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sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Microhistória do Brasil nos últimos 60 anos - Paulo Roberto de Almeida

 Microhistória do Brasil nos últimos 60 anos

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com)

 

 

Vou resumir, num único parágrafo nossa história das três últimas gerações.

Sou de uma geração que assistiu a tudo: o descontrole inflacionário do final dos anos 1950 e início dos 60, a estabilização estatista dos anos militares, o descontrole inflacionário e o endividamento do final da ditadura, as hiperinflações e os planos frustrados de estabilização da redemocratização (1986-1992), uma razoável estabilização macroeconômica com o Plano Real (1994), mas meia boca, pois que baseado em âncora cambial insustentável e ausência de ajuste fiscal rigoroso, um "conserto" em 1999, que criou um tripé macroeconômico razoável, a ser complementado por reformas estruturais de segunda geração que NUNCA foram feitas – o lulopetismo econômico surfou sobre a demanda chinesa e a valorização das commodities –, seguido de uma rápida deterioração da conjuntura econômica sob a incompetente da Dilma, que provocou a MAIOR RECESSÃO econômica de nossa história, uma nova tentativa de correção sob Temer, mas sabotada pelas turbulências políticas derivadas da corrupção e do ativismo judicial, para chegarmos, enfim, a um governo que prometia tudo – luta contra a corrupção, abertura econômica e liberalização comercial, nova política – e não entregou NADA, ao contrário, só agravou TUDO, corrupção, desmandos, desgoverno, graves violações da institucionalidade, com um psicopata genocida no comando do Executivo, militares castrados a seu serviço e um estamento político adepto do patrimonialismo gangsterista. 

Acho que resumi nossa história pelo lado menos glorioso.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4011, 5 novembro 2021, x p.

 

 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Plano Real, 20 anos: uma homenagem necessaria, mas nao muito correta -Carlos Alberto Sardenberg

O autor, jornalista competente e sempre muito preciso, desta vez cometeu alguns equívocos.
Metas de inflação e câmbio flutuante não faziam parte fo plano original e portanto não estão fazendo 20 anos.
Várias outras medidas, como a mudança da lei do petróleo, tampouco têm a ver, estrito senso, com a estabiluzação macroeconômica, e sim com a modernização do Estado. As privatizações começaram muito antes, com a fraude do Collor, que nisso fez certo, a despeito da incompetência em várias outras áreas.
O autor mistura muita coisa, de épocas muito diferentes, mas se são os 20 anos passados que ele quer projetar para a frente, melhor não: poderíamos continuar com bandidos e incompetentes, como já tivemos.

Paulo Roberto de Almeida 

Mais 20 anos

Primeiro de julho de 1994: pela primeira vez, os brasileiros estavam animadíssimos com seu dinheiro. Foi um lance genial a introdução das novas cédulas num único dia, em todo o país. Deu força psicológica para o Real. Mas o plano foi muito além disso: uma impressionante sequência de reformas macro e microeconômicas.
No macro: regime de metas de inflação com BC independente; responsabilidade fiscal e superávit primário; câmbio flutuante; e acerto da dívida dos estados. Aqui também um lance genial: regras com limites para o gasto e a norma proibindo que a União voltasse a financiar os estados e municípios.
As privatizações (telecomunicações, mineração, siderurgia, transportes, bancos e energia elétrica) foram cruciais para a infraestrutura. E mais os dois grandes programas de ajuste do sistema bancário, um para o setor privado, outro para o público.
Também foi crucial a quebra do monopólio da Petrobras. Abriu a exploração de petróleo ao capital privado, nacional e estrangeiro, trouxe os investimentos que resultaram na descoberta do pré-sal.
Na área de gestão pública, destaques: reforma administrativa, com a criação das agências reguladoras; reforma no INSS, com a introdução do fator previdenciário em 1999.
Transferência de renda completou o quadro, ao reduzir a desigualdade e favorecer a expansão das classes C e D
Para facilitar a vida econômica de pessoas e empresas, no micro, tivemos: o Simples e a regra de suspensão temporária do contrato de trabalho, importante flexibilização da legislação trabalhista. Tudo isso na era FH.
O primeiro governo Lula, com Antonio Palocci na Fazenda, reforçou o superávit primário e avançou muito na agenda micro. Destaques: conta bancária e poupança simplificadas; a portabilidade do crédito e o regime do Supersimples.
Mudanças na legislação permitiram a volta e a expansão do financiamento imobiliário e a criação do crédito consignado. Com o boom da economia mundial — uma grande sorte — houve abundância de financiamento externo barato. Em cima das mudanças locais, o resultado foi o crescimento vertiginoso do crédito.
Ainda na era Lula: a nova Lei das SAs (2007) e regras aperfeiçoando a área de seguros. Mais a aprovação, em 2004, da contribuição previdenciária de funcionários púbicos aposentados.
Com Dilma, ainda linha ortodoxa: o cadastro positivo de crédito e a criação do fundo de previdência complementar dos funcionários públicos. E, claro, a volta às privatizações, com a concessão de aeroportos.
O mundo ajudou. Do início deste século até a crise financeira de 2008, a economia global experimentou um período de forte crescimento. Consolidou-se o fenômeno China, cuja voracidade por commodities, alimentos, minérios, petróleo e tanta coisa mais abriu enorme espaço para os países emergentes exportadores.
O agronegócio brasileiro tornou-se grande produtor e exportador mundial. Não foi por acaso, nem obra da natureza, mas da inovação, tecnologia e eficiência de empreendedores que se espalharam pelo país todo.
Mais os minérios — e as exportações brasileiras saltaram de US$ 55 bilhões/ano, na virada do século, para os US$ 250 bi de hoje.
Com os investimentos externos que entraram para aproveitar o novo Brasil, completou-se a mudança estrutural: uma economia que sempre sofreu com a falta de dólares tornou-se credora internacional nessa moeda.
Na área social, o reajuste real do salário-mínimo, política iniciada logo após o Real, e os programas sociais de transferência de renda completaram o quadro, ao reduzir a pobreza, a desigualdade e favorecer a expansão das classes C e D.
Hoje, porém, parece que o efeito dessas mudanças já se esgotou. Por exemplo: o crédito não tem como dobrar de novo nos próximos anos. Também não será possível continuar dando aumentos expressivos para o mínimo sem ganhos de produtividade e sem mais uma reforma na Previdência. Sem isso, não será mais distribuição de renda, mas simplesmente mais inflação e déficit público.
Com a deterioração da política econômica, o Brasil não cresce mais que 2% ao ano, com inflação na casa dos 6%. Comparado com as décadas perdidas, está bom. Mas é menos do que fazem os demais emergentes importantes, que conseguem crescer mais com menos inflação.
Hoje, temos um governo que deve muito, arrecada muito, gasta muito e muito mal, com poucos recursos para investimentos. O setor privado é limitado pela carga tributária, juros altos, péssima infraestrutura, custos de produção elevados e um ambiente de negócios hostil, o tal custo Brasil.
Do que resulta a agenda: refazer os fundamentos (metas de inflação, superávit primário, reforma do setor público) e, sobretudo, abrir as portas para um surto de investimentos privados, em todos os setores. Ou seja, mais 20 anos de Real.
Fonte: O Globo, 3/7/2014

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Plano Real, 20 anos de bons servicos ao pais - O Globo

Real 20 anos: com 12 anos de PT, a volta da inflação
Na foto, a equipe do Plano: Malan, Arida, Franco e Bacha.
O jornal O Globo traz uma série de matérias sobre os 20 anos do Plano Real, que domou a inflação e assentou as bases do crescimento brasileiro. Inimigo do plano desde o primeiro momento, o lulopetismo não fez nenhum ajuste nos últimos 12 anos - e o que temos é a volta da inflação. Aliás, como diz o jornal, "temos crescimento baixo de nação rica e inflação de país pobre":

Passados 20 anos do Plano Real, os números da economia mostram o Brasil com inflação alta de Terceiro Mundo e crescimento baixo de país desenvolvido. Ao cruzar os dois indicadores com os de 32 países de América Latina, Brics (além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), Tigres Asiáticos (Hong Kong, Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan) e desenvolvidos, o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, encontrou a sétima maior inflação acumulada de 1995 a 2013, de 275,4%, mesmo com a estabilização — o que representou taxa média anual de 7,2%, pouco acima da expectativa de inflação do mercado para este ano, de 6,46%. Na América Latina, o Brasil só perde para Venezuela e Colômbia. No ranking de crescimento, o Brasil cai para o meio da lista. Está na 15ª posição, com média de expansão de 3%.

— O que essa tabela mostra é que, em termos de crescimento econômico, o Brasil tem característica de país desenvolvido (países maduros que crescem mais devagar). Já a inflação revela problema crônico de país de Terceiro Mundo. Podemos sintetizar o problema pelo custo Brasil, colocando no preço as nossas deficiências estruturais, como logística, mobilidade urbana caótica, burocracia, tributação complexa e excessivamente elevada.

‘CUSTO BRASIL AFUGENTA CRESCIMENTO’

O economista ainda cita problemas de ingerência política em decisões técnicas, o que provoca insegurança jurídica e baixo crescimento.

— Todo esse custo Brasil afugenta o crescimento. Os Tigres Asiáticos estão à frente do Brasil. Crescem quase o dobro, enfrentando adversidades externas maiores que o Brasil. Na comparação com os outros, é emblemática a nossa situação.

Essa situação não é à toa. O processo de estabilização do Brasil combateu 30 anos de indexação (repasse para os preços da inflação passada), afirma o decano da PUC e especialista em inflação Luiz Roberto Cunha:

— Ninguém teve 30 anos de indexação como nós tivemos. No crescimento, tivemos problemas sim, não evoluímos nas reformas como o Chile, a Colômbia e o Peru (todos tiveram expansão superior à do Brasil). Eles caminharam melhor do que nós. É claro que a complexidade da economia brasileira também é maior.

Para poder conviver com a inflação, foi criada a correção monetária no período militar, que embutia, na maioria dos preços, a inflação passada. A correção monetária foi extinta com o Plano Real.

Cunha afirma que a indexação ainda existe, atualmente causada por uma inflação renitente em 6%:

— A demanda por indexação cristalizada em 6% é muito grande, formal e informal. O aumento real do salário mínimo tem como contrapartida a inflação de serviços, que está comendo parte do ganho.

O professor da USP Heron de Carmo teme esse repasse da inflação passada aos preços de hoje. Para ele, o governo errou ao não reduzir para 3% a meta de inflação quando as taxas estavam perto de 4%, entre 2006 e 2007:

— A inflação começou a subir com os choques. Agora, vivemos administrando choques. Ainda temos o custo da taxa de juros entre as mais altas do mundo.

Há de se ter cuidado com as comparações, afirma Mônica de Bolle, da Galanto Consultoria, diante de estágios diferentes de desenvolvimento entre os países. Ela cita o exemplo da China, que deu um impulso no crescimento com a migração da população rural para as cidades, elevando a produtividade e o crescimento. O Brasil viveu este fenômeno com mais intensidade nas décadas de 1960 e 1970. A economista considera boa a média de 3% de crescimento anual, mas chama a atenção para o fato de esta performance ter piorado nos últimos anos. Para 2014, o Relatório de Inflação do Banco Central, divulgado semana passada, já prevê expansão da economia de apenas 1,6%. Mas a avaliação da economista não se repete para as taxas de inflação:

— Ficamos mal na foto na inflação. É alta a média de 7,2%. Muito longe da meta de 4,5%. Tem havido um enfraquecimento institucional no Brasil. Isso fica claro com a inflação muito alta. Se alguns preços não estivessem represados, poderia estar até acima de 7,2%. Deveríamos estar hoje bem abaixo desta média de 20 anos.

Cunha lembra que mesmo países que sofreram com inflação alta não tinham a tradição de indexação do Brasil, citando a quantidade de índices de preços aqui, com os da FGV, da Fipe e do IBGE.

Mônica afirma que Colômbia, Chile e Peru não tiveram o problema inflacionário do Brasil, mas conseguiram adotar políticas de abertura comercial e fazer reformas como a tributária e trabalhista:

— Quando se faz reforma estrutural, ganha-se eficiência. O crescimento sobe, e a inflação cai.

REAL: FALTA DE SURPRESA EXPLICA SUCESSO

Para Lia Valls, especialista em América Latina da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Brasil se saiu bem, na medida do possível, principalmente baixando o patamar da inflação:

— Dentro do possível, a gente se saiu bem. Conseguimos, principalmente, sair da âncora cambial de uma forma que não causou muito trauma na economia. Conseguimos fazer isso de uma maneira que não a inflação não acelerou. Depois se criou um consenso de que a inflação é algo que a gente não deve aceitar.

Cunha afirma que o sucesso do real veio da falta de surpresas. Num artigo em dezembro de 1993, o professor da PUC explica cada passo do plano, com base na divulgação oficial, ao contrário de planos anteriores, que a população só sabia o que ia acontecer na hora.

Na avaliação do diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica do Instituto de Economia da Unicamp, Francisco Lopreato, foi a renegociação da dívida externa que viabilizou o sucesso do Plano Real. Segundo ele, a experiência brasileira seguiu a de outros países da América Latina, que conseguiram se livrar da hiperinflação após reestruturar a dívida dos países.

— Não é coincidência que o Plano Real só tenha ocorrido depois da renegociação. Sem querer tirar o mérito do real, que foi um plano inteligente, o acordo da dívida retomou o acesso ao crédito internacional, o que tornou viável o plano.

sábado, 1 de março de 2014

Plano Real e suas licoes: site do Jose Roberto Afonso

Bons papers, estudos, artigos, no site do economista José Roberto Afonso.
Foi duro, chegar à estabilidade, e parece que ela está sendo erodida pelos companheiros...
Paulo Roberto de Almeida



Hyperinflations - The experience of the 1920s reconsidered a revised version of Ph.D Dissertation originally presented by Gustavo Franco (1986). "Its main purpose was to join my interest in economic history and the ambition to extend and develop some of the new ideas and insights produced in connection with the recent experience with high inflations ands stabilization policies in Latin America."

20 anos depois do Plano Real: um debate sobre o futuro do Brasil evento promovido pelo iFHC que irá discutir os rumos do Brasil depois de vinte anos da estabilização da moeda, com a participação do presidente Fernando Henrique Cardoso e de seus principais colaboradores no Plano Real. O evento ocorrerá no dia 12 de março na Livraria Cultura, São Paulo. 

Reformas fiscais e os fins de quatro hiperinflações por Gustavo Franco. "A maioria das explicações para o fim das hiperinflações europeias da década de 20 atribui papel central a 'reformas' fiscais implementadas de modo mais ou menos simultânea às respectivas estabilizações. Entretanto, poucos tem sido os esforços no sentido de detalhar a natureza e o conteúdo dessas reformas."

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Plano Real, 20 anos: as perolas dos companheiros - Reinaldo Azevedo

O conhecido jornalista, muy amigo dos petralhas, ajuda os esquecidos a se lembrar do que disseram os patriotas sobre o Plano Real no momento do seu lançamento:

Guido, o gênio. No passado e no presente, ele é uma constante: erra sempre
Guido, o gênio. No passado e no presente, ele é uma constante: erra sempre
Nos 20 anos do Plano Real, quero aqui lembrar frases célebres da companheirada. 
Reinaldo Azevedo
(...)
Lula

“Esse plano de estabilização não tem nenhuma novidade em relação aos anteriores. Suas medidas refletem as orientações do FMI (…) O fato é que os trabalhadores terão perdas salariais de no mínimo 30%. Ainda não há clima, hoje, para uma greve geral, mas, quando os trabalhadores perceberem que estão perdendo com o plano, aí sim haverá condições” (O Estado de S. Paulo, 15.1.1994).

“O Plano Real tem cheiro de estelionato eleitoral” (O Estado de S. Paulo, 6.7.1994).
Guido Mantega

“Existem alternativas mais eficientes de combate à inflação (…) É fácil perceber por que essa estratégia neoliberal de controle da inflação, além de ser burra e ineficiente, é socialmente perversa” (Folha de S. Paulo, 16. 8.1994).

Marco Aurélio Garcia

“O Plano Real é como um “relógio Rolex, destes que se compra no Paraguai e têm corda para um dia só (…) a corda poderá durar até o dia 3 de outubro, data do primeiro turno das eleições, ou talvez, se houver segundo turno, até novembro” (O Estado de S. Paulo, 7.7.1994).

Gilberto Carvalho

“Não é possível que os brasileiros se deixem enganar por esse golpe viciado que as elites aplicam, na forma de um novo plano econômico” (“O Milagre do Real”, de Neuto Fausto de Conto).

Aloizio Mercadante

“O Plano Real não vai superar a crise do país (…) O PT não aderiu ao plano por profundas discordâncias com a concepção neoliberal que o inspira” (“O Milagre do Real”, de Neuto Fausto de Conto)

Vicentinho, atual líder do PT na Câmara dos Deputados

“O Plano Real só traz mais arrocho salarial e desemprego” (“O Milagre do Real”).

Maria da Conceição Tavares

“O plano real foi feito para os que têm a riqueza do País, especialmente o sistema financeiro” (Jornal da Tarde, 2.3.1994).

Paul Singer

“Haverá inflação em reais, mesmo que o equilíbrio fiscal esteja assegurado, simplesmente porque as disputas distributivas entre setores empresariais, basicamente sobre juros embutidos em preços pagos a prazo, transmitirão pressões inflacionárias da moeda velha à nova” (Jornal do Brasil,  11.3.1994).

“O Plano Real é um arrocho salarial imenso, uma perda sensível do poder aquisitivo de quem vive do próprio trabalho” (Folha de S.Paulo, 24.7.1994).
Gilberto Dimenstein

“O Plano Real não passa de um remendo” (Folha de S.Paulo, 31. 7.1994 ).


Reinaldo Azevedo

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Vinte Anos do Plano Real: o inicio pela URV - Gustavo Franco (OESP)

20 anos do Plano Real

23 de fevereiro de 2014 | 2h 09

Gustavo H. B. Franco - O Estado de S.Paulo
Na próxima sexta feira, dia 28 de fevereiro de 2014, quando começarem os trabalhos de carnaval, vamos festejar também os 20 anos da publicação da Medida Provisória nº 434, que introduziu a URV (Unidade Real de Valor), uma formidável inovação que assumiu a forma de segunda moeda nacional, porém apenas "virtual", ou "para servir exclusivamente como padrão de valor monetário" (art. 1).
A URV era o real, desde o início. Em seu artigo 2º, a MP 434 já determinava que, quando a URV fosse emitida em forma de cédulas - e assim passasse a servir para pagamentos -, o cruzeiro real seria extinto e a URV teria seu nome mudado para real.
A inflação beirava os 40% mensais, mas, em vista do modo como foi construída, a URV (que Saulo Ramos, com verve e má vontade chamou de "feto de moeda") era uma "moeda estável", ou uma unidade de conta protegida da inflação, portanto, superior às outras em circulação ou em uso para indexar contratos, e por isso as substituiu de modo espontâneo e surpreendentemente rápido.
Na partida, em 1º de março de 1994, a cotação da URV em cruzeiros reais, a moeda de pagamentos, era CR$ 647,50, valor que o BC usava para fixar a taxa de câmbio (e não o contrário). No dia seguinte a URV mudou para CR$ 657,50, conforme a variação da inflação corrente, e depois para CR$ 667,65 assim fomos.
Em poucas semanas a URV se alastrou de forma viral, pois era um convite irresistível: migrar espontaneamente para uma moeda de conta que andava junto com o dólar. Por que o Brasil não poderia ter uma moeda tão boa quanto a de qualquer outro país? Por que a moeda estável, a indexada, era privilégio apenas do rico que usava o "overnight"?
Em 1º de julho, quatro meses depois (e bem poderia ter sido antes!), as novas cédulas e moedas do real foram colocadas em circulação em lugar do cruzeiro real na razão de R$ 1,00 para CR$ 2.750,00. A reforma monetária estava completa e o real em plena circulação. Quem disse que o brasileiro não sabe fazer conta e não é capaz de entender e agir inteligentemente diante de questões econômicas aparentemente complexas?
Depois de 20 anos, a adoção generalizada da URV ainda está cercada de uma aura de mistério e fascinação, e entre os especialistas, é lembrada como uma das experiências de estabilização mais engenhosas e bem-sucedidas que a humanidade já conheceu. O fim da hiperinflação alemã em 1923, que fez uso de um expediente semelhante - o rentenmark - é frequentemente descrito como um "milagre", e desafia explicações, tal como a URV.
O fato é que a introdução da moeda de conta indexada deu início a uma reação química em cadeia, uma espécie de redescoberta do "valor das coisas", que estendia seus efeitos para todo o espectro de simbolismos associados ao dinheiro, sugerindo, inclusive, a identificação entre inflação e imoralidade. Havia muita coisa em jogo no plano simbólico: a moeda, como a bandeira e o hino, está entre os mais importantes símbolos nacionais, de tal sorte que sua degradação, quando levada ao extremo de uma hiperinflação, espalhava suas consequências para muito além da órbita econômica.
Elias Canetti, numa passagem famosa sobre a hiperinflação alemã, observou mais genericamente que uma inflação desse tipo "pode ser tomada como uma orgia satânica de desvalorização no qual os homens e as unidades de seu dinheiro exercem os mais estranhos efeitos sobre si mesmos. Um se projeta no outro, o homem sentindo-se tão 'ruim' quanto o seu dinheiro". Nada a estranhar, portanto, no torpor e na dissolução de valores, entendida de forma mais ampla, em vigor durante aqueles anos e que, infelizmente, deixou sequelas.
O "caminho de volta" enunciado pelo Plano Real compreendia a recomposição e reunificação das funções da moeda em sequência: primeiro a de servir como unidade de conta com a URV, substituindo outros indexadores e unidades de conta usadas em contratos e orçamentos familiares, segundo a de servir como meio de pagamento de curso legal, com a emissão de cédulas e moedas denominadas em real, e por último, e mais difícil, a de funcionar como reserva de valor, teste realizado quando a nova moeda deixou de ser indexada ao dólar e flutuou com relação à moeda norte-americana. E diante do veredicto dos mercados, quando o real apreciou com relação ao dólar, e assim se manteve, o circuito estava completo.
Era apenas o começo, é claro, e o programa prosseguiu, inclusive porque havia clareza que o Plano Real, diferentemente dos outros planos econômicos, compreendia uma extensa agenda de ações contemplando os chamados fundamentos econômicos da estabilização e do desenvolvimento. Era uma linguagem inovadora para uma época em que as pessoas ainda acreditavam em Papai Noel e inflação inercial. Essa agenda era o cerne do programa. A passagem do tempo e a alternância no poder só tornaram mais claro que estávamos adotando paradigmas já bem assentados no tocante à disciplina monetária, à responsabilidade fiscal e à sustentabilidade financeira do Estado.
A URV, depois transformada em real, trouxe a inflação no Brasil para níveis internacionais no início de 1997 sem sustos, confiscos, caneladas e recessão. No ano calendário de 1998 a inflação medida pelo IPCA foi de 1,6%, a menor da série histórica. Foi a menor inflação anual desde que o IPC da Fipe começou a ser calculado em 1940.
Pois assim, a estabilização nos retirou de um estado de torpor e depressão para outro de euforia e ansiedade; a agenda de estabilização rapidamente se converteu na discussão das reformas necessárias para o crescimento, onde estacionamos já faz alguns anos.
O problema do crescimento é semelhante ao da estabilização de muitas formas: ambos dependem de coordenação, persuasão, segurança quanto à consistência macroeconômica e, sobretudo, incentivos corretos. O sucesso da URV e do Plano Real é sempre associado ao estilo da coisa, à transparência no fazer e à ideia de um "convite a aderir" a um mecanismo que os agentes econômicos percebem como superior. Não é um "Pacto Social" negociado por sindicatos e associações patronais, nem um mecanismo compulsório e invasivo como foram os congelamentos. Essas coisas não funcionam: as pessoas, inclusive as jurídicas, preferem exercer suas próprias escolhas orientadas por suas próprias percepções sobre os seus melhores interesses. Assim funcionam as economias de mercado como a nossa. Quando o governo organiza políticas públicas que atentam para esse detalhe crucial sobre o modo com a economia funciona, as coisas costumam dar certo.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Plano Real: 19 anos de relativo sucesso - Flavio Fligenspan

Muito boa análise deste professor gaúcho sobre os 19 anos do Real, o plano de estabilização que os companheiros tentaram destruir, a ele se opuseram ferrenhamente e depois não conseguiram fazer nada melhor a não ser destruir os seus fundamentos macroeconômicos e trazer a inflação de volta...
Paulo Roberto de Almeida

Os 19 anos do Plano Real

Sul 218/jul/2013

No dia 1º de julho o Plano Real completou 19 anos de vida com sucesso em relação ao seu principal objetivo, o de estancar o processo crônico de elevada inflação no Brasil. Ainda que a inflação continue um tema presente no debate econômico do País e que as taxas atuais não correspondam às nossas expectativas — situando-se acima do que se vê nos países de economia estabilizada — os níveis presentes de elevação dos preços no Brasil representam uma vitória em relação ao passado recente, quando flertamos várias vezes com a hiperinflação. O simples fato da moeda atual estar já no seu 20º ano de vigência e com confiança da população é significativo para quem trocou tanto de padrão monetário nos 10 anos que antecederam o real.
Não foram poucos os percalços para chegarmos até aqui. Lembrem-se as repercussões das crises do México (1994/95) e do Sudeste Asiático (1997) no Brasil, dois momentos em que o Plano Real correu sérios riscos, mas sobreviveu às custas de grandes elevações da taxa de juros. Em 1999, nos primeiros dias do segundo mandato de Fernando Henrique, o expediente dos juros não fui suficiente e a fuga maciça do capital internacional nos deixou sem reservas para sustentar a taxa de câmbio manipulada da época. A política econômica dos primeiros quatro anos e meio do Plano teve que mudar. Na realidade quebramos em 1999 e abandonamos a chamada “âncora cambial” – o dólar muito barato que sustentava as importações para competir com os produtos brasileiros e não deixar os preços daqui dispararem. De lá para cá seguimos outro tipo de política, conhecida como “metas de inflação”, cujo instrumento central é a taxa de juros, em lugar do câmbio.
Na passagem de 2002 para 2003, a política econômica foi posta à prova novamente. Diante do temor que a eleição de Lula causava no capital financeiro internacional, que via nele o risco de um governo irresponsável, o script se repetiu, com fuga de divisas e aumento do risco país. O novo Governo começou com uma taxa de câmbio alta e a possibilidade de perder o controle da inflação. Neste momento delicado, mais do que a continuidade do Plano Real, estava em jogo o próprio futuro político do Governo Lula. A política econômica adotada e a própria composição da equipe, muito conservadora, logo acalmou os ânimos. O que aconteceu de bom desde então foi a melhora das contas externas e um processo notável de redistribuição de renda. As contas externas se beneficiaram do aquecimento do mercado internacional e da demanda de commodities, principalmente da China. Exportamos como nunca e melhoramos todos indicadores externos, ao ponto de as reservas de divisas hoje serem maiores que a dívida externa.
No front doméstico as políticas de recomposição do valor real do salário mínimo e o Bolsa Família, associadas à expansão do crédito e ao aumento da escolaridade, causaram saltos importantes na redução das desigualdades sociais e no acesso das camadas mais pobres ao consumo de bens antes inalcançáveis. Isto movimentou o comércio e a produção, até mesmo em regiões antes estagnadas pela pobreza generalizada.
Contudo, muitos aspectos importantes ainda esperam melhores soluções. Um Plano que tinha como diagnóstico central da inflação o problema da indexação da economia brasileira, algo considerado exótico pelos economistas estrangeiros, ainda não resolveu esta questão que reproduz a inflação do passado para o futuro por mecanismos formais e informais. Estudos econométricos mostram que quase um terço da inflação atual se explica pela inflação do passado recente e boa parte do mercado financeiro não abandonou o vício da indexação.
Por sua vez, o atual sistema de metas de inflação, em vigor desde 1999, não tem sido capaz de dar respostas que reduzam a alta dos preços, até porque não está programado nem para combater choques de preços, que muitas vezes vêm de fora do País, nem para lidar com o problema da indexação. O sistema de metas prevê como instrumento contra a alta dos preços a elevação da taxa de juros, o que significa que o diagnóstico é que a inflação é sempre ou majoritariamente causada por excesso de demanda. E nem sempre isto é verdade. O sonho de um ministro da economia de qualquer país é entregar para a sociedade crescimento do PIB e do emprego, contas externas estabilizadas e uma inflação baixa, na casa dos 2% a 3% ao ano. Nossa meta de inflação há dez anos é de 4,5%, alta, portanto, e nem temos conseguido alcançá-la na maioria das vezes.
Portanto, há o que comemorar neste mês de julho de 2013 e há muito o que avançar nos próximos anos.

Flávio Fligenspan é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS