Documento confidencial do Ministério da Defesa revela parte de uma história que o governo brasileiro acobertava desde 2007. Aviões da Força Aérea da Venezuela cruzaram os céus do Brasil transportando soldados e veículos militares para a Bolívia. Enviado pelo então presidente Hugo Chávez, o reforço venezuelano foi empregado na repressão a opositores do colega boliviano Evo Morales. Quando tomou conhecimento do que sucedia em seu espaço aéreo, o Brasil, à época sob Lula, agiu para abafar o caso.
Deve-se a informação ao repórter Duda Teixeira. Em
notícia veiculada por
Veja, ele traz à luz o conteúdo do “Relatório nº 002” do Departamento de Inteligência Estratégica, órgão vinculado a uma secretaria do Ministério da Defesa. Datada de 7 de maio de 2008, a peça traz grafada no alto, em vermelho, o aviso de “confidencial”. Integra o pacote de 397 arquivos surrupiados por
hackers numa
invasão ao sistema de e-mails do Itamaraty, no último mês de maio.
O texto relata detalhes de visita que uma comitiva chefiada pelo então ministro Nelson Jobim (Defesa) fez à Venezuela nos dias 13 e 14 de abril de 2008. Segundo o documento, Jobim e os militares que o acompanhavam reuniram-se na manhã do dia 14 na casa do embaixador do Brasil em Caracas, Antônio José Ferreira Simões. Foi uma reunião preparatória para um encontro de Jobim com o então chanceler Nicolás Maduro, hoje presidente da Venezuela.
A certa altura, informa o papelório confidencial, o general Augusto Heleno, na época comandante militar na Amazônia, indagou aos participantes da reunião se tinham conhecimento do vaivém de aviões Hercules C-130, que levavam soldados da Venezuela à Bolívia. O embaixador Antônio Simões soou assim: “Uma denúncia brasileira de presença de tropas venezuelanas na Bolívia pode piorar a situação”. Nessa época, o governo Evo Morales enviava soldados para reprimir opositores em Pando, Estado boliviano assentado na fronteira com o Acre.
“Há presença não apenas de venezuelanos na Bolívia, mas também de cubanos, com interesse operacional”, acrescentou o general Heleno. Presente à conversa na casa do embaixador brasileiro em Caracas, o tenente-brigadeiro Gilberto Burnier, declarou que a Venezuela fez 114 voos. Segundo ele, a carga era camuflada. Sua frase foi reproduzida no documento assim: “Informavam que transportavam veículos comerciais, porém foi visto que transportavam viaturas blindadas para transporte de pessoal (VBTP) e outras viaturas militares”.
Quer dizer: o regime bolivariano de Chávez ludibriava deliberadamente as autoridades brasileiras. A despeito disso, o ministro Jobim não se deu por achado. Mais tarde, no encontro com os venezuelanos, Jobim sugeriu a criação de um corredor aéreo para “sacar da agenda esse problema.” Foi o primeiro passo para abafar um caso que, em condições normais, exigiria providências enérgicas do Brasil, cuja legislação proíbe o transporte aéreo de material bélico sem prévia autorização.
O encaminhamento proposto por Jobim foi respaldado por Lula. Em agosto de 2008, o Diário Oficial publicou memorando prevendo que a Venezuela passaria a pedir autorização para cruzar o espaço aéreo brasileiro. Um mês depois, um confronto aberto entre as forças de Evo Morales e seus opositores resultou na morte de mais de 15 pessoas em Pando. Na época, os adversários do governo da Bolívia acusaram a presença de venezuelanos entre os agentes da repressão.