção da África do Sul, têm interesses estratégicos bem diferentes dos do Brasil. A parceria estratégica com a China, em particular, que despertou tantas ilusões no passado, se tem revelado de digestão bastante difícil, com a consolidação da posição do Brasil, de um lado, como supridor de matérias-primas à China e, de outro, crescentemente deslocado como exportador de manufaturas pela China tanto em terceiros mercados quanto no mercado brasileiro.
A escolha de parceiros estratégicos que não sejam de mera conveniência passageira deveria ser alicerçada pela análise de quais são os interesses estratégicos do Brasil. E essa não parece ser a vantagem comparativa do atual governo.
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Marcelo de Paiva Abreu, doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio.